Notícias
Povos indígenas reivindicam que seus saberes e práticas tradicionais de manejos agroecológicos sejam reconhecidos
A Carta dos Povos Indígenas, lida dia 23 de novembro no encerramento do 12º Congresso Brasileiro de Agroecologia, destaca que os processos históricos de construção da agroecologia no Brasil “são baseados em saberes e práticas de manejo tradicionais dos povos originários”, mas que a presença desses povos nesses processos é incipiente.
O documento foi redigido pelo Grupo de Trabalho (GT) de Povos Indígenas da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), criado em 2022, durante a Plenária Nacional da ANA, realizada em Belo Horizonte (MG), com o objetivo de ampliar o diálogo com instituições e organizações do movimento agroecológico.
O GT de Povos Indígenas reuniu, no dia 22 de novembro, 48 povos na Plenária Indígena do 12° CBA. Na ocasião, eles reiteraram a importância da participação indígena nos espaços que envolvem a agenda agroecológica e conclamaram todas as instituições presentes no 12° CBA a se comprometerem com “as pautas fundamentais para o protagonismo, autonomia e soberania dos povos indígenas, e também com a continuidade da participação efetiva dos indígenas na construção dos espaços do movimento agroecológico”.
Apesar de possuírem uma diversidade de saberes e práticas de manejos agroecológicos, de dominarem técnicas agrícolas ecológicas sofisticadas, os povos indígenas ainda têm uma participação tímida no movimento agroecológico brasileiro.
No entanto, há um esforço para reverter esse quadro. Na Carta é pontuado que, na última década, esses povos têm estado mais presentes no campo do debate e da inserção política, buscando estratégias organizativas que contribuam para “a agricultura ancestral dos povos indígenas como ferramenta de enfrentamento ao genocídio indígena no Brasil. Esse projeto colonialista, que remonta do século dezesseis, continua a fazer investidas sistemáticas de extermínio a nós povos indígenas, evidenciadas pelos projetos de leis que tramitam nas três instâncias do Estado Brasileiro”.
No documento, os indígenas também chamam a atenção para a importância de a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) investir em projetos de promoção da agroecologia nos territórios indígenas.
No encerramento do evento, indígenas Pataxó cantaram e tocaram instrumentos levando muitos participantes a segui-los numa roda, reforçando a presença indígena e a força de seus saberes e tradições.
Sobre o 12º CBA
O Congresso contou com a participação de mais de 5 mil pessoas, entre povos indígenas e representantes de comunidades tradicionais, pesquisadores/as, educadores/as, gestores/as de políticas públicas, estudantes, agricultores e agricultoras, crianças, jovens e adultos vindos dos 27 estados da Federação e de 20 países da América Latina, da África e da Europa.
O CBA foi realizado no bairro da Lapa, área central do Rio de Janeiro, em diversos espaços, como a Fundição Progresso, onde foi realizada a abertura e o encerramento do evento; o Passeio Público que abrigou a Feira Nacional Saberes e Sabores da Agroecologia e Economia Solidária, além de barracões como o dos Povos Indígenas; a Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI-UERJ), que acolheu a Cozinha das Tradições e a Tenda da Saúde, Cuidado e Cura Mayô Pataxó; o cinema de Odeon, que exibiu o Festival de Arte e Cultura da Agroecologia, e também conferências, a exemplo da “Cultivar Direitos”, que contou com participação da deputada e representante da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), Célia Xakriabá; a Associação Cristã de Moços (ACM), onde aconteceram os Tapiris de Saberes - espaços de partilha dos trabalhos científicos, dos relatos técnicos e dos relatos populares em texto e em vídeo.
Os organizadores do Congresso destacaram que esta edição buscou “mostrar como a Agroecologia é uma forma de honrar as práticas dos que vieram antes para que elas nunca se percam, para que as gerações futuras saibam como chegamos até aqui, como povos de muitos territórios trabalharam e cuidaram uns dos outros com afeto para que nós pudéssemos pisar nesse chão hoje”.
Durante o encerramento do 12º CBA foi lida também a versão preliminar da Carta Política do Rio de Janeiro, documento de referência, construído coletivamente ao longo do congresso, que reforça os múltiplos significados da agroecologia, , destacando o papel de cultura e da comunicação.
“Compreendemos a cultura como o chão da Agroecologia e a comunicação, a maneira que nos relacionamos com o mundo. O avanço do debate agroecológico está relacionado ao reconhecimento da arte, da cultura popular e da comunicação como dimensões centrais para a vida das pessoas nos territórios. Para tal, será necessário inseri-las como eixo do III PLANAPO - Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica - e a cultura alimentar como ação estruturante na Política Nacional do Cultura Viva. É fundamental incidir nas políticas culturais, de comunicação e de ATER - Assistência Técnica e Extensão Rural - para fortalecer práticas agroecológicas, reafirmando a dimensão cultural como direito e identidade dos povos. O modo de vida das pessoas, sua identidade, sua forma de celebrar, sua espiritualidade, sua religiosidade, sua arte, sua cultura, formam e reproduzem territórios e são parte de sua cosmovisão. Por isso, acreditamos e reafirmamos que ‘Sem Arte, Cultura Popular e Comunicação Não Há Agroecologia’”.
O 12º CBA foi uma realização da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) em parceria com: Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), Porticus e Núcleo de Apoio a Projetos Educacionais e Culturais (Napec/Fiocruz). E contou com o apoio de muitas organizações nacionais e internacionais, públicas e da sociedade civil, entre elas a Funai e o Ministério dos Povos Indígenas (MPI).
Crédito: Fotos 1, 2, 3 e 4 são de Gutemberg Brito