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Diálogo entre Ciência e sociedade para preservar a Amazônia
Agência Museu Goeldi - Na mesma semana em que dezenas de chefes de estado e governo se reuniram na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 22), em Marraqueche, no Marrocos, cientistas da região amazônica estiveram reunidos em Belém, Pará, para debater o futuro de um patrimônio inestimável: nossa biodiversidade.
Foi no VIII Seminário do Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio Amazônia Oriental), que aconteceu em Belém entre os dias 7 e 11 de novembro, no Campus de Pesquisa do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG).
Durante o evento foram apresentados resultados de pesquisas alcançados nos estados do Pará, Amapá, Amazonas, Tocantins, Maranhão e Mato Grosso, além de experiências de gestores que estão em campo, com os pés e os olhos na Amazônia. O PPBio Amazônia Oriental é coordenado pelo Museu Goeldi e foi constituído há 12 anos.
Biodiversidade - Alberto Akama , zoólogo do Museu Goeldi, atualmente coordenando o Núcleo Executor do Programa na Amazônia Oriental, ressalta a conexão entre os eventos de Marrakeche e de Belém: um dos motivos para preservar a biodiversidade da Amazônia é a preocupação com a resiliência desta frente às mudanças climáticas. A floresta e outros sistemas naturais provém os chamados serviços ecossistêmicos e mudanças climáticas podem alterar as caraterísticas desses serviços.
“Há mais de 20 ou 30 anos que a gente vem batendo na tecla de que a preservação da floresta amazônica é importante para o regime de chuvas da região sul e sudeste do Brasil [por exemplo]. Mas só quando teve uma extrema seca nessas regiões, recentemente, é que se falou sobre a teoria dos rios voadores e se levantou o problema do desmatamento da Amazônia afetando São Paulo e Rio de Janeiro. O regime de chuvas do sul/sudeste é controlado, sim, pelo que acontece na Amazônia. Isso é uma questão direta, não é chute. Não pode ser apenas nos momentos de crise que a gente leva em consideração a importância dos recursos naturais. Enquanto não dói na carne, a gente continua fazendo tudo errado”, exemplifica Alberto.
Enquanto os líderes mundiais se preocupavam em como efetivar o acordo de Paris – que busca comprometer 196 países a reduzirem a emissão dos “gases do efeito estufa” para frear as mudanças climáticas que já estão acontecendo e com resultados negativos para o bem-estar mundial a médio e longo prazo -, os cientistas da Amazônia colocavam em pauta questões fundamentais nesse processo que afeta o futuro dos habitantes da região e do mundo: como aumentar o alcance do resultado de suas pesquisas para a sensibilizar a sociedade de maneira mais ampla?
Produção - Para o Dr. Alberto Akama, respostas para essa pergunta passam pela melhoria da educação ambiental no ensino básico e sensibilização de gestores e da casse política, além do setor produtivo para valorizar e efetivar leis que preservam áreas florestadas, corrigindo incoerências entre a legislação ambiental e a política de incentivos fiscais que valoriza áreas desmatadas.
“A gente tenta discutir com o setor produtivo que é importante preservar as matas através de RPPN (Reserva Particular de Patrimônio Natural), cuja legislação é bastante interessante. Mas quem quer preservar ou fazer sistema agroflorestal não consegue financiamento. É muito difícil falar de preservação quando os próprios mecanismos de financiamento te obrigam a derrubar a floresta. O Brasil assinou meta zero de desmatamento, e os nossos mecanismos de financiamento pra produção são justamente o oposto disso. O novo código florestal é justamente o oposto disso. É uma questão muito esquizofrênica”, conclui Akama.
Para a bióloga da Embrapa Amazônia Oriental, Joice Ferreira , a colaboração com o setor produtivo e o desdobramento de pesquisas em orientações para proprietários rurais são fundamentais. A pesquisadora apresentou resultados de pesquisas desenvolvidas pela Rede Amazônia Sustentável , uma parceria entre o INCT Biodiversidade e Uso da Terra da Amazônia , com sede no Museu Goeldi, e a Embrapa.
