Correspondências foram trocadas entre indígenas no século 17
Estudadas desde o século 19, Navarro explica porque só foi possível traduzi-las na íntegra agora. “Primeiro, que ortografia é difícil,
esses índios eram alfabetizados em português
. Agora, na hora de escrever a língua tupi, eles usavam o alfabeto latino e escreviam do jeito que ouviam, do jeito que falavam, não havia regras muito precisas e tudo isso dificulta a leitura para quem não entende bem a língua.”
Navarro explica ainda que “depois, não havia um dicionário que reunisse todo esse conhecimento que se tem da língua [tupi] das fontes portuguesas, francesas, holandesas, todas essas nacionalidades produziram textos. Os missionários portugueses e franceses escreveram gramáticas, dicionários, vocabulários, mas era necessário reunir tudo o que se conhecia em um único texto”.
O professor foi o primeiro a reunir todas essas fontes, quando publicou um
dicionário Tupi
há oito anos. A partir daí, segundo ele, foi possível chegar à tradução completa das seis cartas que estão guardadas na Holanda, na Real Biblioteca de Haia.
“Esses documentos são os mais preciosos que existem no campo dos estudos de Tupi, porque são escritos pelos próprios índios, não existe mais nada que nós conheçamos que venha dos índios no período colonial brasileiro, de 1500 até a Independência.”
A tradução será publicada no Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, de Belém (PA).
O historiador brasileiro José Hygino Pereira esteve na Holanda, onde encontrou as cartas. “Ele fotografou as cartas, no ano de 1885, e entregou as cartas nas mãos do engenheiro Teodoro Sampaio, que era também estudioso de Tupi. E ele vai tentar traduzir essas cartas no ano de 1906”.
Navarro disse que Sampaio escreveu um artigo contando que ele só havia conseguido compreender alguma coisa de duas das cartas, mas que as outras eram um verdadeiro mistério para ele.
Tempos depois, houve nova tentativa de outro estudioso na tradução, mas também sem sucesso. “Eu fiquei sabendo dessas cartas na década de 90, quando o professor da Unicamp, chamado Aryon Rodrigues, tentou traduzi-las. Ele foi à Holanda buscar essas cartas, naquela época não havia internet ainda, mas ele não conseguiu traduzir.”
Sobre o desfecho da situação dos indígenas do lado holandês após a guerra, Navarro contou que o alerta feito nas cartas se concretizou. “Os indígenas do lado holandês foram mortos porque os holandeses perderam a guerra, não havia perdão para os índios que estivessem com os holandeses. Com relação a Antônio Paraupaba, ele morreu na Holanda. Ele foi embora com os holandeses e morreu lá”.
Já Pedro Poti foi capturado pelos portugueses, sofreu tortura e morreu em 1649, segundo o professor. “Há quem diga que ele morreu na prisão portuguesa e há quem diga que ele morreu no navio indo para Portugal. Em ambos os casos, ele foi torturado, foi realmente muito maltratado”, disse.