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Ampliando o horizonte: estudantes da floresta de Caxiuanã contam suas histórias nos Estados Unidos
Agência Museu Goeldi – Em abril, oito alunos da Escola de São Sebastião, do município de Portel (Pará), vão ao encontro dos alunos da Escola Fairchild Wheeler Interdisctrict Magnet , em Connecticut (EUA) para compartilhar experiências. Apesar da distância, um aspecto une os estudantes da Amazônia e dos Estados Unidos: a vida com as águas, afinal ambas as localidades onde vivem são banhadas por rios, relação que conduz o intercâmbio.
A aventura que aproxima realidades tão distintas é resultado do projeto Lifelines/Aspectos Vitais: a convergência de Artes, Ecologia e Cultura na Amazônia e Nova Inglaterra , parceria entre o Museu Paraense Emílio Goeldi e o Stepping Stones Museum for Children .
O projeto Lifelines faz parte da 9ª edição do Programa Museums Connect , financiado pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos. Do lado americano, o Stepping Stones conta com a parceria do Maritime Aquarium e da Creative Connections . Do lado brasileiro, o Instituto Transformance , o projeto Nortear coordenado pelo professor Luiz Adriano Damielo (Universidade Federal do Pará) e a Prefeitura de Portel são os parceiros do Museu Emílio Goeldi.
Lifelines – O principal objetivo do projeto é possibilitar a troca de experiências e culturas entre estudantes americanos e brasileiros de comunidades que possuem relação com ecossistemas aquáticos – a cidade de Norwalk está localizada no estuário de Long Island e a Vila de São Sebastião na baía de Caxiuanã. Os jovens são estimulados a treinar o olhar científico e compartilhar o aprendizado por meio de manifestações artísticas.
Além de videoconferências, intercâmbios no Brasil e EUA promovem a integração entre os participantes. O primeiro intercâmbio ocorreu em novembro de 2016, durante a Olimpíada de Ciência da Floresta Nacional (Flona) de Caxiuanã. O evento é promovido anualmente pelo Museu Goeldi, com estudantes e professores das 12 comunidades rurais da Flona, no interior do Pará. Ano passado, a delegação de 13 norte-americanos, sendo oito alunos e cinco professores, participaram com intuito de conhecer o lar de seus parceiros de vídeoconferências. Para saber mais sobre essa primeira experiência leia aqui e aqui .
Ao todo, 50 jovens (25 de cada país) participam do Lifelines. Na Escola de São Sebastião, todos são estudantes do ensino fundamental com idade entre 12 e 19 anos. Eles são estimulados a desenvolver habilidades em oficinas de música, cinema, teatro e artesanato para que futuramente ajudem na formação de colegas da vila e das demais comunidades ribeirinhas da Floresta de Caxiuanã.
Dos 25 alunos de São Sebastião, 8 vão para os Estados Unidos: Alessandra Caldeira, Elziane Gonçalves, Adjane Gonçalves, Edilene Trindade, Jobson Flores, Carlos Matos, Carlos Daniel e Alan Trindade. Eles foram selecionados considerando a participação e a assiduidade escolar, além da criatividade e interesse nas atividades educativas. O processo foi planejado conjuntamente pela Coordenação do Programa de Educação da Estação Científica Ferreira Penna, do Museu Goeldi, e pelos professores da escola.
Para a coordenadora do projeto Lifelines no Brasil, a educadora do Museu Goeldi Socorro Andrade, a experiência está sendo fundamental para a transformação da vida dos participantes. “A principal contribuição está na nova visão de mundo que os alunos estão adquirindo e a bagagem cultural que o processo educativo proporciona à comunidade São Sebastião. Mais educação, mais cultura, mais qualidade de vida ao poder circular pelo mundo além da floresta”, diz a coordenadora.
Desafios – O projeto envolve duas comunidades com alta discrepância em desenvolvimento e economia. Enquanto o estado de Connecticut tem a quarta maior renda per capita dos EUA, sendo o primeiro em Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), a comunidade ribeirinha de São Sebastião, no município de Portel, tem turmas escolares somente até o ensino fundamental, não dispõe de acesso a rede de comunicação e internet. O município de Portel ocupa o 13° lugar no ranking de pior IDH do Brasil.
