Notícias
Centro Audiovisual (CAud) é inaugurado com a exposição "Xingu: contatos"
- Foto: Arquivo Instituto Moreira Sales
O Centro Audiovisual (CAud), moderno centro dedicado à formação indígena, será inaugurado, dia 11 de julho, com a abertura da exposição "Xingu:contatos", do Instituto Moreira Sales (IMS). O Parque Indígena do Xingu, localizado no estado de Mato Grosso, foi o primeiro grande território indígena demarcado no Brasil, em 1961. Atualmente, abriga mais de 6 mil indígenas de 16 povos indígenas.
Há séculos, o território enfrenta diversas formas de intervenção e violência e inspira a luta por direitos. Essa trajetória de resistências é revisitada na exposição Xingu: contatos. A mostra foi exibida na sede do IMS de São Paulo, entre 2022 e 2023, e agora chega ao CAud. A equipe de curadoria é formada pelo cineasta Takumã Kuikuro, diretor de documentários como As hiper mulheres (2011), pelo jornalista Guilherme Freitas, editor-assistente da serrote, revista de ensaios do IMS, e pela assistente de curadoria Marina Frúgoli.
A abertura inclui uma fala inaugural, no dia 11/7, às 16h, com Joenia Wapichana, presidenta da Funai, Fernanda Kaingang, diretora do Museu Nacional dos Povos Indígenas, Marcelo Araújo, diretor geral do IMS, os curadores da exposição e lideranças indígenas. No dia seguinte (12/7), às 16h, haverá uma conversa com comunicadores e artistas indígenas que participam da mostra e, às 18h, um roda de cura Xavante. A programação continua no dia 13/7, às 10h, com uma contação de histórias ministrada pelo escritor e pesquisador Yamalui Kuikuro, colaborador da mostra. Em seguida, às 15h, artistas e comunicadores participam de uma nova conversa com o público.
A exposição apresenta múltiplas narrativas e olhares em torno do território, tendo como destaque a produção audiovisual indígena contemporânea, que tem no Xingu um de seus principais polos. O conjunto inclui seis curtas-metragens, feitos especialmente para a exposição, de autoria de Divino Tserewahú, Kamatxi Ikpeng, Kamikia Kisêdjê, Kujãesage Kaiabi, Piratá Waurá e do Coletivo Kuikuro de Cinema. A mostra traz ainda um trabalho do artista Denilson Baniwa, também produzido para a mostra, e fotografias feitas pelos comunicadores indígenas da Rede Xingu+.
Também são exibidas imagens, reportagens e outros documentos produzidos no Xingu por não indígenas desde o final do século 19. Na mostra, essas imagens são confrontadas pela produção de artistas e comunicadores indígenas, num processo de diálogo, contraste e elaboração de novas perspectivas. Fruto de dois anos de pesquisa, a seleção apresenta cerca de 150 itens. Os materiais provêm do acervo de diferentes instituições, como os próprios IMS e Museu Nacional dos Povos Indígenas, além do Instituto Socioambiental (ISA), o Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia da PUC Goiás e a ONG Vídeo nas Aldeias, entre outras.
As imagens de acervo passaram por um processo de requalificação, conduzido em diálogo com pesquisadores e lideranças indígenas, para identificar pessoas, locais e situações. Segundo Takumã Kuikuro, do povo indígena Kuikuro do Território Indígena do Xingu, as narrativas em torno do território sofreram muitos apagamentos, sendo preciso reforçar o protagonismo das lideranças indígenas na luta pela demarcação do parque e na diplomacia com os brancos.
A exposição parte do objetivo de evidenciar esse ativismo, como aponta o cocurador: “Hoje nós somos protagonistas da nossa história. Antes não conhecíamos o audiovisual, agora conhecemos. Somos donos da nossa imagem e levamos as lutas dos povos do Xingu para museus, festivais, cinemas, redes sociais e exposições. Não existiu só um contato entre indígenas e não indígenas. O contato acontece o tempo todo, hoje e amanhã, e acontece também através do audiovisual. Queremos contar nossa história para que os não indígenas possam reconhecer e ensinar aos seus filhos o protagonismo dos povos indígenas do Xingu e de todo o Brasil.”
