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Habitantes de uma cidade indígena, os cariocas não conhecem sua verdadeira carioquice
As origens da cidade do Rio de Janeiro, a forte presença indígena no território, nos toponímios, na geografia, na cultura e a ignorância dos cariocas sobre sua carioquice foram alguns temas que permearam os debates da segunda edição do Seminário Permanente de Culturas Indígenas, realizado no dia 15 de maio, na Casa de Dirce/UERJ.
Com mediação de Lívia Penedo Jacob, o evento reuniu o romancista Alberto Mussa, autor do livro “Meu destino é ser onça: mito Tupinambá”, e o comunicador Anápuàka Tupinambá Hãhãhãe, consultor da peça “O caminho de volta: a outra história do Rio de Janeiro”, para uma conversa sobre indianidades cariocas.
Resultado de uma parceria entre a Casa Dirce e o Museu Nacional dos Povos Indígenas, o seminário foi realizado na Casa de Dirce/UERJ e teve como tema “Depois dos tamoios: a Kara'i oka no século XXI”. A abertura do evento foi realizada por Eduardo Barcellos, diretor substituto do Museu, e pelo professor João Cesar Castro, coordenador da Casa Dirce.
Lívia Penedo Jacob, autora do livro “As duras penas: o índio na literatura e a literatura indígena”, deu início à conversa fazendo uma breve exposição sobre o Rio de Janeiro “pré-histórico”, que existia antes da Confederação dos Tamoios – conflito militar travado entre colonos portugueses, colonizadores da França Antártica, liderados por Villegagnon, e indígenas tendo à frente as lideranças Aimberê e Cunhambebe.
Ela exibiu um mapa do Atlas Histórico do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas, com indicações de aldeamentos indígenas e falou sobre a presença dos franceses, entre 1555 e 1570, no território da cidade do Rio de Janeiro. Destacou os diversos conflitos armados entre franceses, portugueses e seus respectivos aliados indígenas. Os Tupinambá eram aliados dos franceses e os Tupiniquim, dos portugueses.
Lívia destacou crenças equivocadas, como a de que o significado da palavra carioca é a casa do branco, quando na verdade é o nome de um rio, e lembrou que nunca existiu o povo Tamoio, e sim um confederação com vários povos liderados pelos Tupinambá, conhecida como Tamoio, que lutou ao lado dos franceses.
Anápuàka Tupinambá lembrou que as pessoas que nasceram e/ou vivem na cidade não têm conhecimento sobre a história da cidade ou sobre sua origem indígena. Ele conta que quando veio morar no Rio de Janeiro procurou entender o território como uma estratégia de sobrevivência. “Fui morar em Santa Cruz e do lado havia um lugar chamado Sepetiba, e estava próximo de Guaratiba. As referências que eu tinha do local me deixavam mais confortável, eu conseguia me identificar localmente pelos nomes e compreender o próprio território. Atravessando a Grota Funda, eu estava em Jacarepaguá. A própria língua me dizia onde eu estava”.
Mas causava espanto a ele o fato de que seus amigos não conheciam a história indígena da cidade. “Isso para mim soava absurdo. O carioca não sabe quem ele é. Os cariocas não entendem sua carioquice. A cidade é muito óbvia para quem é tupi”.
Já Alberto Mussa conta que sua consciência sobre a presença indígena no Rio de Janeiro vem da Umbanda, que frequentou desde pequeno. Ele destacou o empobrecimento da toponímia da cidade com a substituição de nomes indígenas por outros, independentemente de seu valor histórico ou cultural. Citou como exemplo a Avenida Sernambetiba que virou Avenida Lúcio Costa. Para ele, uma percepção de que se vai matando a memória da cidade aos poucos.
Mussa relatou que estudou várias línguas e diz que em sua tese de doutorado fez uma comparação dos idiomas do tronco tupi-guarani, usando a linguística para compreender a ocupação e a dispersão desses povos pelo território brasileiro e da América do Sul. “E foi aí que tive os primeiros deslumbramentos com a cultura tupi antiga”. Lembrou que os franceses, apesar de terem ficado muito menos tempo aqui, tiveram muito mais interesse e escreveram bem mais sobre os Tupi do que os portugueses. “É nas fontes francesas que vamos conhecer a mitologia Tupinambá e a temática da guerra”, explica.
Segundo ele, a maioria das pessoas se vincula a uma origem fora do Brasil. As pessoas são sempre estrangeiras, descendem de povos de fora e estão aqui por acaso, porque vieram colonizar ou porque estavam fugindo de algo. “Na mentalidade das pessoas, o Brasil começa em Portugal. Não é possível construir uma sociedade minimamente engajada, que tenha um projeto comum de desenvolvimento e igualdade, se não conseguimos sequer desenvolver uma noção de nacionalidade e de pertencimento. E esse pertencimento é vinculado no tempo e no espaço aos povos indígenas que existiram e existem no Brasil. É nossa origem, é com quem temos que nos identificar”.
De acordo com Mussa, está comprovado cientificamente que mais de 90% da população brasileira descende de indígenas. “Quem tem uma avó brasileira tem mais de 90% de chance de ter ascendência indígena, mas isso não se faz visível”, ressalta.