Ética na pesquisa: proteção dos interesses de grupos humanos
Desde 2019, o Museu Paraense Emílio Goeldi instituiu um Comitê de Ética na Pesquisa vinculado ao sistema CEP/Conep do Ministério da Saúde.
Há mais de 800 CEPs em funcionamento no Brasil com o objetivo de analisar o cumprimento de princípios éticos em projetos de pesquisa envolvendo seres humanos. Inicialmente dedicado aos estudos clínicos, na atualidade as análises envolvem quaisquer estudos que contem com participantes de pesquisa.
O trabalho dos CEPs é de revisar todos os protocolos de pesquisa envolvendo seres humanos, protegendo populações com potencial vulnerabilidade de pesquisas que possam causar danos individuais ou comunitários. Como órgão colegiado, de caráter interdisciplinar e autônomo, o Comitê de Ética em Pesquisa é de natureza consultiva, deliberativa e educativa, voltado à defesa dos interesses dos sujeitos da pesquisa no que se refere à sua integridade e à sua dignidade. Assim é que o CEP do MPEG poderá atender às demandas do próprio Museu Goeldi e de outras instituições que fazem pesquisa no Brasil.
Envolto na noção de um compromisso de quem faz pesquisa e trabalha junto a grupos humanos os mais variados, o trabalho de um cientista responsável e preocupado em manter relações justas com as pessoas que participam dos seus estudos precisa passar pelo escrutínio de instância independente que possa apreciar seus objetivos à luz dos interesses dos grupos envolvidos. Projetos devem ser submetidos à análise de avaliadores, membros dos comitês de instituições atuantes na respectiva área de conhecimento. As reuniões do CEP são fechadas ao público, em razão de preservação do sigilo e confidencialidade, conforme define, entre outros parâmetros legais, a Resolução CNS nº 466/12.
Desde seu início, o CEP do Museu Goeldi, já avaliou 30 protocolos de pesquisa. “Estamos em campanha de esclarecimento e sensibilização para esse compromisso essencial à pesquisa com seres humanos”, informa a coordenadora do CEP-MPEG/MCTI, Lilian Bayma.
O CEP-MPEG/MCTI tem composição multiprofissional e transdisciplinar, com 14 membros, dos quais quatro são Representantes dos Participantes da Pesquisa (RPPs), no caso do CEP/MPEG -MCTI, os RPPs foram indicados pela Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Pará (Fetagri-Pará) e pelo Conselho Estadual de Educação do Estado do Pará (CEE/PA).
Participação com autodeterminação
Há um interesse e uma ação importantes de parte de representantes de participantes de pesquisa. Karl Marxsimiliam Carvalho Cunha, representante da Fetagri - Pará, em testemunho recente em reunião do CEP-MPEG/MCTI, falou sobre a preocupação de agricultores que são procurados por pesquisadores para fornecer dados e depoimentos sobre suas atividades, mas não são informados sobre os objetivos da pesquisa, no mais das vezes, não recebem qualquer informação após a conclusão dos estudos.
A abordagem justa em consultas a grupos humanos é alvo de preocupação constante e é exigida através da assinatura de termos de consentimento livre e esclarecido (TCLE). Em uma coletânea de 2021, um grupo de pesquisadores das Américas e Caribe, discute sobre a elaboração e a implementação do que denominam Protocolos Autônomos de Consulta e Consentimento Livre pelos próprios interessados. A partir de experiências no Brasil, Belise, Canadá e Colômbia, Pryscilla Joca[1] e mais quatro investigadores discutem o que são os protocolos elaborados por grupos sociais que, além de indígenas e quilombolas, tem representação negra, cigana, extrativista, ribeirinha, pantaneira, entre outros, reconhecidos pela Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Com experiências negativas em toda a sua história, povos indígenas como os Munduruku, além dos quilombolas de Jambuaçu, no Moju, e Abacatal, no Aurá, para citar exemplos no Pará, esses grupos sociais, de forma participativa, buscam defender direitos étnicos em garantia a sua “existência física, cultural, territorial e jurídica”, dizem os organizadores. Fazer uso de um instrumento político como os protocolos de sua própria autoria resguarda os direitos, desses e outros grupos, no respeito “à consulta ao consentimento livre, prévio e informado”, concluem os autores.
Avaliação e encaminhamentos
O CEP do MPEG conta com página no portal da instituição com as orientações necessárias para a submissão dos projetos. De acordo com a data de submissão, a proposta de pesquisa pode ser avaliada ainda no mês de sua inscrição na plataforma, sempre e quando isso for feito com duas semanas de antecedência à realização das reuniões mensais do Comitê que ocorrem na última quarta-feira de cada mês. O trâmite pode levar até 60 dias e é essencial que o pesquisador aguarde a aprovação, homologação previamente a qualquer incursão no campo de investigação para coleta de dados.
Pesquisadores devem, por lei e por razões de cunho ético, apresentar suas propostas de investigação através da plataforma Brasil, donde depositam os documentos necessários para a apreciação por qualquer um dos CEPs no país, mas sempre com a preocupação de enviar a solicitação a um CEP abalizado para tal análise, sempre de acordo com a área de conhecimento.
Apesar de eventuais reclamações do que seria um excesso de burocracia para desenvolver pesquisas junto a grupos humanos como povos indígenas e populações tradicionais dedicadas a diversas atividades, pesquisadoras do Museu Goeldi e também orientadoras de trabalhos científicos em nível de pós-graduação, como é o caso da antropóloga Claudia López, tem sido bem sucedidas na obtenção da chancela do Comitê de ética na Pesquisa para o desenvolvimento de suas investigações.
“Sentimos que houve um incremento na demanda, principalmente, relativa a projetos de pesquisa desenvolvidos nos programas de pós-graduação mantidos pelo Museu, mas não só. Há também demandas de outras instituições locais”, revela Jimena Felipe Beltrão, docente do Programa de Pós-graduação em Diversidade sociocultural e vice-coordenadora do CEP-MPEG.
A base legal para a atuação dos CEPs no Brasil está relacionada à Resolução Normativa Nº 466, de 12 de dezembro de 2012 que aprova diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos; e à Resolução Normativa Nº 510, de 07 de abril de 2016 que dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais cujos procedimentos metodológicos envolvam a utilização de dados diretamente obtidos com os participantes ou de informações identificáveis ou que possam acarretar riscos maiores do que os existentes na vida cotidiana. Há ainda a Norma Operacional 001/2013 que dispõe sobre a organização e funcionamento do Sistema CEP/CONEP, e sobre os procedimentos para submissão, avaliação e acompanhamento da pesquisa e de desenvolvimento envolvendo seres humanos no Brasil, em desdobramento ao Capítulo XIII, da Resolução CNS n° 466 de 12 de dezembro de 2012.
Para informações detalhadas para a submissão de propostas, acessar a página do CEP – MPEG
[1] Publicado pela Rede Amazônica de Cooperação (RCA), o livro “Protocolos Autônomos de Consulta e Consentimento Livre: um olhar sobre Brasil, Belise, Canadá e Colômbia”