Incomodada em ver tantas espécies de árvores exóticas, como ipês-rosa ( Tabebuia rosea) e mangueiras (Mangifera indica), nas ruas de Parauapebas, no sudeste do Pará, a botânica Daniela Zappi, da Universidade de Brasília (UnB), resolveu procurar espécies da própria Amazônia que pudessem reforçar a arborização urbana na região. Com colegas do Instituto Tecnológico Vale (ITV), do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e das universidades federais da Paraíba (UFPB) e Rural da Amazônia (Ufra), ela chegou a 49 espécies nativas, com sete que mais se adequaram aos critérios de seleção ( ver lista ao fim desta reportagem ). Entre elas estão a pau-sangue ( Swartzia brachyrachis ), com até 8 metros (m) de altura e pequenas flores amarelas que atraem abelhas, e a goiaba-de-anta ( Bellucia grossularioides ), de mesmo tamanho, que produz flores brancas e frutos comestíveis parecidos com goiabas, ambas raramente encontradas em áreas urbanas.
Zappi conheceu as espécies nativas locais em levantamentos de campo que fez de 2016 a 2019, quando era pesquisadora do ITV, e logo verificou que eram pouco conhecidas por quem morava em cidades da região. “Ao contar das árvores de que mais gostavam, os moradores de Parauapebas sempre falavam do ipê, por causa da beleza”, relata Zappi. Por isso, para garantir que as plantas nativas possam encarar a concorrência com os ipês, ela incluiu o valor ornamental entre os critérios para selecionar espécies da região com potencial de uso urbano nessa cidade e em Canaã dos Carajás, Marabá, Ourilândia do Norte e Tucumã. São municípios grandes: a área de Parauapebas corresponde a quatro vezes à da capital paulista.
Os botânicos selecionaram as árvores com base em 375 espécies coletadas na Floresta Nacional (Flona) de Carajás e no Parque Nacional dos Campos Ferruginosos (PNCF) e depositadas em dois herbários, do Museu Goeldi e da empresa mineradora Vale, em Carajás. Em seguida, aplicaram seis critérios de seleção, incluindo valor ornamental: tamanho da árvore (máximo 15 m de altura), impacto ecológico (capaz de dar frutos e favorecer a interação com pessoas e animais, sem potencial para se tornar invasora e inibir o crescimento de outras), distribuição geográfica (típicas da região), métodos de propagação (com reprodução viável) e resiliência (provável tolerância a variação de temperatura e a ambientes urbanos). Também foram excluídas plantas com raízes muito grandes, tóxicas ou com caules espinhosos, para não prejudicar as calçadas e evitar acidentes com pessoas ou animais domésticos. O levantamento foi publicado em janeiro deste ano na revista científica Sustainability .
O uso intensivo de árvores exóticas em áreas urbanas é uma prática comum na Amazônia. Pesquisadores da Universidade do Estado do Amapá (Ueap) e do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (Iepa) verificaram que 59% das 1.333 espécies usadas em 35 cidades dos nove estados da região eram exóticas. As quatro espécies mais usadas eram o oiti ( Moquilea tomentosa ), da Mata Atlântica, a mangueira, o jambeiro ( Syzygium malaccense ) e a figueira ( Ficus benjamina ), as três originárias da Ásia, como relatado em dezembro de 2021 na revista Urban Forestry & Urban Greening .
De 24 espécies de três avenidas de Marabá, quase 50% eram exóticas, segundo estudo da Universidade do Estado do Pará (Uepa) e da Ufra publicado em 2021 na Revista da Sociedade Brasileira de Arborização Urbana. Em Altamira, também no Pará, a mais comum era a figueira e apenas 13,3% das 120 espécies eram nativas da Amazônia, segundo estudo da Universidade Federal do Pará (UFPA) publicado na mesma revista em 2012. Para 260 moradores de Santarém, a mangueira e o jambeiro simbolizam a arborização na cidade, segundo uma pesquisa de percepção pública descrita em 2019 na revista Nature and Conservation .
“Geralmente, as espécies do paisagismo são escolhidas por sua beleza e por serem amplamente conhecidas, não por seus possíveis benefícios ecológicos e ambientais”, observa o biólogo Ricardo Ribeiro Rodrigues, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), que não participou dos estudos. “No entanto, quando usamos espécies nativas locais em ruas, praças e parques, diminuímos o risco de introduzir espécies invasoras na natureza, criamos corredores ecológicos para as espécies nativas e ainda transformamos o ambiente urbano em um espaço de conservação ambiental”, explica. Segundo ele, além de propiciar sombra e tornar a temperatura mais amena, as árvores integradas à paisagem urbana – exóticas ou não – melhoram a qualidade do ar e ajudam a reter a água das chuvas, desde que haja planejamento espacial adequado e manutenção correta.