As pesquisas foram desenvolvidas especialmente em áreas privadas de Santarém-Belterra e Paragominas, no Pará. A Rede Amazônia Sustentável já identificou 1500 espécies de plantas, 460 espécies de aves e 150 espécies de besouros.
Além dos dados sobre a diversidade biológica, os pesquisadores perceberam que é fundamental para a conservação que exista uma rede de florestas em áreas “privadas” que façam com que as unidades de conservação públicas não fiquem isoladas. Perceberam também que é possível oferecer informações que orientem os produtores rurais para alternativas mais efetivas, tanto para a biodiversidade quanto financeiramente.
“Às vezes, cada propriedade rural, por exemplo, tem um investimento muito alto pra fazer plantio pra recuperação das chamadas áreas degradadas. Agora, e se ao invés de fazer esse plantio, eu cuidar de fazer a compensação da minha área de reserva em outra área, que seja de floresta primária, que merece ser conservada? Qual é o benefício ambiental, em termos de biodiversidade? Qual o custo de evitar fogo, de evitar entrada, invasão e roubo de madeira? Pode ser um custo muito menor”, comenta Joice Ferreira.
Sobre a colaboração do setor produtivo, foram apresentadas ainda as ações de pesquisa realizadas com a mineradora norueguesa Hydro, que também esteve presente no Seminário. A parceria da empresa com pesquisadores já resultou em mais de 1600 hectares de área recuperada no município de Paragominas, onde a empresa atua, além de ações de monitoramento de biodiversidade e da constituição do Consórcio Brasil Noruega de Pesquisa em Biodiversidade (BRC), formado pela empresa junto a instituições como a Universidade Federal do Pará, o Museu Goeldi e a Universidade de Oslo.
Redes - Além de olhar para as espécies maiores, que tal olhar para a diversidade no solo? Guillaume Rousseau , professor da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), expôs resultados de pesquisas sobre pequenos animais, nem sempre carismáticos, mas que têm importância fundamental para o funcionamento de ecossistemas: as oligoquetas (“minhocas”) e as formigas. As pesquisas foram realizadas no chamado Centro de Endemismo Belém, que se estende desde a metade oeste do Maranhão até a região metropolitana de Belém e é delimitado ao sudoeste pelo rio Tocantins.
Apenas na região da Reserva Biológica de Gurupí – uma das últimas áreas florestadas da Amazônia maranhense – foram encontrados quatro novas ocorrências de gêneros de formigas para aquele estado. Para as oligoquetas, esse número foi muito maior: foram 124 espécies e gêneros novos. Isso faz da Reserva Biológica do Gurupi a região com maior diversidade de espécies nativas “não conhecidas” de oligoquetas das áreas investigadas pelos pesquisadores.
Toda essa diversidade pode estar ameaçada pelos constantes ataques de madeireiros ilegais à reserva e às terras indígenas da região. Para Guillaume Rousseau, tanto do ponto de vista da gestão quanto da ecologia, faria todo sentido estabelecer um mosaico formado pelas áreas de conservação da região, formando um corredor com a Terra Indígena Araribóia, que atualmente se encontra isolada ao sul do bloco da Rebio Gurupi. Isso possibilitaria a circulação de genes entre a fauna e a flora e maior segurança para as comunidades humanas que lá vivem, com integração de ações de fiscalização, monitoramento e combate a incêndios.
De acordo com Alberto Akama, assim como é um desafio desdobrar ações de pesquisa em políticas públicas que sejam acessíveis aos atores políticos e demais atores sociais, é também um desafio manter um programa de governo como o PPBio Amazônia Oriental, que se propõe a investigar uma área que equivale a cerca de 30% do Brasil e cujos estados abrigam o maior contingente populacional da Amazônia Legal: cerca de 20 milhões de pessoas.
“O programa estava estritamente acadêmico no início, continua estritamente acadêmico” avalia Alberto. De acordo com ele, hoje os pesquisadores percebem que a questão política também é muito importante em termos de conservação.
Texto: Uriel Pinho