Luciana Marschall
O 8 de Março, oficializado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como Dia da Mulher, marca o empoderamento e união delas na luta pela igualdade de gênero e tem, desde o berço, forte ligação com o trabalho.
Hoje, mesmo aceitas no mercado de empregos, elas ainda precisam brigar por condições semelhantes às dos homens, por menos preconceito e por salários igualitários.
Paralelamente, muitas têm força para atuar no trabalho social, envolvendo-se em projetos sem fins lucrativos que buscam o desenvolvimento de uma comunidade.
É sobre elas que o Correio de Carajás decidiu falar, contando um pouco da história de quatro mulheres que vivem em Parauapebas e militam em diferentes causas.
Mãe de todas as cores e bandeiras
Não ter gerado filhos biológicos não impediu que a servidora pública Sueny Cardoso, de 40 anos, se tornasse mãe. Moradora de Parauapebas há mais de três décadas, certo dia ela estava em casa quando escutou alguém chamando ao portão. Ao atender, se deparou com um menino de apenas 10 anos de idade, com “mala e cuia” nas mãos.
“Sou professora de karatê e tinha um aluno que estava comigo desde bem pequeno. Um dia ele chegou na porta da minha casa e disse: sensei, eu não quero mais ficar em casa, eu não sei mais viver dentro de casa, não consigo mais e quero morar aqui. Ele já veio com as coisas, eu disse que ele poderia ficar e ele está até hoje”.
O filho adotivo, hoje adulto, tinha problemas com a família relacionados à sexualidade dele. Sueny o acolheu, depois passou a acolher também amigos dele e, consequentemente, os familiares. Desta forma, nasceu o coletivo “Mães pelo Arco-Íris”, coordenado por ela e que atua há três anos em defesa da causa LGBTQI+.
“É um conjunto de mães que se reúne para conversar sobre os seus filhos, sobre a LGBTfobia, sobre como é ter um filho LGBT e sobre como eu não posso excluir meu filho, já que a sociedade já o exclui. Infelizmente, ainda existe essa exclusão no seio familiar. A gente faz o papel de acolhimento com eles e com estas mães, que às vezes só querem conversar, ouvir uma palavra. A maioria das mães não entende muito bem o que é LGBTQI+, então a gente faz esse acolhimento”, explica.
Sueny relata que grande parte dos familiares que se indispõe com os filhos por questões relacionadas à sexualidade são pessoas com medo. “Os filhos e os pais sentem pressão psicológica, principalmente as mães, que chegam a se separar dos pais dos filhos por estes não os aceitarem”.
O sonho da coordenadora do coletivo é que a cidade possa oferecer uma casa de apoio para pessoas LGBTQI+. “Muitos que passaram por problemas de serem mandados embora de casa eu acabei acolhendo e minha casa virou uma casa de apoio. Precisa-se de uma casa de acolhimento com psicólogos, assistentes sociais e direcionamento para o trabalho porque, na maioria das vezes, eles não têm profissão”, defende.
Desde que a fundação do Mães pelo Arco-Íris, foram realizados cerca de 30 atendimentos, normalmente complexos e demorados. “A princípio as pessoas não querem conversar, a gente dá um tempo, manda uma mensagem, dá uma ligadinha, mas a pessoa precisa ter o tempo dela e há atendimentos que demoram bastante tempo porque são questões muito emocionais”, conta.
O trabalho é sempre acompanhado por psicólogo e assistente social, voluntários que apoiam a causa para que haja ajuda especializada. “Eu faço o acolhimento de mãe, a gente conversa bastante, troca muita ideia, troca carinho”, diz, acrescentando que o trabalho social a fez completa. “Eu posso não ter nada, mas tendo esse trabalho, poder conversar com as pessoas e saber que as pessoas podem contar com a gente é a melhor coisa que existe”.
A criança de 10 anos que apareceu na porta da casa de Sueny hoje é um adulto e conseguiu, com a ajuda dela, reaproximação com a família biológica, embora prefira continuar morando com a mãe adotiva. “É um menino grande, de forte personalidade, conhecido na cidade, é faixa preta… estou conseguindo levar ele pro caminho certo. Quanto ao preconceito, explico muito sobre como lidar, que ele tem direitos e tem deveres. O Mães pelo Arco-Íris é isso, é acolhimento dos filhos, dos pais, da família. Nós somos resistência pelos nossos filhos”, afirma.
Mulheres de Barro: as guardiãs das referências regionais
Foram seis anos de preparação e muito estudo até que Sandra dos Santos da Silva, de 54 anos, e outras cinco mulheres estivessem capacitadas para se tornarem não apenas as guardiãs das referências culturais de Parauapebas no artesanato, como também fossem multiplicadoras destes ensinamentos.