O cocurador Guilherme Freitas também destaca que, para evidenciar essas novas narrativas, é preciso reavaliar a forma como os acervos das instituições são catalogados e exibidos. “Parte da história do Xingu está registrada em fotografias sob a guarda do Instituto Moreira Salles. A exposição é o marco inicial de um processo de requalificação desse conjunto de imagens, com a colaboração de pesquisadores e lideranças indígenas, por meio da identificação de pessoas, locais e situações retratadas. Buscamos, assim, colocar o acervo a serviço da reflexão crítica sobre a representação dos povos originários na história do país e do desenvolvimento de novas formas de autorrepresentação indígena. Por tudo isso, para nós é uma grande alegria colaborar com o Museu Nacional dos Povos Indígenas e levar a exposição a essa nova unidade dedicada ao audiovisual indígena em Goiânia”, afirma.
Fernanda Kaingang, diretora do Museu, comenta ainda a importância de receber a exposição no CAud: “O audiovisual faz parte da trajetória do Museu Nacional dos Povos Indígenas desde sua criação, em 1953, e a inauguração do Centro de Audiovisual com a exposição Xingu: contatos simboliza o fortalecimento dessa atuação com protagonismo dos povos indígenas e a parceria do IMS".
Em destaque na exposição, estão os seis curtas-metragens produzidos por cineastas e comunicadores indígenas especialmente para a mostra. Com ênfase na linguagem documental, os filmes tratam de questões como a preservação das culturas, o desmatamento e a luta por direitos. O cineasta Piratá Waurá, por exemplo, apresenta um curta sobre a gruta de Kamukuwaká, considerada sagrada por seu povo, que ficou de fora do território demarcado. Já em Comunicadores da floresta, Kamikia Kisêdjê reúne imagens aéreas que mostram desde as florestas e aldeias do Xingu até as queimadas, o desmatamento e as plantações de soja que avançam sobre o território indígena no local. A comunicadora Kujãesage Kaiabi registra a devolução ao seu povo de imagens antigas de uma liderança histórica e mostra o impacto dessas memórias no dia a dia da aldeia. A inserção do audiovisual nas comunidades indígenas, tanto como instrumento de preservação de saberes e tradições quanto como ferramenta de autorrepresentação, é um dos temas centrais dos filmes.
Em Kamatxi cineasta, Kamatxi Ikpeng mostra a importância das ferramentas audiovisuais para as lutas atuais dos Ikpeng. Em A câmera é a flecha, Takumã Kuikuro e o Coletivo Kuikuro de Cinema repassam duas décadas de atuação nas aldeias de todo o Xingu e em festivais ao redor do mundo. Em Somos cineastas, Divino Tserewahú reúne depoimentos sobre o papel do audiovisual na cultura Xavante. Um dos pioneiros do cinema indígena no Brasil, Divino participou da primeira oficina do Vídeo nas Aldeias no Xingu, em 1997. A mostra apresenta ainda dois itens de arquivo que ilustram os caminhos do audiovisual na história do Xingu: um curta-metragem produzido pelos alunos da primeira grande oficina do projeto Vídeo nas Aldeias, realizada em 1997 no Posto Diauarum, no Território Indígena do Xingu; e uma seleção do acervo pessoal de Pirakumã Yawalapiti, liderança histórica que tinha o hábito de filmar assembleias, rituais e festas desde os anos 1990.
