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Museu - O que a história da Amazônia pode ensinar aos líderes do nosso tempo
9200 a.C - 1000 a.C.
Um dos primeiros registros de ocupação humana na Amazônia brasileira data de 9200 anos a.C, na caverna da Pedra Pintada, em Monte Alegre (PA). Por volta de 7000 a.C, diferentes partes do bioma já são ocupadas. Os povos da Amazônia desenvolvem uma economia mista, baseada no uso da biodiversidade, com caça, pesca, coleta de frutas e agricultura de baixa intensidade. Alimentos são cultivados em sistema agroflorestal, com consórcio de múltiplas espécies. Mesmo o que se considera coleta pode ser exercido em áreas cultivadas, com cacaueiros, castanhais e açaizais.
Os indígenas das Américas domesticam diversas plantas consumidas até hoje em diversas partes do mundo, como abacate, abacaxi, abóbora, amendoim, batata, caju, feijão, mamão, mandioca, maracujá, milho, pimenta vermelha, pupunha, tabaco e tomate.
Na Amazônia brasileira, os destaques são a mandioca, diversas palmeiras, cacau e castanha-do-pará. A domesticação – processo de manejo intencional das espécies com o objetivo de selecionar certas características – foi feita pelos indígenas ao longo de décadas, ou mesmo séculos. Manchas de terra preta antropogênica, mais férteis, indicam que a área foi ocupada intensamente no passado. A cor da terra deve-se ao acúmulo de matéria orgânica.
Século 17
Belém é fundada em 1616, e os portugueses começam a explorar o vale amazônico. O comércio do cacau e do cravo-do-maranhão estrutura-se.
Jesuítas já formam fazendas de gado na Amazônia. A pecuária avança pela Ilha de Marajó e nordeste do Pará no século 18, e pelo baixo Tocantins no século 19.
Século 18
No início do século, já se sabe do uso da borracha feito pelos indígenas amazônicos e, no fim do século, o processo é adotado pelos portugueses, com exportação de botas emborrachadas para Lisboa.
Século 19
A virada para a exploração mundial da borracha em escala dá-se a partir do processo de vulcanização, patenteado em 1844, que aumenta a aplicação industrial. O ciclo da borracha no Brasil tem seu auge entre 1870 e 1912 (ou 1914, segundo alguns historiadores). O declínio resulta da ascensão do látex asiático, mais barato por ser plantado em sistema de monocultura.
- Para facilitar o escoamento da produção de borracha, antes feito pelo rio Madeira, é inaugurada em 1912 a ferrovia Madeira-Mamoré, que dá lucro somente nos dois primeiros anos. Além de ser a primeira grande obra na Amazônia a provocar desmatamento, 6 mil trabalhadores morrem durante a construção, principalmente de malária, o que lhe rende a alcunha de “Ferrovia do Diabo”. Em 1930, é parcialmente desativada, deixando de operar em 1972.
- Os estudos fitoquímicos com espécies amazônicas, como o jaborandi, começam no fim do século 19 e se desenvolvem a partir dos anos 1920. No início do século 20, é registrada a patente de uso da molécula pilocarpina, derivada do jaborandi, para tratamento de glaucoma.
Anos 1920
Artistas do Modernismo, como Theodoro Braga, Ismael Nery e Manoel Pastana, fazem uso do grafismo marajoara nos seus trabalhos. Parte do calçamento da cidade de Belo Horizonte é desenhado com base na cerâmica arqueológica de Marajó.
- Em 1927, Henry Ford compra área às margens do rio Tapajós, em Aveiro (PA), com o intuito de produzir látex para pneus, dando início à história de Fordlândia. Mas o plantio desconsidera as técnicas da agricultura tropical, as terras são inadequadas e, além disso, os funcionários se revoltam com regras e alimentação impostas pelos americanos, levando o projeto ao fracasso. Uma segunda tentativa se dá em Belterra mas, a partir de 1945, a concorrência com o petróleo para fabricação de pneus inviabiliza o empreendimento, com prejuízo de US$ 20 milhões.
- A vila que resta em Belterra deve ganhar em abril de 2022 o Museu de Ciência da Amazônia, com espaço para pesquisa e fomento da bioeconomia.
Anos 1950
Com incentivos federais, a expansão da produção de gado segue pelo baixo Amazonas, especialmente devido à construção da rodovia Belém-Brasília.
Fundada em 1953, a Petrobras descobre petróleo no Amazonas um ano depois. As descobertas de gás natural ocorrem no fim dos anos 1970, no campo de Pirapema, na plataforma continental do Amapá.
Anos 1960
Em 1967, o empresário americano Daniel Ludwig inicia o Projeto Jari, abrangendo terras do Pará e Amapá, para produção de celulose, mineração e agropecuária, com extensas obras de infraestrutura, apoio do governo militar e financiamento do então BNDE. Tida como maior companhia florestal do planeta e mais extensa propriedade agrícola do mundo pertencente a uma só pessoa, o Jari envolve investimentos de cerca de US$ 1 bilhão. Problemas de regularização e denúncias trabalhistas, ambientais e relacionadas a tráfico de influência com o governo enfraquecem o projeto. A Jari Celulose, com perdas e dívidas acumuladas, atua desde 2014 no mercado de celulose solúvel.