Presidente da Cooperativa de Artesãos da Região de Carajás Mulheres de Barro, ela conta que o contexto do artesanato mudou na cidade após 2003, quando algumas mulheres foram convidadas a participar de uma exposição em Belém. Chegando lá, observaram que o material levado por elas não tinha a identidade visual de Parauapebas.
“A gente fazia ainda o pano de prato, geralmente copiado de revistas de circulação nacional, e não tinha referências de matéria prima natural, não tínhamos essa iconografia que reportasse à nossa região”, conta. O impacto as tirou da caixinha nesse momento de intercâmbio com outros artistas do estado e, voltando, dessa exposição foi criado um projeto chamado Artesanato Sustentável de Parauapebas, que tinha a missão de identificar matéria-prima, usar meios para beneficiar essa matéria-prima e imprimir a iconografia do município nestes produtos”.
Conforme Sandra, a Cultura ainda não era institucionalizada no município, portanto, não havia orçamento previsto para o setor. Desta forma, o projeto passou dois anos engavetado até que, em 2005, durante o processo de licenciamento do projeto de mineração Salobo, elas participaram da etapa de educação patrimonial, que era desenvolvido pelo Museu Paraense Emílio Goeldi.
“Até então, a comunidade em torno dos projetos não sabia da história, não tinha acesso, mas o universo convergiu a nosso favor e justamente neste período a gente estava buscando essa identidade para o artesanato. Ingressamos nesse processo, ficamos seis anos em formação e foi muito positivo, muito rico. Ao final, além da identidade do artesanato, onde trabalhamos a argila, a gente tinha também um conteúdo que valia a pena multiplicar com a comunidade, iríamos produzir a formação de público, a valorização desse patrimônio e a difusão desse material, o que estamos conseguindo fazer”, conta.
Ao final do programa, as seis mulheres que sobraram da turma de 45 não tinham dinheiro, mas tinham coragem. Elas então começaram a mobilizar parcerias e, em 2013, foi fundada a cooperativa. Em 2017 inauguraram o local onde hoje está instalado o Centro Mulheres de Barro, no Bairro Rio Verde.
“Todo esse processo foi rico para a gente pensar que a cultura é marginalizada pelos outros, mas também pelos produtores e, assim, construímos um lema de que a cultura também é responsabilidade de seus protagonistas. Com essa força, essa fala, a gente começou a mobilizar as pessoas e as parcerias”.
A cooperativa vive da captação de recursos junto a editais federais, como a Lei Rouanet, e estaduais e municipais. Desde a abertura do centro, o grupo já formou quase 500 pessoas em diferentes oficinas. Os primeiros a serem atendidos foram os moradores do bairro onde o centro está inserido. “Fomos de casa em casa chamando as pessoas para trazer os alunos para cá e para a gente fazer essa formação local, para quando chegassem os visitantes nas redondezas as pessoas já conseguissem dizer onde a gente ficava”, relata.
As oficinas têm duração de 3 a 6 meses e o universo do artesanato já se expandiu, deixando de ser ensinada apenas a cerâmica. “A gente trabalha com cestaria, biojóias, sementes, vários tipos de cipó, fibras naturais e também com a arte alternativa, reutilizando materiais”. Uma das principais ações do centro é trabalhar a economia criativa, voltada para pessoas que não têm formação para enfrentarem o mercado de trabalho convencional.
Além do centro, onde estão expostos os trabalhos feitos a partir da argila, a cooperativa mantém exposição também em uma sala no Partage Shopping Parauapebas, onde reúne obras de mais de 40 artistas. “Isso dá uma visibilidade para os artistas, aquela mãe que não pode estar na rua vendendo está em casa cuidando dos filhos, enquanto a loja está vendendo o produto para ela”.
O trabalho, diz, não para por aí. “Nós temos esse trabalho focado na cultura e não ficamos apenas na acomodação, bem no começo estávamos já discutindo políticas publicas junto às instituições. Mulheres de Barro, além do trabalho que faz com artesanato, faz muitos trabalhos voltados para a gestão cultural, o fazer artístico é só a cereja do bolo, o resto é gestão, é saber escrever um projeto, é saber prestar contas, é saber captar recursos, sem isso a gente não consegue o fazer artístico com qualidade e profissionalismo”.
A menina que recolhia bichos
Aos sete anos a recomendação que a mãe de Byancka Delavor mais fazia a ela era a de não recolher animais de rua para levar para casa quando retornasse da escola. Hoje, aos 42 anos, essa é praticamente a profissão dela, presidente da Associação dos Amigos e Protetores dos Animais e do Meio Ambiente (Apama).
Byancka chegou em Parauapebas em 2010 e se juntou à Apama assim que soube da existência da associação, iniciada há 10 anos. “A gente trabalha muito a conscientização a respeito dos maus tratos e temos um público-alvo. Iniciamos o projeto com crianças nas escolas porque a gente acredita em educar elas para que se tornem adultos responsáveis e tenham mais conscientização acerca do tema, entendendo que não pode maltratar, que tem que cuidar”, diz.
