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Museu - Pesquisa sobre onças na Amazônia é primeira a utilizar laboratório flutuante Vitória-Régia
Infraestrutura integra Sistema Amazônico de Laboratórios Satélites (SALAS MCTI) e está localizada a quase 600 km em linha reta de Manaus (AM)
Foto: Miguel Monteiro / Instituto Mamirauá
A pesquisa que envolve monitoramento e coleta de amostras de onças-pintadas na Amazônia, conduzida pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá , é a primeira a utilizar as instalações do laboratório flutuante Vitória-Régia. Inaugurado em fevereiro deste ano, o laboratório integra o Sistema Amazônico de Laboratórios Satélites (SALAS) , iniciativa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) que prevê a criação de 50 infraestruturas de pesquisa, laboratórios flutuantes e terrestres, em áreas remotas da região amazônica com o objetivo de promover o conhecimento da biodiversidade da região. Estima-se que apenas 4% da biodiversidade da região é conhecida.
O flutuante Vitória Régia está ancorado na Reserva Mamirauá, que engloba mais de 1,124 milhão de hectares (11 mil km2). Em linha reta, o local está a quase 600 km de distância de Manaus (AM) e a cidade mais próxima é Tefé (AM), que fica a 40 km.
“Um dos grandes desafios na Amazônia sempre foi logística. Estamos falando de uma área de mais de 4 milhões de km2”, explica Diretor Técnico-Científico do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, organização social fomentada e supervisionada pelo MCTI que será responsável pelas bases na Amazônia Ocidental. As outras duas instituições envolvidas com a gestão das bases do SALAS são o Museu Paraense Emílio Goeldi, vinculado ao MCTI, responsável pelas bases na área da Amazônia Oriental, e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA/MCTI), responsável pelas bases na Área da Amazônia Central.
A opção por laboratórios flutuantes considera as características da região. A floresta é alagável, fica inundada com as cheias dos rios por meses.
“O SALAS vem para apoiar em um dos grandes gargalos de fazer pesquisa na Amazônia que sempre foi ter locais adequados para preparar amostras, para as pessoas ficarem em segurança e de financiamento”, afirma Ramalho sobre a construção das bases e a promoção de uso das mesmas. Além da infraestrutura, o projeto SALAS-MCTI prevê o fomento do uso dessas bases por meio de editais de pesquisa.
A ideia é que cada uma das 50 bases tenha sua localização em áreas remotas estratégicas. Se houver necessidade, os flutuantes podem ser deslocados para atender uma expedição na foz de um rio, por exemplo. “Bases flutuantes fazem sentido para a Amazônia”, analisa o diretor.
Onças na Amazônia - Ramalho é o responsável pela pesquisa de longa duração do grupo Ecologia e Conservação de Felinos na Amazônia. Uma das linhas de pesquisa é a ecologia do movimento da população de onças-pintadas na Reserva Mamirauá. O grupo busca compreender como e por que os animais se movimentam dentro de determinada área. Desde 2007, já foram capturadas cerca de 28 onças para coleta de amostras e instalação de colar com GPS (após os animais são liberados).
Uma das descobertas feitas até o momento é que as onças-pintadas que vivem nas florestas de várzea da Reserva Mamirauá exibem um comportamento único entre os grandes felinos. Durante a inundação, vivem por quatro a cinco meses do ano em cima de árvores onde se reproduzem, criam os filhotes e se alimentam. “Essa descoberta foi feita a partir da investigação com os colares. Isso é um comportamento inédito para qualquer felino desse porte”, explica. Além disso, os pesquisadores identificaram que o felino tem longos deslocamentos em período de inundação, nadando. O achado foi objeto de artigo ‘Andando sobre as águas’ disponível neste link .
De acordo com Ramalho, as conclusões demonstram a capacidade adaptativa e a flexibilidade ecológica do animal que consegue viver em cenários muito distintos, desde ambientes mais secos até locais extremamente úmidos e sem chão durante parte do ano. Outro achado é que as onças nessa região apresentam porte um pouco menor, pesando entre 40 kg e 70 kg. A linha de pesquisa sobre demografia identificou que a Reserva Mamirauá tem uma alta densidade de onças, com cerca de 10 a cada 100 km².
“Isso significa que as florestas de várzeas são de fundamental importância para a conservação das onças na Amazônia”, avalia o diretor.
Durante a campanha realizada neste ano, que durou cerca de um mês e foi realizada no entorno do flutuante Vitória Régia, os pesquisadores conseguiram capturar uma onça-preta macho (foto) que recebeu o colar com GPS para monitorar o deslocamento do animal. O colar é programado para soltar automaticamente depois de um ano. “É difícil de capturar. Utilizamos uma técnica de captura passiva”, detalha o pesquisador.
Associada à essa campanha, é realizada a coleta de amostras para identificação de patógenos que ocorrem na população de onças. Liderada pela cientista e médica-veterinária Louise Maranhão, a pesquisa busca compreender como está a saúde dos animais. Se ocorrem patógenos, tentam investigar a origem, se é decorrente de interação com pessoas ou outros animais.
Além disso, o diretor descreve que a captura das onças também está associada à ação de conservação na Reserva Mamirauá. O modelo da reserva inclui os povos tradicionais, que vivem dentro da área da reserva, e a pousada flutuante comercializa pacote de observação de onças. O valor arrecadado é revertido para as comunidades.
De acordo com Ramalho, a captura também é uma ação de conservação. Ao lado do laboratório do SALAS, há uma pousada flutuante gerida pela comunidade que vive na Reserva e oferece pacotes de observação de onças. O valor arrecadado com os pacotes é revertido para as comunidades. “As pessoas vêem que a onça não é só de interesse do pesquisador, mas também gera benefícios econômicos diretos”, analisa Ramalho.