Anos 1970
O governo militar institui o Programa de Integração Nacional (PIN). Entre as obras estão a rodovia Transamazônica, que não é concluída, e a Cuiabá-Santarém, umas das principais rotas de escoamento da produção agrícola no país, mas ainda hoje com trechos não asfaltados. As rodovias potencializam o avanço da pecuária, que na maioria dos casos começa ilegalmente, com grilagem de terras.
Segundo Nelson Sanjad, historiador do Museu Emilio Goeldi, o PIN quis estimular a migração para a região amazônica para aliviar a pressão populacional no Sul e Sudeste, mas gerou violência e pobreza na região. Depois que o programa foi abandonado, milhares de pessoas ficaram sem apoio.
Os primeiros chefs de cozinha da região ganham projeção nacional. Paulo Martins, do extinto restaurante Lá Em Casa, considerado embaixador da gastronomia paraense, é um dos primeiros a difundirem os ingredientes e a culinária da Amazônia pelo Brasil e pelo mundo.
Anos 1980
Ocorre o grande ciclo do ouro, especialmente em Serra Pelada, parte do complexo de Carajás, no Pará. Questões legais e conflitos fundiários levam ao fim da exploração de ouro na região.
A exploração de bauxita começa nos anos 1980, no baixo Amazonas e, na década seguinte, no baixo Tocantins, onde também se explora calcário para celulose e cimento.
Em 1984, a hidrelétrica de Tucuruí é inaugurada para gerar energia e atender à produção de minério de alumínio em Belém e no Maranhão.
A exploração madeireira segue fluxo de expansão similar ao da pecuária, estimulado pela construção das rodovias e de ramais terrestres. A ilegalidade e as irregularidades respondem por 90% da produção de madeira na Amazônia até hoje.
- A riqueza gerada pelas atividades produtivas eleva o PIB, mas é altamente concentrada, não contribuindo para o desenvolvimento social da região.
Quase 20 anos após a descoberta da primeira jazida de minério de ferro na Serra de Carajás, no Pará, em 1967, a mineradora Vale começa a operar na região.
- O ecoturismo começa a ser explorado na Amazônia, tanto o de luxo quanto o de aventura, com destaque para o estado do Amazonas. Há hotéis com o conforto de um resort e outros mais rústicos, que exploram experiências de imersão na floresta.
Surge a ideia de Reserva Extrativista (Resex), durante o 1º Encontro Nacional dos Seringueiros, com o objetivo de assegurar a permanência dos seringueiros em suas casas, ameaçada pela expansão de grandes pastagens, pela especulação fundiária e pelo desmatamento. Em 2000, as Resex passam a fazer parte do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc), que também cria as Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS).
Enquanto as Resex são áreas utilizadas por populações locais, que praticam o extrativismo, a agricultura de subsistência e a criação de animais de pequeno porte, a RDS baseia-se em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais.
O Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), inicia o monitoramento do desmatamento por corte raso na Amazônia Legal. Uma estimativa dos dados é apresentada sempre em dezembro, e a consolidação é divulgada no primeiro semestre do ano seguinte.
Inauguração da hidrelétrica de Balbina, no Rio Uatumã, no Amazonas. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), a alteração do pulso de inundação causa a morte de 18% dos igapós em 125 km de rio a jusante.
O desmatamento bate recorde na série histórica, seguido por quedas subsequentes. De 2002 a 2004, aumenta novamente, sucedido por uma tendência de queda e com oscilações até 2018, quando volta a subir.
2002 a 2009
Apenas dois processos de acesso relacionados à bioprospecção incluem conhecimento tradicional associado. Em 2004, a Extracta Moléculas Naturais forma uma coleção comercial de extratos isolados de plantas de biomas brasileiros.
O aumento do desmatamento leva o governo federal a criar, em 2004, o PPCDAm, Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal. Os dados subsequentes de queda no desmate mostram que o plano é bem-sucedido.
É sancionada a Lei de Gestão de Florestas Públicas para produção sustentável, que também cria o Serviço Florestal Brasileiro e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal.
Estudo de Danielle Celentano e Adalberto Veríssimo, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), usa a expressão “boom-colapso” para descrever modelo de ocupação no qual ocorre rápido e efêmero crescimento na renda e empregos nos primeiros anos da atividade econômica, seguido de um colapso social, econômico e ambiental.
A fim de ordenar a atividade madeireira na Amazônia, entra em operação a primeira concessão de floresta pública no país, em uma área de 96 mil hectares na Floresta Nacional do Jamari, em Rondônia.
2010 a 2017
Estudo liderado por Luciana Gatti, do Inpe, demonstra que, durante esse período, a Amazônia emite mais carbono do que absorve.
- É registrado o menor índice de desmatamento desde a instituição do PPCDAm.
