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Mapa Etno-Histórico de Curt Nimunedajú ganhará versão digital
Agência Museu Goeldi – 1º de julho de 1943. As ofensivas alemães avançavam no Leste Europeu, no ocaso da Segunda Guerra Mundial. Enquanto isso, em Belém do Pará, Curt Nimuendajú dava os último traços em um trabalho-síntese sobre a diversidade social e cultural na Amazônia Brasileira. O resultado desse esforço científico é o Mapa Etno-Histórico, que reúne mais de 900 referências sobre povos indígenas desde o século XVI até os anos 1940. O documento do célebre etnólogo está sob a guarda do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e agora, setenta anos depois, vai ser reeditado em livro e disponibilizado em uma plataforma digital de acesso gratuito.
O projeto de digitalização está sob a coordenação do Instituto Nacional do Patrimônio Histórico (IPHAN) e conta com a colaboração da Universidade Federal do Pará (UFPA). O projeto “Plataforma Interativa de Dados Geo-Históricos, Bibliográficos e Linguístico-Culturais da Diversidade Linguística no Brasil” tem por meta inserir na agenda pública questões relacionadas à diversidade linguística no Brasil por meio de documentação histórica, estudos, artigos, mapas e informações gerais.
“Um dos principais produtos desse trabalho será a reedição e digitalização do Mapa Etno-Histórico do Nimuendajú”, diz Marcus Garcia, membro do Departamento do Patrimônio Material do IPHAN. O mapa, acrescentado de novas informações, foi publicado e distribuído em larga escala pelo IBGE nos anos 1980, mas desde 2002 a versão está esgotada. “O mapa é até hoje considerado relevante e atual nas informações que contém, então a ideia é colocar essa publicação pra circular”.
Do papel para a web - Na semana passada, Marcus e uma equipe multidisciplinar deram início a um momento importante do projeto: o registro fotográfico da segunda versão do mapa de Nimuendajú. “Estamos fotografando o documento quadrante por quadrante e aquela informação que está dentro do quadrante vai ser vetorizada e o mapa vai ser disponibilizado na internet”, explica Jorge Domingues Lopes, linguista que coordena a iniciativa pela UFPA.
O mapa de Nimuendajú pertence ao acervo da Biblioteca Domingos Soares Ferreira Penna do Museu Goeldi, onde é preservado pelos profissionais da Seção de Obras Raras. “O mapa de Nimuendajú é de um valor científico e histórico incalculável, um dos maiores patrimônios da nossa biblioteca”, ressalta Gilda Ribeiro, coordenadora de Informação e Documentação do MPEG. Enrolado e guardado em um recipiente adequado à conservação da estrutura do papel, o documento raramente é aberto. Uma dessas poucas vezes aconteceu na terça-feira (24) para o registro fotográfico do IPHAN.
O linguista Jorge Domingues fala sobre a relevância dessa etapa. “O registro é a base para catalogar todas as informações de cada povo identificado no mapa e gerar links para busca com informações etnológicas sobre aquele povo e quais informações históricas Nimuendajú coletou”. Quem quiser ler informações bibliográficas, vai poder baixar as fontes utilizadas por Curt Nimuendajú em uma grande plataforma virtual de informações etnohistóricas que ficará disponível no site do IPHAN. O coordenador afirma que o projeto estará na rede em fevereiro de 2017.
Por enquanto, os interessados em acessar o Mapa Etno-Histórico do etnólogo alemão devem recorrer, além dos livros fora de catálogo do IBGE, às três versões físicas do documento, que datam de 1942, 1943 e 1944, respectivamente. A primeira delas está na Smithsonian Institution, em Washington (EUA), a última no Museu Nacional do Rio de Janeiro, e a do meio no Campus de Pesquisa do Museu Goeldi, sediado no bairro da Terra Firme, em Belém.
Curt Nimuendajú na Amazônia e no Museu Goeldi – Nascido Curt Unckel na cidade alemã de Jena, Nimuendajú (1883-1945) foi batizado assim pelos guaraní em uma de suas vivências com tribos indígenas pelo Brasil. Que uma das cópias de sua obra seminal esteja na Amazônia e no Museu Paraense Emílio Goeldi é emblemático, segundo explica o historiador Nelson Sanjad. “A relação de Nimuendajú com o Museu Goeldi ocorre ao longo da vida dele. Na década de 1910, ele é contratado como chefe da Seção Etnológica pela então diretora Emília Snethlage e, pela primeira vez, classifica e organiza a coleção etnológica do Museu Goeldi, em 1922”. Depois de um trabalho destacado no Serviço de Proteção aos Índios (SPI), Nimuendajú volta ao Museu Goeldi na década de 1940, já consagrado como um dos grandes etnólogos da sua geração. “Essa passagem é especialmente importante, porque é o momento que ele produz as três versões do Mapa Etno-Histórico. É o ápice da carreira e da expertise de Nimuendajú”, continua o historiador.
Para Sanjad, o grande legado do Mapa Etno-Histórico, que perdura até os dias atuais é “o estado da arte da pesquisa etnológica até a década de 1940. O Nimunedajú compilou centenas de referências bibliográficas e as condensou em um suporte gráfico sobre a localização, deslocamento e as famílias linguísticas dos povos indígenas identificados, incluindo as línguas faladas e extintas na época”.
Texto: João Cunha