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Livros para impulsionar a ciência na Amazônia: um legado de Goeldi
Agência Museu Goeldi - "Como há de se determinar objetos de história natural sem obras sistemáticas?". Essa ponderação, feita pelo naturalista e zoólogo suíço Emílio Goeldi ainda em 1894, foi um dos pontos de partida determinantes para os primeiros esforços de criação, na região, de acervos que apoiassem as ações em ciência na Amazônia.
Essa preocupação de Goeldi, registrada em seu primeiro relatório ao chegar ao Pará para dirigir o então “Museu Paraense de História Natural e Etnographia”, traduz a importância que as coleções bibliográficas científicas tiveram para o esforço pioneiro de formar a instituição, que em 2016 completa 150 anos.
Nesse século e meio, a ideia de enriquecimento progressivo de acervos, defendida por Goeldi, se manteve no Museu - e foi estabelecida em grande parte por empenhos pessoais e institucionais. Paralelamente, a política de doações para seu acervo foi fortalecida e ganhou contornos cada vez mais sistematizados dentro do MPEG. Um exemplo disso é o cuidado dado recentemente à coleção Osvaldo Cunha, doada ao Museu Goeldi pela família do herpetólogo Osvaldo Rodrigues da Cunha (1928-2011).
O acolhimento inicial desse acervo, que envolve uma grande equipe, dedicada à triagem, higienização e esforço de conservação de 33 caixas de livros e periódicos, está quase concluído. Posteriormente, mais nove caixas com valiosas publicações ainda serão higienizadas e tratadas. E quando terminar, esse trabalho resumirá o estado mais atual e aplicado de um esforço pioneiro que há um século e meio foi iniciado na região.
História viva - Os ideais de Emílio Goeldi, expressos ainda em 1894, em defesa da formação de um acervo com obras para o apoio à produção de conhecimento na Amazônia, viriam a ser concretizados em seguida, em Belém.
Vindo do Museu Nacional do Rio de janeiro, após a Proclamação da República, o zoólogo suíço assumiu, em junho de 1894, a direção do Museu Paraense. Sete meses depois, em janeiro de 1895, finalmente foi criada a Biblioteca Domingos Soares Ferreira Penna, que em 2016 também completou 121 anos de existência.
Com apenas um quarto das suas primeiras projeções de acervo feitas por Goeldi, a Biblioteca Domingos Soares Ferreira Penna foi inicialmente enriquecida aos poucos, com permutas do primeiro Boletim do Museu Paraense com conceituadas instituições científicas de vários continentes.
Em 1896, Emílio Goeldi já almejava obter obras complementares. "Além daquelas voltadas para as especialidades de atuação do Museu, e também de viagens e expedições, Emílio Goeldi estava em busca de obras que permitissem cabedal no estado atual das ciências naturais relativas à Amazônia, e que permitissem embasamento e sucesso nas argumentações com o mundo científico", ressalta Gilda Ribeiro, responsável pela Coordenação de Informação e Documentação do Museu Goeldi (CID).
Abrigando as bibliotecas e os acervos bibliográficos e arquivísticos da instituição, a CID hoje cuida de aproximadamente 340 mil volumes, entre livros, periódicos nacionais e internacionais, folhetos, teses, dissertações, monografias, publicações seriadas, material multimídia e coleções que incluem itens que vão desde o século XVI até os dias atuais.
Doações de gerações - As coleções da Biblioteca Domingos Soares Ferreira Penna também chegaram a ser enriquecidas até com doações reais, como as feitas pelo príncipe Alberto I, de Mônaco, e as do Príncipe Fernando I, da Bulgária. Também passaram a integrar parte deste acervo obras científicas como as do professor John Casper Branner (1850-1922), da Universidade de Stanford, Califórnia. Geólogo norte-americano, Branner foi um dos fundadores da Universidade de Stanford (EUA) e também expert em geologia brasileira: esteve em expedições no País em 1899 e entre 1907 e 1908.
