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Museu - Mais antiga Floresta Nacional da Amazônia no Pará completa 60 anos
Crédito: Elias Santos Serejo
Quem visita a baía de Caxiaunã não esquece seus encantos. A frase é proferida como mantra na região dos municípios de Portel e Melgaço, no arquipélago do Marajó, no Pará, onde está localizado o território da Floresta Nacional (Flona) de Caxiuanã. Imponente com seu mosaico de cores, onde predomina o marrom esverdeado, o balanço de sua maré, ou banzeiro para quem é da região, lembra o de um oceano. A baía banha a porção leste da Unidade de Conservação que completa, em 28 de novembro, 60 anos.
Caxiuanã tem cerca de 322.400 hectares. A Flona foi criada em 1961 e tem como objetivo o uso racional dos recursos naturais e o desenvolvimento de pesquisas científicas. Há populações ribeirinhas residentes na área desde antes da criação. De acordo com Plano de Manejo da Unidade - documento técnico destinado a estabelecer as normas de uso das áreas e dos recursos -, o nome Caxiuanã aparece na história da região a partir do século XVIII, ainda no Brasil colônia. Uma missão, a serviço do governo da província do Grão-Pará, esteve na região para fazer uma avaliação das madeiras ali existentes. Acredita-se que provavelmente a palavra tenha origem indígena, referente aos índios que habitaram aquela região em passado remoto. Ou, como preferem os habitantes: caxiuanã quer dizer terra de muita cobra.
A gestão do território é realizada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), com a participação das comunidades que habitam seu interior. Segundo Simone Albarado Rabelo, analista ambiental e chefe do ICMBio Breves, o Instituto atua em diferentes frentes: “fiscalização e proteção do meio ambiente, apoio ao acesso de políticas públicas, apoio à realização de pesquisas científicas, mas acredito que a mais forte e importante atuação na região é o apoio, fomento e realização do manejo florestal comunitário madeireiro e não madeireiro. Além disso, o ICMBio colabora com ordenamento territorial do Marajó, elaborando e publicando o Plano de Manejo, Acordos de Gestão Territorial e Perfil de famílias beneficiárias”, destaca.
De acordo com o último levantamento oficial, a Flona de Caxiuanã possui 118 famílias distribuídas em sete comunidades: Caxiuanã, Laranjal, Pedreira, Cariatuba, São Tomé do Pracupi, Glória e Anjo da Guarda. Geograficamente, a Flona está em um território que faz limite com áreas que possuem destinação especial, como ao norte, com a Reserva Extrativista (Resex) Gurupá-Melgaço, a Comunidades Remanescentes de Quilombos de Gurupá e o Projeto Estadual de Assentamento Agroextrativista (PAEX) Camutá do Pucurui; e a oeste, com o PAEX Majari.
As populações que vivem na Flona realizam como atividade econômica e de subsistência o extrativismo do açaí, da castanha do Pará e extração de óleos de copaíba. Realizam, ainda, o manejo de cipós, fibras e talas para fabricação de utensílios domésticos como vassouras, peneiras e tipitis. As populações ribeirinhas da região caçam e pescam somente para consumo, além de coletarem frutos, óleos e resinas. Os agricultores cultivam roças para produção de mandioca, que origina a farinha e que, além de consumida, é comercializada em pequena escala, assim como milho e melancia.
Carlos Alberto Braga, que atuou como gestor da Flona na equipe de servidores do ICMBio durante anos, destaca momentos históricos ao longo desses 60 anos: plano de Manejo finalizado e consolidação do Conselho Consultivo da Flona Caxiuanã; e implantação do Estágio acadêmico voluntário em conjunto com o Instituto Federal do Pará (IFPA) e Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA). “Destaco como pioneiro o ‘Projeto Saberes da Floresta: Intercâmbio de Jovens e Agroextrativistas no Manejo da Agrobiodiversidade na Amazônia Paraense’. No período, dois Projetos foram Premiados no Programa de Boas Práticas de Gestão do ICMBio”.
Para Augusto Ramos da Costa, 61 anos, morador da comunidade São Tomé, nasceu, cresceu e vive no território, diz que a vida na região tem restrições, em virtude da necessidade de conservar o ambiente, retirando o que precisa para susbsistência com respeito às regras do instituo, mas afirma entender o porquê disso: “eu vivo da agricultura, faço a roça, tudo para consumo próprio, faço a coleta da castanha e produzo farinha para vender e conseguir um dinheiro, então posso dizer que a vida aqui é muito boa. Aqui a gente tem direito de uso da terra, então de certa forma é nossa também, por isso é preciso trabalhar de forma correta, respeitando, não degradando. É por isso que tem muito peixe, muita caça, muita fruta”, contou.