Em casa Byancka tem quatro animais, três gatos e um cachorro, todos recolhidos das ruas e que passaram por maus-tratos. “Chegaram aqui, a gente deu o cuidado e o tratamento, mas muitos animais não conseguem adoção e acabam ficando nas casas dos voluntários, assim que chegaram na minha vida os meus”, relata.
A Apama conta com 30 voluntários que se dividem em medidas educativas, ações de castração e incentivo à adoção de animais vulneráveis, além de realização de ações para arrecadação de fundos, como venda de rifas, feijoadas e de produtos com a logo da Apama. Dentre os voluntários, apenas dois são homens.
“A maior parte é mulher. Eu não sei, mas acredito que a mulher é mais aberta, o coração é mole, não que os homens também não sejam, mas 90% da nossa equipe é composta por mulheres que se viram, quando têm dinheiro compram ração, quando não têm tiram do bolso, compram remédio. Pra mim é muito gratificante fazer aquilo a que me disponho todos os dias, isso faz muito bem pra mim”, diz.
Relembrando a infância, Byancka conta que acabava não dando ouvidos à mãe e, para amenizar a situação, acabava praticando a militância sem nem saber o que isso significava. “Lembro que quase sempre chegava com um animalzinho. Eu dizia ‘vou cuidar e quando ele estiver fortinho a gente doa para a vizinha’ e nem entendia sobre doação e sobre o que a gente milita hoje”.
Deusa plantando sonhos
Este mês de março marca não apenas o Dia da Mulher como também um ano de renovação nas vidas das mulheres que integram o Coletivo de Mulheres Flor de Carajás, batizado em homenagem à planta que nasce apenas na região de Parauapebas. Nesta mesma época, em 2021, elas passaram a atuar nas feiras da cidade, escoando a produção das mulheres do Assentamento Palmares II, o maior do estado do Pará.
Deusamar Sales Matos, mais conhecida como Deusa, é uma das protagonistas desta história e responsáveis pela organização da agricultura familiar para que a produção chegasse aos consumidores, inicialmente via banca montada na feira do Partage Shopping Parauapebas. Após esta, veio também um espaço no Centro de Abastecimento de Parauapebas (CAP) e a feira local.
Assentada desde 1994, Deusa também é professora de Educação Infantil no Palmares e conta que historicamente as mulheres sempre participaram das lutas, principalmente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), considerada uma bandeira das famílias.
“Com o desenvolvimento do assentamento, algumas mulheres vão recuando e outras vão se organizando. No nosso caso, desde o início temos o cuidado de sempre estar motivando e trabalhando a formação das mulheres para que elas permaneçam organizadas e na luta, produzindo e participando das atividades”.
Em 2014, relata, houve a reorganização delas a partir de um encontro na Jornada de Lutas das Mulheres Sem Terra, no mês de março. Naquele momento, decidiu-se que o coletivo de mulheres teria uma identidade social, cultural, política e também econômica. “A gente já produzia, mas começamos a organizar isso para venda nas feiras locais”. Além de comercializar os produtos que plantam, relata, essas mulheres passaram a organizar momentos culturais e estudar as pautas juntas.
“As feiras que fazemos no Palmares têm apresentações culturais, entendendo que a feira, para nós, não é apenas um espaço para gerar renda, mas sobretudo de relações sociais, da gente poder conversar com a sociedade, apresentar nossas expressões culturais. Também estudamos nossas pautas, a gente discute, senta, encaminha e estuda o que é específico para nós mulheres, aquilo que é pauta política de nossas mulheres”, revela.
Atualmente, 20 mulheres participam do coletivo, mas há intenção de ampliar esse número e, ainda, de mudar o status do movimento. “O coletivo é pequeno, mas o assentamento é grande e nosso propósito é aumentar o número de mulheres que estarão organicamente no nosso coletivo. Precisamos também de um instrumento jurídico, ainda não sabemos se cooperativa ou associação, estamos em fase de discussão em relação a isso, mas sentimos a necessidade de ir além do coletivo, o que pra nós é muito bonito porque é uma construção”.
Deusa conta que a organização do coletivo foi o ajudou economicamente as mulheres no período da pandemia, com a atuação nas feiras locais e também com o delivery de cestas básicas que continham os produtos oriundos da roça e também os processados pelas famílias. “Foi um período de muita dificuldade para todos, mas para as mulheres deste coletivo foi um período que contribuiu. Eu não tenho dúvida do quanto temos evoluído e sido significativo para as mulheres a organização deste coletivo”.
Hoje Deusa não está produzindo no lote onde é assentada porque vive perto da escola onde trabalha. No próprio quintal, porém, mantém plantações de maracujá, cupuaçu e coco. Ela aguarda ansiosa a construção de uma escola prometida para ser próxima do lote, onde pretende investir em uma produção maior.