"Nesse período foram adquiridas séries completas de peso, como Iust's Botaniches Iahrbucher e o International Archive fur Ethnographie . Em 1901, foram adquiridas obras importantes de sistemática zoológica e botânica, como as de Cuvier e Temminck", ressalta Gilda Ribeiro. Outros importantes títulos chegaram por compra, como as obras completas de Humboldt e Bonpland, Voyages aux régions équinoctiales , e Sertum Palmarum Brasiliensum , de Barbosa Rodrigues.
Na história da formação do acervo bibliográfico e arquivístico do Museu Goeldi, no entanto, esforços pessoais também se destacam de forma relevante. São ações que fizeram a diferença em vários momentos desse século e meio de trajetória institucional. "Diversas pessoas organizaram o acervo da Biblioteca Domingos Soares Ferreira Penna. O próprio Emílio Goeldi esteve às voltas com o catálogo. Jacques Huber, que substituiu Goeldi, em 1907 exerceu os serviços da Biblioteca. O catálogo de fichas e folhas separadas foi continuado por Otilia Muller e Machado Coelho. Até que chegou a importante bibliotecária Clara Galvão, que formou, no ofício, várias profissionais que hoje ainda atuam com seus conhecimentos na Biblioteca", conta Gilda Ribeiro.
O acervo Osvaldo Cunha - Desse trabalho contínuo de gerações, que hoje se agrega a gente mais nova na Biblioteca do Museu Goeldi, o acolhimento da doação da coleção particular do pesquisador Osvaldo Cunha, que pertenceu ao quadro da instituição, é o mais significativo exemplo atual de um grande esforço institucional movido a superações pessoais.
Osvaldo Rodrigues da Cunha (1928-2011) foi herpetólogo. E foi para o MPEG que Cunha dedicou a maior parte de sua vida profissional voltada à herpetologia - o ramo da zoologia que estuda os répteis e anfíbios. E ainda quando estava em atividade no Museu, Cunha já havia deixado legados importantíssimos nessa área, como estudos pioneiros e o fortalecimento da Coleção Herpetológica do MPEG. "Quando Cunha se aposentou, a Coleção Herpetológica do MPEG já contava com 38 mil exemplares, um aumento de quase 60 vezes em relação ao número existente em 1965", ressalta a coordenadora da CID, Gilda Ribeiro. Nessa época, o MPEG conseguiu formar a maior coleção herpetológica com material da Amazônia brasileira no País. E assim consolidou também a terceira maior coleção herpetológica do Brasil.
Mesmo após sua morte, Cunha segue enriquecendo o acervo do Museu. A família do pesquisador doou à instituição uma parte de livros e periódicos. Os mais de mil volumes estão se integrando ao acervo do MPEG. E o belo nisso é assistir como o passado, representado pelo legado de Cunha, se funde ao esforço do presente, apontando o futuro. "Para o recebimento dessa doação, foram deslocados 12 técnicos da Biblioteca, para fazer a triagem de um acervo que já estava abrigado há dois anos na casa de Osvaldo Cunha, aos cuidados da sobrinha Ana Lúcia Cunha", detalha Gilda Ribeiro.
O trabalho exigiu triagem minuciosa dos títulos, voltados a várias áreas de interesse do Museu Goeldi, observando o valor científico de cada volume e a raridade das obras. A grande maioria dos títulos já foi tratada. Ao todo, 945 volumes já foram higienizados – e muitos fumigados, em função do seu estado de conservação e contaminação por fungos e insetos. Restam apenas seis caixas para o término desses trabalhos. "Certamente este acervo de Cunha enriquece ainda mais a coleção científica do Museu Goeldi. Para ressaltar a sua importância, constam alguns autores como Coudreau, Darwin, Gould, Herrmann, Martius, Spix, Wallace, Nimuendajú e até Volumes da Coleção Brasiliana , que agora foram acrescidos às nossas coleções", comemora a coordenadora da CID.
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Texto: Lázaro Magalhães