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Ariranhas de Belo Monte formam “nova família” no Museu Goeldi
Agência Museu Goeldi – Após dois anos de delicado trabalho de manejo, a equipe técnica do Museu Paraense Emílio Goeldi - MPEG conseguiu, com sucesso, dar início a um grupo social de ariranhas ( Pteronura brasiliensis ) no Parque Zoobotânico da instituição, em Belém (PA). Duas fêmeas jovens, de menos de três anos, agora passam o dia com um macho adulto de cerca de nove anos, que até então vivia solitário. E o mais importante: uma das fêmeas também está acasalando com o macho, comportamento reprodutivo que comprova o sucesso da socialização e abre a possibilidade para que a nova “família” cresça.
A ariranha é o maior carnívoro semiaquático da América do Sul, sendo a espécie de lontra com o maior risco de extinção do mundo. Possui hábitos essencialmente diurnos e vive nas margens de rios, onde se alimenta principalmente de peixes. Na Amazônia, a perda, descaracterização e fragmentação dos hábitats por atividades humanas a tornam vulnerável. Os filhotes, ao serem resgatados, são encaminhados a instituições zoológicas, que se encarregam de trata-las e garantir sua saúde.
Resgate – As duas fêmeas que vivem no Parque do Museu foram encontradas na área de construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte (PA), no final de 2014, quando tinham cerca de dois meses. Foram criadas pela equipe técnica do Goeldi, onde passaram por processo de adaptação alimentar e ambiental, até serem apresentadas ao seu parceiro, conhecido como Erê – as jovens fêmeas foram batizadas de Castanha e Pupunha.
A bióloga Jéssica San Martin, bolsista do Programa de Capacitação Institucional do Museu Goeldi, é responsável por identificar e qualificar os comportamentos das ariranhas durante seu manejo. Ela explica que todo conhecimento gerado com a experiência das ariranhas Erê, Castanha e Pupunha no Zoobotânico do Goeldi contribuirá para a conservação da espécie fora de seu lugar de origem (conservação ex situ ).
É cada vez mais frequente o resgate de animais silvestres em situação de risco, como filhotes órfãos, tornando urgente a necessidade de locais preparados para receber e manter os bichos ameaçados por tempo prolongado. “Esse papel é desempenhado por muitos zoológicos, criatórios e outras unidades comprometidas com a conservação, que utilizam a avaliação comportamental como ferramenta para promoção do bem estar destes animais”, destaca Jéssica.
Aproximação – As ariranhas são animais de forte vínculo social, vivendo em grupos de 12 indivíduos ou mais. Defendem ativamente seus territórios por meio de um sistema avançado de comunicação, que envolve sinais olfativos e acústicos. Usam ainda as unhas e patas para deixar marcas no ambiente. Essa característica territorialista é um dos motivos pelos quais a aproximação de animais com origens diferentes em cativeiro é tão delicada, ao mesmo tempo em que a socialização é elemento importante para animais que vivem em grupos tão numerosos.
Ao longo de dois anos, foi realizado o manejo isolado das duas fêmeas, seguido da troca semanal de ambiente entre elas e o macho, sem contato direto, até chegar à fase atual, quando os animais passam o dia juntos e voltam a ser separados no final da tarde. Não há sinais de agressividade e uma das fêmeas, que se mostrou a dominante, já acasalou diversas vezes com o macho. A previsão é de que no próximo mês, os três possam ficar juntos no mesmo ambiente, inclusive durante a noite.
Comportamento - Ao longo de todas as fases, os animais foram observados para descrição de seus padrões comportamentais, como marcação territorial, alimentação, afetividade e agressividade. A qualquer momento, o manejo podia ser alterado, visando a integridade de Castanha, Pupunha e Erê. As observações geraram uma espécie de lista ou inventário de comportamentos conhecido como etograma. Com o etograma, é possível avaliar o comportamento entre as fêmeas, entre as fêmeas e o macho e o comportamento individual de todos.
Vários cuidados foram tomados. Em algumas fases de aproximação, a quantidade de alimentação oferecida aos animais era aumentada, por exemplo, para que com a “barriga mais cheia” eles fossem menos propensos a expressar agressividade. No início do contato direto, os tratadores também ficavam a postos com equipamentos preventivos para a separação em caso de eventuais brigas.
Conservação – Jéssica San Martin ressalta que animais resgatados, requerem cuidados para que não percam sua identidade biológica. “Existem espécies que foram reintroduzidas na natureza porque foram manejadas da forma correta em zoológicos. Então, todo trabalho que é desenvolvido, demandando dados de como manter e promover o bem estar dos animais em cativeiro, é importante. Ainda mais por se tratar de uma espécie ameaçada de extinção [como a ariranha]”, diz Jéssica. Ela também destaca que, uma das metas do Plano de Ações Nacional para a Conservação da Ariranha é justamente o estabelecimento de um programa de conservação em cativeiro.
Antônio Messias, veterinário do Museu Goeldi e supervisor da pesquisa desenvolvida por Jéssica, afirma que bons zoológicos têm um papel muito importante, pois além de levar o conhecimento e a sensibilização sobre o mundo animal, contribuem por meio de pesquisas, apoiando a saúde e a conservação em tempos em que o meio natural se encontra cada vez mais doente e ameaçado.
“Todo dia chegam aqui animais que precisam passar por cuidados humanos. O caso das ariranhas provoca a reflexão do quanto o Parque Zoobotânico do Museu Paraense Emílio Goeldi deve ocupar um lugar importante na sociedade”, diz Messias.
Reprodução – Agora que as três ariranhas finalmente estão juntas, começando a de fato formar um grupo social e já acasalando, a nova expectativa é que haja filhotes. Mas esse já é um outro passo. Como as fêmeas são inexperientes, podem não saber cuidar dos filhotes. O infanticídio também é relativamente comum em cativeiro. Então pode levar alguns anos até que o público do Museu Goeldi possa ver o grupo com suas crias.
Para criar mais facilidades reprodutivas, uma nova toca subterrânea será oferecida ao grupo de ariranhas, visando maior privacidade. Nela será criado um dispositivo para câmera filmadora, com o objetivo de levantar dados quanto aos cuidados da mãe para com as crias. Também será readequada uma sala para eventual criação artificial dos filhotes.
As fêmeas de ariranha produzem uma ninhada de um a cinco filhotes por ano, após uma gestação de aproximadamente 60 dias. Os filhotes começam a caçar sozinhos a partir de três meses e atingem maturidade sexual entre dois e três anos de vida, quando deixam o grupo familiar para formar os seus próprios grupos.
Acesse aqui a página do projeto Viva Amazônia com reportagem, vídeos e miniaturas da Ariranha.
Texto: Uriel Pinho e Joice Santos