Foram analisadas seis cartas escritas em tupi, que datam do ano de 1645, período turbulento para o Brasil colonial, com o que é hoje o nordeste brasileiro sendo disputado entre holandeses e
portugueses, que culminou na Insurreição Pernambucana (1645-1654).
A revolta dividiu os povos indígenas — e é este o contexto das cartas que foram preservadas e, agora, traduzidas. De um lado, estavam nomes como os dos caciques Pedro Poti e Antônio Paraopeba, que sob proteção da Companhia das Índias Ocidentais haviam viajado para a Holanda, onde foram convertidos ao protestantismo calvinista. Do outro, o principal era o indígena Felipe Camarão, convertido ao catolicismo pelos portugueses.
Na correspondência, pedidos para que a violência entre os povos indígenas cessasse, uma vez que famílias estavam sendo destruídas pelo conflito, apesar de eles compartilharem o mesmo sangue. Além disso, Felipe Camarão chegou a pedir a Poti que deixasse o lado holandês, visto que o protestantismo seria uma heresia e eles arderiam "no fogo do diabo".
— Esses pedidos estão nas cartas, todas de 1645: a primeira é de agosto e as últimas são de outubro. Foram preservadas seis cartas, mas imagino que deve haver mais— relata Navarro.
Um dos problemas, contudo, é que somente os holandeses preservaram os documentos indígenas. Assim, não é possível ter acesso às respostas exatas recebidas pelos apoiadores de Portugal. Mas existe um resumo feito por um pastor holandês sobre a troca de mensagens, que torna possível conhecer o teor da réplica.
— Poti respondeu que não havia motivo para apoiar os portugueses, já que eles só fizeram mal para seu povo: escravizaram e praticaram violência contra os potiguaras. Uma crítica bem contundente — aponta o professor.
Inicialmente parte do arquivo da Companhia das Índias Ocidentais, as cartas fazem parte hoje dos arquivos da Real Biblioteca de Haia, na Holanda. Descobertas em 1885 pelo historiador José Hygino Duarte Pereira, desde então pesquisadores tentam traduzir seu conteúdo. Quem as mostrou a Navarro foi o professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Aryon Rodrigues, ainda nos anos 1990.
— Eu pedi para a biblioteca na Holanda e elas chegaram em microfilmes. E percebi que ninguém conseguia traduzi-las porque não havia dicionário em tupi antigo. Eu tive que elaborar um dicionário para depois traduzir as cartas — recorda o pesquisador, que lançou em 2013 o Dicionário de Tupi Antigo: a Língua Indígena Clássica do Brasil.
O artigo final sobre a pesquisa de Navarro deve ser publicada no próximo Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, de Belém, no Pará.