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Museu Nacional dos Povos Indígenas e Funai conduzem primeira repatriação de uma coleção de itens etnográficos indígenas
Pela primeira vez, o Brasil repatriou centenas de itens etnográficos produzidos por indígenas brasileiros e que se encontravam de forma irregular em solo estrangeiro. Trata-se de uma coleção com cerca de 600 peças que estava no Museu de História Natural, Industrial, Comercial e Etnográfica de Lille, na França.
A maioria dos objetos são adornos plumários e objetos rituais, mágicos e lúdicos produzidos por 39 povos indígenas, que fazem parte do acervo do Museu Nacional dos Povos Indígenas, órgão científico-cultural da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). A repatriação desses objetos é fundamental para a preservação da memória dos povos e fortalecimento de suas culturas.
A maior parte dos artefatos é de povos localizados no Brasil Central e há indícios de que algumas peças são raras e únicas, pois não são mais fabricadas por esses povos. “São objetos que testemunham a riqueza e a variedade das manifestações culturais dos povos indígenas que vivem no Brasil, cujo valor extrapola os limites materiais. É um patrimônio cultural do Brasil e dos povos indígenas”, afirma a diretora do Museu, Fernanda Kaingáng.
Entre as peças destacam-se troncos de madeira usados no Quarup, ritual de despedida dos mortos da etnia Kamayurá, do Xingu; a Máscara Cara Grande dos Tapirapé, que os homens adultos utilizam num dos principais rituais do povo; diversos adornos Kayapó, raros nas coleções brasileiras, um conjunto de adornos Enawene-Nauê, que não se encontram no acervo de nenhum museu brasileiro.
Negociações
A repatriação do acervo é fruto de complexa negociação entre o museu francês e a Funai, por meio do Museu Nacional dos Povos Indígenas, com apoio do Ministério das Relações Exteriores (MRE) e Ministério Público Federal (MPF), dada a importância da coleção e a proteção constitucional do patrimônio cultural brasileiro.
“É um momento de reflexão sobre a importância de preservar e valorizar o nosso patrimônio cultural. Esse processo de repatriação não teria sido possível sem a colaboração intensa das instituições envolvidas. Retornar essa arte indígena é retornar um pedaço da nossa história”, enalteceu a presidenta da Funai, Joenia Wapichana, ao anunciar a repatriação das peças durante a inauguração do Centro Audiovisual (CAud), dia 11 de julho, em Goiânia (GO). Joenia também anunciou que tão logo seja possível, a Funai e o Museu Nacional dos Povos Indígenas irão promover exposições das peças repatriadas.
Os itens repatriados são protegidos pela Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (Cites), estabelecida no Brasil por meio do Decreto nº 3.607, de 21 de setembro de 2000.
Vistoria do acervo
O acervo deve passar por minuciosa vistoria antes de ser liberado pelas autoridades aduaneiras. Após a conferência e autorização, a carga será transportada ao Museu Nacional dos Povos Indígenas, localizado no Rio de Janeiro.
No Museu, as peças serão desembaladas para a conferência de seu estado em comparação com os relatórios emitidos quando as peças saíram do Museu de Lille. “Nossa recomendação é que o acervo passe por um período de quarentena antes de ser exibido, para evitar possíveis contaminações, como é de praxe com acervos museológicos”, explica a diretora do Museu, Fernanda Kaingáng.
As peças foram enviadas ao exterior em 2004 sem obedecer aos trâmites legais que envolvem a saída do Brasil desse tipo de item.
Preparação
Diante da importância e raridade de vários objetos e das expectativas criadas quanto a sua preservação, o museu se preparou para receber e acondicionar de forma adequada e segura toda a coleção que será repatriada. Foi construída uma nova reserva técnica, climatizada e automatizada, e concluída a modernização da rede elétrica das instalações do museu e as obras de prevenção de incêndio, conforme as normativas e orientações do Corpo de Bombeiros. Além disso, o Museu conta com um laboratório para conservação e restauro.
Reparação
Com o acervo indígena de volta ao país de origem, a expectativa é que o país negocie com a França medidas de reparação aos povos envolvidos, levando-se em consideração o complexo processo para garantir o retorno das peças, bem como o tempo que o acervo ficou retido e os danos sofridos.
Para o coordenador técnico-científico do Museu, Seiji Nomura, que acompanhou todo o processo de repatriação das peças, é preciso encontrar medidas que garantam que os empréstimos de acervos sejam mais vantajosos para as comunidades indígenas, com repartição de benefícios para os povos de onde advêm as expressões culturais em circulação. E, ainda, medidas que garantam o correto acompanhamento e retorno de acervos emprestados a museus estrangeiros.
“Deve-se estimular, como já tem ocorrido, que eventuais empréstimos também contemplem a previsão de os próprios artistas e mestres de saberes apresentarem e falarem sobre seus acervos - o que promove o protagonismo dos povos indígenas”, ressaltou Seiji Nomura.
A partir do recebimento dos itens, a Coordenação de Patrimônio Cultural (Copac) do Museu Nacional dos Povos Indígenas fará a gestão do acondicionamento das peças para encerrar esta etapa do processo de repatriação. “Contudo, não se considera o procedimento completo sem que haja busca das reparações e, ainda, de formas de acesso pelos povos indígenas e pelo público em geral ao acervo”, considerou o coordenador técnico-científico do Museu.