Viabilidade
Zappi e colegas analisaram também a época de floração e o tipo de polinizador de cada uma das 49 espécies selecionadas, combinando as que poderiam se complementar para sempre haver flores e frutos ao longo do ano. A pau-sangue, concluíram os botânicos, vai bem ao lado do caqui-preto (
Diospyros vestita
). “Ao escolher duas, três ou mais espécies, o gestor da cidade garante que as árvores atraiam diferentes polinizadores e mantenham a biodiversidade”, afirma. O recomendado é que uma única espécie não ultrapasse os 15% de toda a composição da arborização de uma cidade. Segundo ela, as espécies selecionadas são de bordas das florestas ou de áreas abertas, o que deve facilitar a adaptação ao ambiente urbano.
“Por enquanto, o difícil é ter acesso às sementes. Dessa forma, poderíamos tentar cultivá-las no viveiro municipal”, comentou o biólogo Francisco Dutra, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Tucumã, ao conhecer as sete principais espécies selecionadas nesse estudo. “Eu não conhecia essas espécies da lista, mas vou avaliar se conseguimos sementes delas.” De acordo com ele, o viveiro de mudas florestais do município, com a organização não governamental The Nature Conservancy Brasil, produz 120 mil mudas por ano, entre elas de espécies exóticas bastante usadas na arborização da cidade. Segundo Dutra, a maior parte das sementes é fornecida pelo Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor-bio).
O engenheiro florestal Maiko Durães, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Canaã dos Carajás, por e-mail, reconheceu a importância dos estudos nessa área e observou: “As sete espécies apresentadas são interessantes para áreas maiores, como bosques municipais, devido ao tipo e tamanho de frutos serem incompatíveis para calçadas e canteiros estreitos”. De acordo com o comunicado, o município não tem ainda viveiro de mudas próprio. “Da lista das sete principais espécies, a única que tem um fruto um pouco maior, do tamanho de uma manga, é a banha-de-galinha, que poderia ser usada em praças e parques. Os outros são leves, pesam entre 10 e 100 gramas”, contra-argumenta Zappi.
Segundo ela, o levantamento excluiu árvores cujos frutos tinham mais de 20 cm de diâmetro. “Priorizamos árvores que garantissem sombra e dessem frutos comestíveis para atrair os animais, visando os benefícios ecológicos”, acrescenta. Para ela, calçadas mais largas poderiam abrigar árvores com frutos maiores, desde que recebam manutenção adequada.
“Essas sete espécies ainda não foram identificadas e catalogadas na arborização urbana de Parauapebas, mas existe um estímulo para utilização de espécies nativas do nosso bioma amazônico para tal fim”, informou, por e-mail, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Parauapebas. Procuradas, as prefeituras de Marabá e Ourilândia do Norte não responderam às consultas de Pesquisa FAPESP sobre a viabilidade de uso dessas principais espécies propostas.
Os critérios adotados no levantamento de Zappi poderiam ser usados para selecionar espécies nativas com potencial urbano em outras partes da Amazônia ou mesmo em outras regiões do país, desde que se apoie em informações consistentes de herbários, na avaliação do ecólogo José Luís Camargo, do Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, que não participou do estudo.
“Precisamos conhecer mais sobre a reprodução e multiplicação de espécies nativas da Amazônia”, comenta Camargo. Ele coordena um guia de frutos, sementes e plântulas (mudas) de espécies nativas da Amazônia . A edição mais recente, de 2019, em inglês, apresenta 75: “Levamos em média dois anos para coletar amostras, acompanhar a germinação e fotografar as etapas de desenvolvimento de cada espécie”.
Outras regiões
Não é só na região amazônica que as espécies exóticas são amplamente usadas na arborização. Em Boituva, interior paulista, correspondem a 69% das 186 espécies de árvores usadas na cidade, segundo o biólogo Fernando Periotto, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar),
campus
de Lagoa do Sino. Como coordenador de um levantamento para o plano de arborização do município, ele recomendou o aumento da diversidade de árvores com espécies nativas.
Em Avaré, outro município paulista, 65% das 33 espécies de seis grandes avenidas eram exóticas, a diversidade de espécies era baixa e, muitas vezes, o plantio das mudas era feito sem planejamento, observou Periotto em um artigo publicado em 2020 na Revista da Sociedade Brasileira de Arborização Urbana.
Ainda neste ano deve sair, em formato digital, o primeiro dos cinco volumes – um para cada região do país – de uma coleção com indicações de espécies nativas de árvores para o uso em cidades. Organizado por Periotto, Maurício Ferreira e Alessandro Zabotto, com a participação de 600 especialistas de universidades, órgãos públicos e empresas, a obra deverá oferecer listas com uma média de 150 espécies nativas para cada estado, considerando adequação para plantio em calçada, época de floração, dificuldade de produção em viveiro, entre outros. “Queremos oferecer um material prático e com linguagem acessível para os gestores públicos”, diz ele.
Espécies nativas para arborização urbana poderão ser mais procuradas se avançar o Projeto de Lei n° 4.309/2021 , que tramita na Câmara dos Deputados, com uma proposta de criação da Política Nacional de Arborização Urbana (Pnau) e de um Sistema Nacional de Informações sobre Arborização Urbana (Sisnau). O projeto sugere, entre outras ações, o apoio à produção de mudas de espécies nativas e o controle de espécies exóticas invasoras.