Documentação de Línguas Indígenas
As línguas são repositórios de conhecimentos coletivos e individuais e seus veículos de transmissão por gerações. Atualmente, entre 150 e 180 línguas indígenas são faladas no Brasil, país em que ainda se encontra uma das maiores densidades linguísticas do mundo. Embora esses dados apontem para a extraordinária diversidade cultural ainda existente no país, especialmente na Amazônia, demonstram, também, a perda progressiva e irreparável das mais de mil línguas que se estima terem existido antes da chegada dos europeus.
As línguas indígenas que ainda existem no Brasil continuam correndo sérios riscos de extinção até o fim deste século. Há situações de risco extremo, em que se encontra pequenos grupos ou apenas um falante de certas línguas, mas, mesmo entre as poucas línguas que contam com milhares de falantes (ex: Guarani, Tikuna, Terena, Macuxi e Kaigang), nenhuma pode ser considerada “segura”, já que são línguas minoritárias e dominadas, faladas em contextos submetidos a transformações rápidas e profundas.
Com o desaparecimento das línguas, a ciência perde fontes de evidências para o conhecimento da linguagem humana, bem como do passado, antigo e recente, do povoamento indígena. Um país e a humanidade perdem uma parte essencial do seu patrimônio intelectual, de sua identidade, de sua memória. Quem sai perdendo em primeiro lugar, porém, são as próprias comunidades indígenas, já que uma língua e suas variantes representam um elemento chave da identidade de um povo, veículo de tradições e conhecimentos milenares, razão de autoestima e de vontade de se perpetuar. Acima de tudo, a valorização e preservação das línguas é um direito universal a ser reconhecido e defendido.
Na esteira do movimento internacional de proteção das línguas em perigo de extinção, o Museu do índio, em cooperação com a UNESCO, desenvolveu o Programa de Documentação de Línguas Indígenas (PRODOCLIN) no âmbito do Projeto "Documentação de Línguas e Culturas Indígenas Brasileiras" e do Projeto "Salvaguarda do Patrimônio Linguístico e Cultural de Povos Indígenas Transfronteiriços e de Recente Contato na Amazônia Legal", com o objetivo de contribuir para a valorização, revitalização e salvaguarda de línguas indígenas ameaçadas por meio de sua documentação e divulgação.
A documentação de línguas indígenas é um processo complementar à sua descrição. Ela envolve um conjunto de ações, técnicas e metodologias científicas voltadas a registrar, de modo sistemático e extenso, exemplos de seu uso em contextos culturais, os mais variados, com ampla participação das comunidades envolvidas. Entre os produtos gerados pelo Programa, destacam-se publicações (materiais didáticos, paradidáticos e de pesquisa), arquivos digitais multimídia, gramáticas, bases de dados lexicais (dicionários) e diagnósticos sociolinguísticos.
Nos últimos dwez anos, o PRODOCLIN desenvolveu parceria com 17 povos da Amazônia, tendo já produzido os primeiros registros da língua yaroamɨ, da família Yanomami (RR), uma Cartilha de Vocabulário da língua Kanoé (RO), falada por apenas cinco pessoas, e a plataforma Japiim. Esta última iniciativa congrega dicionários de línguas indígenas digitais, cujas primeiras versões nas línguas Guató, Ye’kwana, Sanöma e Kawahiva, foram lançadas no Google Play, em maio de 2021 (link para a matéria).