O grave impacto ambiental causado pelo mau manejo de algumas lavouras e pela produção massiva de óleo de palma tornou-se um exemplo clássico de denúncias de danos ambientais nas últimas décadas.
Algo semelhante acontece com o abacate , a quinoa ou o coco - para citar alguns -, nos casos em que a agricultura explora os recursos naturais de forma irracional e insustentável.
A moda dos superalimentos (alimentos que aparentemente proporcionam benefícios excepcionais à saúde humana, termo comum no marketing de alimentos ) aumenta as safras com potencial impacto ambiental negativo.
O perigo geralmente não está na palma, no abacate ou na quinoa, mas nos métodos de cultivo, produção e comercialização; pelo desmatamento, ocupação do solo, exploração do trabalho, consumo excessivo de água, fertilizantes e agrotóxicos...
Estudo na Amazônia
Um dos casos mais recentes e até agora menos estudados de cultivos tradicionais que devido à moda dos superalimentos estão se tornando uma ameaça ao meio ambiente é o do açaí. Este fruto da palmeira azaí ( Euterpe oleracea ), também conhecida como huasaí, palmeira murrapo, naidí ou (em português) açaí, está se tornando um fenômeno mundial incentivado pelo marketing que utiliza com interesse alguns estudos científicos que indicam propriedades benéficas à saúde.
Resta provar que o açaí é um superalimento, o que está comprovado é que o rápido crescimento das lavouras dessa palmeira na região litorânea da Amazônia (Brasil) está causando danos significativos aos ecossistemas e reduzindo a diversidade biológica.
Um dos primeiros estudos sobre esse novo impacto ambiental foi realizado por cientistas do Brasil, Peru, México e Estônia.
Os resultados desta pesquisa foram publicados na revista Biological Conservation (setembro de 2021) com um título suficientemente demonstrativo: "Intensificação do manejo do açaí empobrece grandemente as assembléias de árvores na floresta do estuário amazônico".
Após estudar 47 parcelas na floresta do estuário amazônico, a equipe liderada por Madson Freitas, do Departamento de Botânica da Universidade Federal de Pernambuco (Brasil), chegou a quatro conclusões principais:
1. A intensificação do cultivo do azaí para melhorar o rendimento desta modalidade agrícola representa uma completa reorganização da floresta da zona estuarina estudada.
2. Paisagens dominadas por florestas de palmeiras de azaí de alta intensidade estão severamente esgotadas em termos de vegetação rasteira, dossel e espécies de árvores emergentes.
3. As normas legais vigentes no Brasil [principal produtor mundial] sobre a intensificação do azaí não protegem a integridade e a biodiversidade da floresta.
4. O açaí representa uma importante oportunidade econômica para algumas populações locais, mas também é uma ameaça real para a floresta do estuário amazônico.
Mais produção, mais problemas
O estado brasileiro do Pará é o maior consumidor nacional e também o maior exportador mundial de açaí. Para atender à crescente demanda, a extensão dessas lavouras aumentou -no Pará- de 77.000 para 188.000 hectares nos últimos 10 anos. A Federação das Indústrias do Estado do Pará (FIEPA) indicou que há uma década mais de 40 toneladas de azaí foram vendidas no exterior, enquanto no ano passado chegaram a 5.937 toneladas, segundo informações coletadas pela Mongabay .
Pesquisa publicada na Biological Conservation indica que com a derrubada de árvores nativas em matas ciliares para expandir o cultivo do azaí, há uma rápida redução no número de espécies e funções nesse ecossistema amazônico, caracterizado por florestas que crescem às margens de rios lamacentos.
“Percebemos a ausência de espécies arbóreas típicas de várzea em ambientes com monoculturas, principalmente plantas de sombra, que auxiliam no ciclo de nutrientes e abrigam espécies da fauna, como pássaros e insetos”, explica Madsdon Freitas.
“Os produtores de açaí estão ignorando a importância da biodiversidade local. Outras plantas desapareceram e isso compromete a funcionalidade da floresta como um todo. Em algumas áreas há praticamente uma monocultura de azaí, quando o normal seria ter até 70 espécies diferentes de árvores e palmeiras por hectare”, Ima Vieira, pesquisadora do Museu Emilio Goeldi no Pará, doutora em Ecologia e especialista em estudos ambientais, explicou à Mongabay
O açaí sempre fez parte da dieta humana no baixo Amazonas. Esta fruta redonda e roxa cresce em cachos da palmeira Euterpe oleracea , é coletada e consumida pelos habitantes da região como parte de sua cultura e dieta tradicional.
Em meados da década de 1990, o consumo dessa fruta virou moda nas academias do Rio de Janeiro e de São Paulo. A fama de seus benefícios nutricionais – como o fato de possuir grande quantidade de antioxidantes, fibras e alto valor energético – conquistou rapidamente os consumidores da região sudeste do Brasil e aos poucos chegou aos mercados internacionais.
“Antes do boom do açaí , sempre havia produção nacional para atender a demanda local. Até então, esse símbolo da tradição alimentar amazônica tinha pouco impacto no meio ambiente e na diversidade biológica, mas quando a fama chegou e a demanda aumentou, a situação começou a mudar”, enfatiza a pesquisadora Ima Vieira.