As diferenças estão presentes no cotidiano dos alunos, desde o modo como estudam até o modo como se relacionam. Para Tommy Trinh, um dos intercambistas dos EUA que participou das Olimpíadas de Caxiuanã e visitou a comunidade de São Sebastião, a tecnologia tem grande influência nessas desigualdades. “Uma das principais diferenças que existem aqui (São Sebastião) e na cidade onde eu moro (Norwalk) é que aqui não utilizam a tecnologia todo o tempo, isso aproxima mais as pessoas, no meu modo de ver”, afirmou Tommy.
Viagem – Os alunos brasileiros viajarão para os Estados Unidos acompanhados dos professores de Portel Angeniro Sanches, Roselivane do Carmo e José Franciney de Souza. A comissão do Museu Goeldi que segue com eles é formada pela coordenadora do projeto Lifelines, Socorro Andrade , a coordenadora de Comunicação e Extensão da instituição, Maria Emília Sales e o diretor do Museu Goeldi, Nilson Gabas Jr .
A viagem dos jovens de São Sebastião começa em Belém no dia 13 de abril, quando visitarão o Parque Zoobotânico, as coleções e laboratórios do Campus de Pesquisa do Museu Goeldi, além de participarem de ensaios e treinamentos.
No dia 18 de abril, os jovens, acompanhados de seus professores e funcionários do Museu Goeldi, embarcam para os Estados Unidos para uma temporada de 14 dias de atividades. Além de serem recepcionados pelo Museu Stepping Stones e seus parceiros, os estudantes brasileiros serão recebidos pelos alunos da escola secundária Fairchild Wheeler, incluindo os oito estudantes que estiveram em Caxiuanã, e a comunidade brasileira residente em Norwalk. Na terra do Tio Sam, eles apresentarão trabalhos artesanais, produções audiovisuais, ritmos e danças regionais e, por sua vez, participarão de oficinas de ciência e expedições, conhecendo também a diversidade cultural dos anfitriões.
A programação planejada para o intercâmbio dará oportunidade aos estudantes ribeirinhos de vivenciar um pouco de cada aspecto trabalhado no projeto Lifelines. A equipe do Maritime Aquarium os levará para um cruzeiro de estudo no estuário de Long Island para observações da vida marinha. O Stepping Stones conduzirá a comitiva para caminhadas no vale do rio Hudson no estado de Nova York, além de excursionar pelo Jardim Botânico e museus de Nova York, bem como para cidades marítimas históricas e marcos ao longo da costa de Connecticut, incluindo Mystic.
Intercambistas brasileiros - Os jovens participantes de São Sebastião são filhos de pequenos agricultores e pescadores e sempre viveram na Floresta de Caxiuanã, interior da Amazônia. No mês de fevereiro, para a maioria dos alunos, foi a primeira vez que viajaram para a capital do estado em que vivem, Belém do Pará, onde providenciaram os documentos exigidos para viagens (identidade, passaporte, entre outros). Ainda nesse mesmo mês, os estudantes fizeram sua primeira viagem de avião à Brasília, para obter o visto necessário para adentrar em território americano. Foi a primeira oportunidade de viajar e conhecer lugares até então inacessíveis para suas realidades.
Solidariedade – Entusiasmados com o processo de intercâmbio e solidários com o esforço dos alunos ribeirinhos em se organizar para a viagem aos Estados Unidos, profissionais brasileiros e americanos estão se mobilizando para conseguir doações para os jovens de Caxiuanã. Funcionários da Embaixada Americana doaram malas, enquanto o corpo técnico-científico do Museu Goeldi está arrecadando roupas de frio – no período da viagem, o estado de Connecticut estará na primavera com médias de temperatura variando entre 2º e 20º graus celsius, muito diferente da temperatura na Amazônia no mesmo período, que varia entre 23º e 32º. Ainda, uma campanha de crowdfunding no kickante, de iniciativa do professor Luiz Adriano Damiello, busca ajuda para equipar os jovens com ferramentas necessárias para a produção audiovisual no âmbito do projeto Nortear.
Texto: Fernando Cabezas, Janine Valente e Joice Santos.