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Livro-reportagem e documentário revelam bastidores do trabalho dos Arqueólogos da Amazônia
Agência Museu Goeldi - Há pelo menos 13 milênios o homem vive, sonha, lamenta suas perdas e administra recursos para viver na região Amazônica. Vestígios de ocupação deixados por essas pessoas, que há muito se foram, são o objeto de estudo dos arqueólogos e por meio deles é possível reconstituir partes dessa história tão antiga.
No livro “Na Rota dos Arqueólogos da Amazônia, 13 Mil Anos de Selva Habitada”, lançado na última terça (3), no Campus de Pesquisa do Museu Goeldi, a jornalista Solange Bastos acompanha o cotidiano de trabalho dos arqueólogos da região, resume resultados de suas pesquisas e reforça: ao contrário de mitos ainda correntes, a Amazônia não é e nem permaneceu intocada pelo homem ao longo dos milênios.
O Livro - Em 680 páginas, Solange Bastos desenvolve nove capítulos e mais anexos compostos de mapas, ilustrações, esquemas teóricos, resumos sobre o desenvolvimento da arqueologia no Brasil, além de documentos que discorrem sobre a relação das pesquisas arqueológicas com o impacto socioambiental causado por grandes obras na Amazônia.
A autora percorre principalmente o estado do Pará, acompanhando arqueólogos a viagens de campo em regiões como o Marajó e a bacia do Tapajós, além dos estados do Amapá, Rondônia, Acre e Amazonas. O livro traz histórias sobre o trabalho realizado por instituições como a Universidade do Estado do Amazonas, a Universidade Federal do Oeste do Pará e o Museu Paraense Emílio Goeldi, seus bastidores, conquistas e curiosidades.
Guiada por seu faro jornalístico e também por pesquisadores como Edithe Pereira, Solange mergulha no legado de cientistas como Betty Meggers, Curt Nimuendajú e Anna Roosevelt, assim como no de outros com atuação mais recente, como Eduardo Neves, Helena Pinto Lima e Anne RappPy-Daniel.
Visões diferentes sobre a Amazônia - Como resultado, a jornalista tem um registro das principais pesquisas desenvolvidas na região, das pessoas que as desenvolvem, suas hipóteses e construções teóricas. Tudo em uma linguagem coloquial e visualmente atraente. De acordo com a autora, esses conhecimentos são fundamentais para mudar certas visões sobre a região que persistem ainda hoje.
A partir de informações arqueológicas, Solange avalia que é possível dizer que, ha milênios, diferentes grupos em diferentes contextos já manejavam e transformavam a floresta a sua volta, estabelecendo relações de sazonalidade, alteridade, alternância e eventualmente de nomadismo, para que o lugar onde exploravam recursos pudesse se “refazer”.
“Essa interação e essa complexidade permitem que hoje a gente tenha a floresta amazônica como temos. Não é uma floresta intocada. Ela foi muito tocada, muito manejada, mas com um determinado saber acumulado. É isso que devemos olhar com respeito e quem sabe reaprender com os moradores contemporâneos, legítimos herdeiros desses saberes”, pondera a autora.
“Mundurukânia” – Junto ao livro, foi produzido também um documentário chamado “Mundurukânia, Na Beira da História”, de autoria de Miguel Viveiros de Castro, filho de Solange. O documentário foi realizado com apoio do LAVAI - Laboratório de Antropologia Visual e Arqueologia da Imagem, da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), na região do rio Tapajós.
Na bacia do rio Tapajós, importantes sítios arqueológicos estão ameaçados por um projeto do Governo Federal para a construção de hidrelétricas em vários pontos. No documentário, é debatida a importância de os arqueólogos se colocarem ao lado dos ocupantes contemporâneos dessas áreas, que serão duramente atingidos por tais projetos e que não estão sendo ouvidos. Um exemplo são os indígenas Munduruku da terra Sawré Muybu, que aguardam demarcação oficial de suas terras, em uma região que já foi conhecida como Mundurukânia por ser historicamente ocupada por eles.
Sobre isso, Solange avalia que “o chamado desenvolvimento, na verdade, é uma relação predatória e suicida. Porque estamos acabando com recursos básicos. Você vai fazer uma hidrelétrica em nome da ‘energia limpa’, quando a gente sabe que isso vai matar o rio Tapajós, que os peixes não vão poder se reproduzir, que as populações que ali vivem se tornarão faveladas, marginalizadas e vão morrer de doenças e falta de assistência. Ou seja, você está destruindo todo um contexto que tem milênios de história”.
Assim, a autora conclui que o arqueólogo não é apenas aquele que “está longe estudando pirâmides, ou coisas que não tem nada a ver com nosso cotidiano”, mas sim um profissional que estuda um passado diretamente relacionado ao nosso presente. Para ela, “esse conhecimento passa a ter o papel de redimensionar, junto à sociedade, o que é a Amazônia. Ela não é um lugar vazio de gente que você pode chegar e fazer o que quiser – caricaturando uma visão dos anos 60, mas cujos resquícios ainda estão na visão dos governantes”.
Texto: Uriel Pinho