Quem comunga da mesma opinião é Maria Carvalho do Nascimento, 51 anos, conhecida como Dalva, é moradora da comunidade Caxiuanã, que se casou com um morador da Flona na década de 1990 e mudou-se para a unidade. “Para mim é um privilégio grande morar aqui. Não quero sair daqui. Só quero ampliar minha moradia e continuar vivendo aqui, por causa da trranquilidade, da paz, da alimentação. Aqui se você não tiver dinheiro você vai no rio, pega um peixe, e tem o que comer. Alimento sempre tem. Fico imaginando quem mora em uma cidade e não tem condições. Por isso mesmo temos que conservar, garantir que tudo isso não acabe”, explica. Para ela, o papel de quem mora no território é ter consciência ambiental e por isso é importante se organizar e seguir lutando por melhorias, para que todas as gerações tenham acesso aos recursos naturais.
Estação Científica Ferreira Pena (ECFPn)
É uma base de pesquisas científicas do Museu Goeldi/MCTI implantada em 1993 na Floresta Nacional de Caxiuanã, no município de Melgaço, no Estado do Pará. Tem por objetivo apoiar estudos científicos sobre a sociobiodiversidade da Amazônia, além de atividades de educação em ciências e educação ambiental. Na estação, são realizados eventos como treinamentos, visitas orientadas, cursos de campo para alunos de graduação e pós-graduação e treinamentos de extensão rural para moradores de Caxiuanã.
Quem possui uma relação de vida com o território, que reúne aspectos pessoais e trajetória profissional, é o Profº Leandro Valle Ferreira, pesquisador do Museu Emílio Goeldi. “Conheci Caxiuanã em 1994 logo após a inauguração da Estação. Trabalhei durante muitos anos como pesquisador da coordenação Botânica na Ferreira Pena, publicando diversos artigos. Fui responsável pela integração dos dados para a confecção do Plano de Manejo feito em 2011. Fui Coordenador da Estação de 2014 a 2018. Atualmente coordeno um dos sítios de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração com apoio do CNPq, o único nessa região”, conta Leandro.
Segundo Leandro, desde 2010 a Estação Científica Ferreira Penna é um dos sítios de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração (PELD) do CNPq. “Este sítio representa a principal base de pesquisa do Museu Paraense Emílio Goeldi e a única na região do Centro de Endemismo do Xingu, contribuindo de forma significativa para o avanço de conhecimentos sobre a biodiversidade amazônica. O Sítio PELD atua em quatro eixos principais de pesquisa: avaliação de Impactos antrópicos e simulação de secas prolongadas, simulando o efeito de mudanças globais; monitoramento da biomassa e dinâmica Florestal; monitoramento da biota em longo prazo; educação ambiental e formação de recursos humanos”, destaca o professor.
A pesquisa científica realizada no sítio tem mais de 30 anos e atualmente é gerenciada pelo programa de PELD, que desenvolve mais de 25 projetos nas áreas dos meios físico, botânica, ecologia, zoologia e socioeconômica e integra as pesquisas de biodiversidade dos Projetos Institucionais do MPEG em Caxiuanã.
Pesquisa científica
A Floresta Nacional de Caxiuanã é uma das áreas mais pesquisadas na Amazônia oriental. O Museu Goeldi, em parceria com instituições nacionais e internacionais, desenvolve pesquisas científicas na unidade desde a década de 1990. As investigações científicas realizadas no território contribuíram para o conhecimento da biodiversidade amazônica, formação de recursos humanos e o fortalecimento das interações com a comunidade local. “Os resultados destes trabalhos vêm sendo publicados pelo próprio Museu Goeldi e pelos pesquisadores em revistas nacionais e internacionais através de mais de 500 artigos, teses, livros, relatórios, entre outros que abordam diferentes temas de estudos realizados sobre os diferentes ecossistemas, bem como de grupos vegetais e animais, além de estudos interdisciplinares”, pontua o professor Leandro.
Com as pesquisas, já foram reconhecidas mais de 1.500 espécies de plantas e 1.800 espécies de animais, alguns ameaçadas de extinção. Esses resultados foram publicados, submetidos ou encontram-se em fase de coleta de dados, muitos deles executados por alunos de graduação e pós-graduação de Mestrado e Doutorado. Existem alguns estudos publicados que demonstram a grande importância da Floresta Nacional de Caxiuanã na proteção de recursos naturais madeireiros e não madeireiros.
A Estação Ferreira Pena é responsável pelo único projeto de pesquisa que monitora o impacto das mudanças climáticas na biodiversidade em nível mundial por meio de um experimento em longo prazo que iniciou em 2002. O Projeto ESECAFLOR estuda a resposta da vegetação da Amazônia submetida a um estresse hídrico artificial, sendo o único com essa duração em atividade no mundo. As medidas e estudos realizados pelos pesquisadores do projeto têm mostrado resultados importantes que podem contribuir para futuras pesquisas e, principalmente, contribuir para nortear políticas públicas nacionais e internacionais, demonstrando que as mudanças climáticas são uma realidade. As principais evidências já demonstram à existência de árvores mais resistentes a redução das chuvas e outras mais sensíveis a seca, ocasionando um aumento da mortalidade das espécies mais sensíveis, principalmente, as árvores com maior diâmetro que necessitam de um volume maior de água para se manter.