Ao longo da exposição, o público encontra uma perspectiva histórica do território. São apresentadas desde as primeiras fotografias feitas na região, durante a expedição do etnólogo alemão Karl von den Steinen na década de 1880, passando pela documentação realizadas pelo Estado brasileiro na primeira metade do século 20, com a Comissão Rondon e o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), até chegar à cobertura da imprensa da Expedição Roncador-Xingu, sobretudo pela revista O Cruzeiro, com os fotógrafos Jean Manzon, José Medeiros e Henri Ballot – os arquivos de Medeiros e Ballot estão sob a guarda do IMS.
As imagens produzidas pelos não indígenas são intercaladas e interrogadas por filmes e fotografias de artistas indígenas. O artista Denilson Baniwa assina um trabalho criado a partir das reportagens da revista O Cruzeiro, questionando a representação das culturas indígenas na imprensa brasileira. Uma narrativa tradicional Kuikuro traz o ponto de vista dos xinguanos sobre a chegada dos não indígenas à região. São exibidas ainda fotos e documentos que registram a presença do cacique Raoni Metyktire e de outras lideranças xinguanas durante os debates da Constituinte, em 1987 e 1988.
Os materiais apresentados reforçam como o Xingu se tornou um marco e símbolo da resistência indígena, servindo como referencial para outras demarcações. Para evidenciar os protagonistas da história do território, em uma das seções da mostra, há uma série de retratos de lideranças que tiveram uma importante atuação na defesa do território, como Narru Kuikuro, Prepori Kaiabi e Aritana Yawalapiti. Junto às imagens dessas figuras históricas, serão exibidos retratos de articuladoras femininas atuais, como Mapulu Kamayurá, Watatakalu Yawalapiti e Sangain Kalapalo.
Outro destaque são os registros da vida dos povos do Xingu no passado e no presente. Há, por exemplo, imagens inéditas de dois fotógrafos consagrados que documentaram a região extensamente, Henri Ballot e Maureen Bisilliat, cujo arquivo também está sob a guarda do IMS. Também são exibidas fotografias feitas por Kamikia Kisêdjê e por comunicadores da Rede Xingu+, que mostram o cotidiano das aldeias e também a presença dos povos xinguanos em atos políticos e manifestações, como a edição de 2022 do Acampamento Terra Livre, em Brasília.
Em cartaz até 13 de outubro, a mostra tem entrada gratuita e contará com uma série de atividades paralelas, que serão divulgadas ao longo do período expositivo. Ao visitar a exposição, o público poderá conhecer mais sobre a história de lutas e resistências dos povos xinguanos.
Conselho consultivo
No processo de idealização da mostra, os curadores contaram com o apoio de um conselho consultivo externo, que contribuiu apresentando considerações, opiniões e críticas. Fizeram parte do grupo o indigenista André Villas Bôas, a linguista Bruna Franchetto, o antropólogo Carlos Fausto, a curadora Naine Terena, a liderança Tapi Yawalapiti, o cineasta Vincent Carelli, criador do Vídeo nas Aldeias, e Watatakalu Yawalapiti, uma das lideranças do movimento de mulheres do Xingu. O processo de identificação de imagens contou com a colaboração da Associação Terra Indígena do Xingu (ATIX), que representa os 16 povos que vivem no território, e de lideranças dos povos Xavante, Bakairi e Kayapó, também retratados na exposição.
Podcast
A pesquisa para a exposição começou durante a produção do podcast Xingu: terra marcada, que teve a participação dos curadores Guilherme Freitas e Takumã Kuikuro. Lançada em abril de 2021 pela Rádio Batuta, rádio de internet do IMS, a série narra a história da campanha pela demarcação do Parque Indígena do Xingu e seu significado para a luta pelos direitos indígenas até hoje. Em cinco episódios, o podcast traz entrevistas com pesquisadores e lideranças, mostrando a perspectiva dos povos xinguanos sobre a trajetória do parque e a situação atual dos indígenas. O programa está disponível, para acesso gratuito, no site da Batuta, no Spotify, na Apple Podcasts e em outras plataformas.