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Povos indígenas querem seus direitos reconhecidos pelo Sistema de Propriedade Intelectual que move bilhões anualmente
Desde o dia 13 de maio, os países integrantes da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) se concentram nas negociações em torno do texto de um instrumento internacional de proteção aos conhecimentos tradicionais e aos recursos genéticos dos povos indígenas e tradicionais.
Para conduzir essas negociações, a metodologia escolhida foi dividir a análise do texto do futuro instrumento em dois comitês: o primeiro discute os pontos mais polêmicos, e o segundo analisa conteúdos mais administrativos.
A diretora do Museu Nacional dos Povos Indígenas, Fernanda Kaingáng, conta que a delegação brasileira da Conferência Diplomática tem tentado aproximar os posicionamentos dos diferentes blocos regionais e países visando conseguir flexibilidade em artigos chave do texto do futuro instrumento internacional.
Entre eles, estão o artigo terceiro do texto em discussão, que versa sobre a divulgação da origem do conhecimento tradicional e dos recursos genéticos nos pedidos de patentes, item fundamental para assegurar aos povos indígenas e comunidades tradicionais seus direitos.
A assessora técnica da Assessoria Internacional do Gabinete do Ministério dos Povos Indígenas, Nayra Kaxuyana, explica que países como Argélia, França, China, Turquia e Índia, que não possuem povos indígenas ou comunidade tradicionais, querem que esse artigo seja mais flexível. “O desafio é fazer uma articulação com países e regiões para que seja aprovado um instrumento que efetivamente proteja os direitos dos povos indígenas e tradicionais”, pontua.
O artigo 5, que trata da não retroatividade do futuro instrumento legal também está sendo acompanhado. Se o texto for aprovado como está, todos os conhecimentos tradicionais e recursos genéticos que já foram apropriados não seriam alvo do futuro instrumento internacional.
Fernanda Kaingáng diz que a Índia, assim como o Brasil, está atenta às discussões em relação ao artigo 10, que trata dos princípios gerais de aplicação, ou seja, das medidas de cumprimento do instrumento legal, que envolve legislações nacionais. “A Índia, a Colômbia, o México e o Brasil têm legislações mais avançadas. Assim, espera-se que o futuro instrumento seja considerado o mínimo legal a ser cumprido pelos solicitantes de registro de patentes e não o teto máximo”, ressalta.
Também tem sido objeto atenção especial dos povos indígenas, o artigo 11, relativo à criação da Assembleia Geral, que reunirá periodicamente os signatários do futuro instrumento. Os povos indígenas têm pedido a garantia de participação nessas assembleias com financiamento que não dependa do fundo voluntário.
De acordo com a diretora do Museu, havia uma divergência quanto ao número de países necessários para que o futuro instrumento internacional entre em vigor. Alguns defendiam a necessidade de apenas 15 países e outros, de 30 países. Mas 38 países já firmaram carta de plenos poderes, com intenção de assinar o futuro instrumento que deve ser definido até o final desta semana.
“Está confirmada a participação de nove ministros na Conferência e espera-se que até o dia 24 de maio, quando terminam as negociações, se consiga o consenso mínimo para que se possa regulamentar a proteção aos conhecimentos tradicionais e recursos genéticos dentro do Sistema de Propriedade Intelectual que move bilhões, sem que os povos indígenas tenham tido seus direitos reconhecidos até hoje”, destaca Fernanda.
Fernanda Kaingáng é especialista pelos povos indígenas da América Latina no tema da proteção do patrimônio cultural, material e imaterial, em diferentes órgãos das Nações Unidas, entre eles a OMPI.
“A empresa estrangeira que se apropria do conhecimento de um povo economiza anos de pesquisa e milhões de investimentos sobre aquele princípio ativo. E é justamente esse povo que preserva a biodiversidade em seu modo de vida, que pesquisou, produziu e manteve tal conhecimento, que nada recebe”, ressalta.