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Nova coleção Baniwa do Museu do Índio é resultado do intercâmbio de técnicas tradicionais e materiais contemporâneos
O Museu do Índio recebeu uma nova coleção de cerâmicas produzida pela artesã Carol Baniwa, sob a supervisão da pesquisadora Francineia Baniwa. A produção envolveu o intercâmbio de técnicas e materiais, pois foram utilizados argila e pigmentos industrializados e as peças foram queimadas no forno do ateliê da ceramista Júlia Sá Earp, localizado no bairro do Horto, no Rio de Janeiro.
Esse compartilhamento aconteceu após um incidente ter quebrado toda uma coleção que a artesã Carol, tia de Francineia, trouxe de sua aldeia para vender no Rio de Janeiro. As peças foram colocadas pela ceramista numa mala e despachadas por uma companhia aérea. Como não estavam bem embaladas, chegaram ao destino em pedaços.
Desolada, Dona Carol conversou com a sobrinha e com a ceramista Júlia, que prontamente doou à artesã 10 quilos de argila industrializada e engobe, uma argila em estado líquido/pastoso a qual são acrescentados corantes. O engobe se assemelha ao Eewa, material utilizado pelos Baniwa para colorir os grafismos tradicionais feitos nas cerâmicas.
Com a matéria-prima doada, Dona Carol produziu em dois dias as 23 peças que compõem a coleção. Depois de modeladas, as peças foram levadas ao ateliê de Júlia Earp para serem queimadas. “A queima se deu em duas fases, a primeira a 900 graus, próxima à praticada pelos Baniwa, que vai até a mil graus. E uma segunda, depois das peças esmaltadas, a temperatura de 1.250 graus, o que confere maior resistência e durabilidade aos itens”, explicou Júlia.
Depois de finalizado o processo de queima, Júlia enviou os objetos para Dona Carol que gostou muito do resultado. “Foi um intercâmbio de técnicas e de modos de fazer cerâmica, que na verdade é o modo de fazer Baniwa, utilizando materiais e recursos contemporâneos”, pontuou Júlia.
Na avaliação de Francineia Baniwa, essa experiência “é o resultado do encontro de dois mundos, o território e o espaço que a gente define como uma casa do saber. Foi seguido todo o processo como fazemos no território. A diferença foi apenas o barro e os pigmentos, mas a técnica do fazer é da minha tia Carol. Os grafismos também são Baniwa. As peças são uma réplica do que foi perdido”, enfatizou.
Ela explicou que a coleção vai integrar o acervo Baniwa do Museu do Índio, que já conta com peças feitas por várias mulheres da comunidade e que foram queimadas no território. “Essas novas peças são um complemento desses saberes, dessas relações e significam o território reescrito através dos desenhos e do formato das peças. Futuramente, podemos pensar numa grande exposição”, destacou.
De acordo com o coordenador de Patrimônio Cultural do Museu do Índio, Bruno Aroni, a coleção é resultado da consultoria de Francineia Baniwa no âmbito de um projeto desenvolvido pelo Museu do Índio em cooperação com a Unesco*. “Essa coleção conta uma história bastante relevante tanto para nós quanto para os próprios Baniwa que participaram da pesquisa no acervo histórico do museu”, afirma.
“Hoje, temos no nosso acervo uma história da cerâmica Baniwa. São quatro momentos: um acervo histórico, coletado no passado, que é bem antigo; um segundo acervo resultado do resgate de práticas tradicionais, desenvolvido também no âmbito do Projeto da Unesco pelo pesquisador Thiago Oliveira, com participação de Francineia; um terceiro, quando Francineia se torna pesquisadora e consultora do Projeto Unesco e forma uma nova coleção; e agora com esse intercâmbio de técnicas e materiais. E esse acervo vem todo qualificado pela Francineia e pelo grupo de mulheres indígenas que produzem essas peças na aldeia”, explicou Bruno.
“As peças carregam o território (Baniwa) de rios, de terras, de animais, de aves. Esse projeto nos levou muito além do que a gente imaginava. Hoje, a gente consegue ler as peças sem precisar perguntar. Conseguimos dar todas as informações, traduzir, explicar na língua. Houve uma troca muito grande entre as profissionais e a juventude (do povo Baniwa)”, ressalta Francineia.
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* Projeto de Salvaguarda do Patrimônio Linguístico e Cultural de Povos Indígenas Transfronteiriços e de Recente Contato na Região Amazônica, resultado de uma parceria entre o Museu do Índio e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), rotineiramente chamado Projeto Unesco.