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Cientistas divulgam manifesto contra Medida Provisória 910
Agência Museu Goeldi - Formada por 74 pesquisadores brasileiros, a Coalizão Ciência e Sociedade publicou esta semana um manifesto contrário à Medida Provisória 910, de 2019 (MP 910). Conhecida como MP da Grilagem, a medida altera drasticamente as regras sobre regularização fundiária de ocupações em terras públicas federais e, com o prazo de votação previsto para expirar no dia 19 de maio, entrou na pauta da Câmara Federal na tarde da última terça, 12. Depois de forte pressão popular, a votação foi retirada da pauta no começo da noite, com a promessa de retornar sob a forma de projeto de lei.
A recomendação dos especialistas é que o Congresso Nacional rejeite a proposta, pois, além de anistiar crimes como o de invasão de terras públicas praticados entre 2011 e 2018, a medida, em sua forma original, ainda permite a titulação de áreas públicas desmatadas ilegalmente nesse período.
“Não há urgência ou lacuna legal que justifique a edição da MP 910. Uma medida com tais impactos não deveria ser decidida numa situação de emergência, como essa da pandemia que atualmente assola o país. Em pleno recrudescimento do desmatamento, o Poder Legislativo não pode aprovar uma proposta que legitima a grilagem e o desmatamento ilegal, beneficiando grandes produtores rurais em detrimento de agricultores familiares e de populações tradicionais”, aponta o manifesto. Entre as autoras do documento estão as pesquisadoras Ima Vieira, do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), Maria Teresa Piedade, do Instituto de Pesquisa da Amazônia (Inpa), Helder Queiroz, do Instituto Mamirauá, Joice Ferreira, da Embrapa Amazônia Oriental e Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília (UnB).
Segundo o documento, a fim de legitimar as ocupações ilegais em reservas indígenas e áreas de proteção ambiental, a MP 910 altera várias leis federais, entre as quais se destacam a Lei nº 11.952, de 25 de junho de 2009, que dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União; a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, que institui normas para licitações e contratos da administração pública; e a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que dispõe sobre os registros públicos.
Terras públicas - Do total de 123 milhões de hectares de terras públicas federais, cerca de 12 milhões foram destinadas para Terras Indígenas (10%), 14 milhões para Unidades de Conservação de Proteção Integral (11%), e outros 14 milhões para Unidades de Conservação de Uso Sustentável (11%).
Com 48% do total, a maior parte dessas terras públicas foi destinada ao uso agropecuário, com 19,5 milhões de hectares (15%) transformados em assentamentos e áreas de uso comunitário, 13 milhões (10%) em áreas privadas tituladas e cerca de sete milhões (7%) mobilizadas como imóveis pelo Programa Terra Legal, ainda em processo de análise.
Um relatório científico produzido este ano por pesquisadores das Universidades de São Paulo (USP) e Federal de Minas Gerais (UFMG) demonstra que a MP 910 deve aumentar a concentração de terras por grandes proprietários, com a destinação de mais 43 milhões de hectares de terras federais (34% do total) para o uso agropecuário ou sem destinação. Desses 43 milhões, aproximadamente 18 milhões (14%) já foram autodeclaradas como privadas pelo Cadastro Ambiental Rural (CAR) e cerca de 25 milhões (20%) correspondem a “áreas sem indicação de destinação, que se encontram fora do CAR”.
Segundo o manifesto, esse cenário levou a uma corrida em busca de terras na Amazônia por grileiros, especializados em invadir e especular.
“O problema da grilagem é sabidamente responsável pela maior parte do desmatamento ilegal, pela violência e pelo clima geral de insegurança na região. Em 2019, as queimadas e o desmatamento na Amazônia atingiram a maior taxa anual dos últimos dez anos e, mesmo na pandemia, o desmatamento não desacelerou. A legalização de invasões na Amazônia pode levar ao desmatamento adicional de até 1,6 milhão de hectares até 2027, caso uma área pública federal de 19,6 milhões de hectares na região seja privatizada”, alerta o documento.
Novo texto - Relator da MP 910, o senador Irajá Abreu publicou no dia 30 de março deste ano um novo texto para o mesmo projeto de lei de conversão de terras públicas. Segundo especialistas, o texto mantém ou agrava alguns dos problemas do projeto inicial, trazendo ainda novos problemas.
A análise preliminar do novo relatório foi feita por pesquisadores do Climate Policy Initiative, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/ PUC-Rio). De acordo com o estudo, o texto: 1) mantém as principais regras prejudiciais à regularização fundiária; 2) recua em alguns avanços que tinham sido feitos no relatório anterior; 3) faz alguns avanços tímidos e 4) insere matérias de conteúdo estranho ao objeto originário da medida provisória, os chamados contrabandos legislativos.
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal, em nota técnica afirma que, se aprovada, a MP trará danos sociais, ambientais e econômicos. O parecer foi dado em consonância ao emitido pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Populações tradicionais - Atualmente, o Brasil possui 237 processos de demarcação de terras indígenas em curso. Até abril deste ano, ninguém podia negociar áreas ocupadas ou griladas dentro desses territórios, mas no dia 22 de abril a Fundação Nacional do Índio (Funai) mudou as regras, permitindo que essas áreas sejam vendidas, loteadas, desmembradas e invadidas.
A Instrução Normativa (IN) 09/2020 da Funai alterou o regime de emissão do documento chamado “Declaração de Reconhecimento de Limites”. Até então, o documento tinha a finalidade de fornecer aos proprietários de imóveis rurais a mera certificação de que foram respeitados os limites em relação aos imóveis vizinhos, onde vivem populações indígenas.
Agora, a Funai reconhece que os limites de imóveis e até mesmo de posses (ocupações sem escritura pública) só são válidos no caso de Terras Indígenas homologadas por decreto do presidente da República, sendo que há centenas de processos de homologação ainda não finalizados, além de outros que sequer foram iniciados.
De forma mais ágil que o reconhecimento dos territórios indígenas pelo Estado, essas invasões poderão ser legalizadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) através de um simples cadastro autodeclaratório.
Enquanto isso, alertam os pesquisadores, centenas de comunidades tradicionais brasileiras aguardam o processo de regularização de seus territórios. Por exemplo, das cerca de 2,6 mil comunidades já reconhecidas como quilombolas, apenas 1,7 mil tiveram os seus processos de titulação de territórios iniciados ou concluídos.
Foto: Terra Indígena - Greenpeace - Fábio Nascimento