- É aprovado o Novo Código Florestal, ainda em implantação, e objeto de polêmica entre setor rural, ambientalistas e cientistas.
- É inaugurada no Amazonas a usina de Santo Antônio, no rio Madeira, a quinta maior do país, o que reduz o tamanho dos peixes e prejudica a reprodução.
É sancionada a Lei da Biodiversidade, para regular as atividades de pesquisa e desenvolvimento com o patrimônio genético de espécies da biodiversidade brasileira e dos conhecimentos tradicionais a ela associados. (Para se ter ideia do potencial da biodiversidade amazônica, o mercado farmacêutico mundial movimentou mais de US$ 700 bilhões em 2008. Devido à bioprospecção, 50% dos fármacos são desenvolvidos a partir de moléculas biológicas. No caso de drogas anticâncer e antibióticos, chega aos 70%.)
Início da operação da hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará. Desde que concluída, a usina tem produzido menos do que os especialistas previam para o período de seca. A obra também diminui a quantidade de peixes na região da Volta Grande do Xingu, reduzindo, assim, a fonte de alimento e renda de mais de 200 famílias de pescadores.
O evento Sebrae Startup Jungle, em Manaus, é um dos pontos de partida para criar um ambiente de negócios voltado à bioeconomia amazônica. A ideia é tornar o Amazonas um celeiro de inovação e ideias voltadas para todo o Brasil, que também leve em consideração o desenvolvimento da região por meio do empreendedorismo digital.
Governadores de nove estados amazônicos (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins) reúnem-se para formar o Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal, que tem por objetivo tornar a região competitiva, integrada e sustentável até 2030.
Artigo de Carlos Nobre e Thomas Lovejoy (1941-2021) na Nature alerta para o tipping point da Amazônia. Nesse cenário, a derrubada de 20% a 25% da floresta leva a um ponto de não retorno, no qual o leste, o sul e o centro do bioma se convertem em um ecossistema com características de savana.
Em julho, o Ministério do Meio Ambiente lança o Programa Floresta+ para promover, na Amazônia Legal, Pagamentos por Serviços Ambientais destinados à conservação e recuperação florestal, e contribuir para a inovação no setor florestal. O projeto piloto Floresta+ Amazônia (pagamentos por resultados de REDD+ alcançados pelo Brasil em 2014 e 2015) é o primeiro aprovado no âmbito do programa piloto de Pagamentos por Resultados de REDD+ do Fundo Verde para o Clima, lançado em outubro de 2017, e que integra o Programa Floresta+.
Em carta ao presidente americano Joe Biden em abril, o presidente Jair Bolsonaro assume compromisso de desmatamento ilegal zero até 2030 e mantém pedido por ajuda internacional para redução de emissões. Mas a promessa é desacreditada. Mais de 200 entidades brasileiras pedem a Biden que não faça um acordo a portas fechadas com Bolsonaro, por considerarem que a gestão federal não tem legitimidade para representar o Brasil. Alerta com o mesmo teor é feito por 36 artistas brasileiros e americanos, como Caetano Veloso, Sonia Braga, Joaquin Phoenix e Leonardo DiCaprio, e por 15 senadores do Partido Democrata.
Em junho, a Amazônia tem o maior número de focos de calor dos últimos 14 anos para aquele mês, que já havia registrado um recorde histórico no ano anterior.
Em agosto, a área desmatada por mineração supera todo o ano de 2020 e torna-se a maior dos últimos 15 anos. Segundo análise do MapBiomas, a área minerada no Brasil cresce seis vezes entre 1985 e 2020. O garimpo ilegal ocupa uma área maior que a mineração industrial e avança sobre Terras Indígenas e Unidades de Conservação na Amazônia.
Em novembro, na COP26, em Glasgow, na Escócia, o Brasil subscreve a Declaração de Florestas e a Declaração de Metano, que envolve as emissões da pecuária. Na de Florestas, 110 países comprometem-se a zerar o desmatamento até 2030 e acelerar a restauração. Na Global Methane Pledge, mais de 100 membros comprometem-se a reduzir, até 2030, as emissões do gás em 30% em relação a 2020.
Após o término da COP26, o governo divulga os dados do Inpe, que registram a maior taxa de desmatamento anual dos últimos 15 anos, com mais de 13 mil km² de corte raso na Amazônia.
Dados do Deter divulgados em janeiro acusam 8.219 km² de alertas de desmatamento em 2021. A média de desmatamento nos três anos do governo Bolsonaro (8.604 km²) é 77% maior em comparação aos três anos anteriores (4.844 km²).
BIBLIOGRAFIA _ Arqueologia da Amazônia, de Eduardo Neves; Casa Civil; Diário Oficial, FGV-CPDoc; Imazon; Inpe; Instituto Biológico; Instituto Escolhas; Instituto Florestal; MapBiomas; MMA; Memorial Chico Mendes; Nelson Sanjad, historiador e pesquisador do Museu Emilio Goeldi; Pnuma; pesquisa em veículos de imprensa