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Saberes tradicionais de cultivo dos povos indígenas inspiram políticas e movimentos agroecológicos
O cultivo com sementes crioulas, sem uso de agrotóxicos, com respeito aos ritmos da natureza, adequado manejo do solo e dos recursos hídricos são práticas ancestrais de diferentes povos indígenas e uma característica de suas culturas.
Chamadas, hoje, de agroecológicas, tais práticas produzem alimentos sem prejudicar as condições ambientais ou afetar a biodiversidade. Porém têm sido profundamente afetadas nas comunidades indígenas por fatores como a falta de regularização de seus territórios, invasões, pressão do agronegócio, degradação ambiental, entre muitas outras. Diante desse quadro, muitas comunidades foram forçadas a abandonar ou reduzir drasticamente seus cultivos, passando muitas vezes a viver em situação de insegurança alimentar.
O tema foi objeto de roda de conversa durante o 12º Congresso Brasileiro de Agroecologia, realizada no Barracão dos Povos Indígenas, na manhã do dia 21 de novembro. Participaram representantes do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e indígenas de todas as regiões brasileiras.
Leosmar Terena, coordenador-geral de Promoção do Bem Viver Indígena da Secretaria de Gestão Ambiental e Territorial Indígena do MPI, ressaltou que a grande missão do Ministério é democratizar as políticas públicas de Estado que já existem e não consideram os povos indígenas. Ele lembrou que entre os que receberam serviços de assistência técnica e extensão rural (Ater), apenas 4% eram indígenas. Defendeu assistência específica para os povos indígenas e ressaltou que é necessário considerar as práticas indígenas de manejo do solo e da água nas políticas voltadas para a área.
Elisa Pankararu, coordenadora do Departamento de Povos Indígenas da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), destacou as contribuições das práticas tradicionais indígenas em suas múltiplas dimensões.
O coordenador de Etnodesenvolvimento da Funai, Leiva Martins, contou que é agrônomo por formação, mas que foi depois que começou a trabalhar na Fundação que aprendeu realmente os vários usos dos territórios, a partir da experiência com os diversos povos indígenas.
Camile Marques da Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sesan) do MDS afirmou que o compromisso da Secretaria é de implementar políticas públicas adequadas às especificidades dos povos indígenas. Lembrou que o Mapa da Insegurança Alimentar aponta que esses povos, assim como os quilombolas, ribeirinhos e pescadores artesanais vivem em condições mais graves do que outros segmentos sociais e que isso decorre de um longo processo de inviabilização. “As políticas públicas não são suficientes para atender a diversidade”.
Naiara Andreoli Bittencourt, assessora da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) explicou que para a Companhia duas políticas públicas se destacam em importância: a Política de Preços Mínimos para os Produtos da Sociobiodiversidade (PGPM-Bio) que garante preço mínimo para 17 produtos extrativistas que ajudam na conservação dos biomas brasileiros e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Agora, os indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais não precisam ter o Cadastro da Agricultura Familiar (CAF) ou a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) para acessar o PAA ou o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
A medida estimula a alimentação regionalizada em escolas situadas em territórios indígenas e tradicionais, com a compra, pelo poder público, dos gêneros produzidos nas comunidades e aldeias. A medida gera renda para as populações, reduz a pobreza das famílias e garante uma alimentação regular, saudável e de cultura local nas escolas, repeitando conhecimentos tradicionais e a sazonalidade na produção dos itens.
Já Marcelo Firpo, da Fiocruz, destacou a necessidade de se criar condições para o estabelecimento de diálogos e encontros entre o saber indígena e o acadêmico para que as políticas públicas não produzam nutricídio - má alimentação e impacto na saúde - e epistemicídio - morte da construção do conhecimento, pela sobreposição de uma cultura a outra, criando formas de dominação política e ideológica.
Jairã Botó destacou o objetivo de fazer com que a agenda agroecológica seja uma prioridade do movimento indígena. Ele disse que os povos indígenas têm de produzir segundo seu modelo de agroecologia. “As terras indígenas, além de preservarem o meio ambiente, são produtivas, ao modo de cada povo”, observou.