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Reabertura ao público
Museu do Índio irá reabrir com novo nome e receber de volta coleção emprestada à França há duas décadas
O Museu do Índio (MI), primeiro museu do mundo dedicado a combater o preconceito, na definição de seu principal idealizador principal, Darcy Ribeiro, completou 70 anos em 19 de abril de 2023. A data tem sido celebrada por meio de exposições virtuais na plataforma Google Arts & Culture, oficinas virtuais e outras atividades que têm sido desenvolvidas pelos servidores da casa. As comemorações devem se estender até abril de 2024.
Uma novidade que vem sendo aguardada é que, em breve, o Museu do Índio passará a se chamar Museu dos Povos Indígenas, alinhando-se à mudança de nome da Fundação Nacional do Índio para Fundação Nacional dos Povos Indígenas. O destaque das comemorações, no entanto, é o planejamento para a realização de uma exposição, esperada há quase duas décadas, com os 607 itens do acervo etnográfico que serão repatriados da França, onde estão emprestados desde 2004 ao Musée D'Histoire Naturelle, Industriel, Commércial et D'Ethnographie de Lille.
A maioria das peças são plumárias provenientes de povos indígenas do Centro-Oeste do Brasil. Segundo Bruno Aroni, Coordenador de Patrimônio Cultural do Museu do Índio, de acordo com o contrato, as peças deveriam ter sido devolvidas em 2009, o que não ocorreu. Desde então, a Funai, com a assistência do Itamaraty e do Ministério Público Federal, buscam recuperar a coleção. A ideia é que os itens fiquem em exposição tão logo cheguem ao Brasil, o que deve acontecer nos próximos meses. Tendo em vista que os espaços expositivos do Museu do Índio ainda permanecem em obras, a mostra deverá ser realizada em parceria com outra instituição cultural.
Reabertura
Em maio, o Corpo de Bombeiros aprovou as obras de segurança realizadas pelo museu, incluindo a substituição completa da rede elétrica e as obras de prevenção de incêndios, que estavam em andamento desde 2020. A partir dessa aprovação, o Museu do Índio tem estudado a viabilidade de uma possível abertura parcial a partir do segundo semestre de 2023, tendo feito tudo que é necessário para que isso ocorra, apesar do número reduzido de servidores. A reabertura será realizada gradualmente.
Dentre as intervenções ainda programadas, a restauração completa do casarão central, datado de 1880 e sede do museu desde 1978, é a última etapa prevista. O prédio é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e pelo Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH). O projeto de restauração, inicialmente orçado em 3,5 milhões de reais, inclui também as reservas técnicas que abrigam o acervo da instituição.
Juliano Almeida, chefe do Serviço de Gabinete do MI, destaca que as intervenções são minuciosas e demandam tempo devido à necessidade de preservar e resgatar as características originais do casarão. O entorno do conjunto arquitetônico também está passando por análise para garantir que não haja sobreposição à fachada protegida. Anteriormente, a recepção sofreu desmoronamentos e agora passará por uma renovação completa. Além disso, o novo prédio que será construído abrigará a loja do museu.
O servidor ressalta que esses trabalhos estão sendo realizados em meio a situações adversas, como a pandemia e a redução crescente de especialistas, como museólogos, arquivistas e bibliotecários, um problema que afeta toda a Funai, responsável pelo órgão. "O museu também não possui engenheiros em sua equipe, o que representa um desafio adicional para a gestão de obras complexas de segurança e infraestrutura. Além disso, enfrentamos alguns problemas com a empresa contratada para a obra de implantação do projeto anti-incêndio", acrescentou Almeida.
Ao final das intervenções, o museu espera não apenas restaurar o patrimônio tombado em suas condições originais para a sociedade, mas também oferecer um ambiente expositivo seguro, confortável e acessível aos diversos públicos que historicamente frequentam o órgão, concluiu o servidor.
X'maya Kaká, recepcionista do Museu do Índio e colaborador do órgão há 17 anos, expressa ansiedade em poder receber novamente o público, especialmente crianças, e transmitir informações sobre a cultura indígena. “Por mais que os trabalhos não tenham parado, o que queremos ver logo é o público de volta aqui; os alunos das escolas públicas lotando esses espaços. Eu sinto saudade de passar informações, de mostrar o que é ser índio ou indígena de verdade. Este é o meu trabalho”, destacou o indígena do povo Fulni-ô.
Requalificação do acervo
O MI, em parceria com a Funai, tem trabalhado na requalificação do acervo, que conta com mais de 20 mil objetos contemporâneos de 150 povos indígenas brasileiros. O processo envolve a participação ativa dos indígenas na atualização das informações sobre as peças, enriquecendo seu valor. Além disso, o acervo está sendo digitalizado e receberá um sistema de automação para melhor monitoramento.
De acordo com a diretora interina do MI, Elena Guimarães, a requalificação das peças indígenas não só difunde informações preciosas, mas leva o público a um novo olhar para os itens sob a perspectiva de quem os produziu. Antes, especialmente até 2008, quando foi criado o Projeto de Documentação Cultural gerenciado pelo museu em parceria com a Unesco, a maioria das peças era descrita por antropólogos brancos. “O Museu do Índio realiza oficinas de qualificação dos acervos com os povos indígenas. Nessas oficinas são os indígenas que qualificam os itens do acervo, apresentando os modos de fazer e os saberes associados aos objetos”, explicou Elena.
A pesquisadora e indígena Francy Baniwa, coordenadora do Subprojeto de Documentação da Cultura Baniwa, responsável por algumas das oficinas de requalificação e pela inserção das imagens na base de dados, dá exemplos de como a mudança ocorre na prática. “Estive na comunidade Baniwa, em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, e fizemos juntos uma qualificação e requalificação de acervo. Uma cesta de cerâmica, que antes vinha exatamente com essa descrição, agora ganha informações sobre o traçado usado, que, em alguns casos, descobríamos como era feito tecendo na hora, com a ajuda de um barbante. Além das técnicas empregadas, a matéria-prima e o grafismo podem ser associados a plantas e a animais, como a digital de uma tartaruguinha impressa em uma das peças”, explicou.
Francy acrescenta que esses itens saem de seus territórios, mas carregam suas histórias. A pesquisadora é também responsável pela coleção Cestaria e Cerâmicas Baniwa, que contém 85 peças e é o primeiro acervo autoetnográfico do Museu do Índio. Oriunda da qualificação que Francy fez na comunidade, a coleção foi traduzida para o português e línguas indígenas como a baniwa.
O museólogo Daniel Lira, Indigenista Especializado do museu, explica a importância da coleção, a primeira criada pelos próprios indígenas sem influência direta de não indígenas. “Ela traz uma técnica que é um processo químico que faz com que a cerâmica mude de cor ao passar pelo fogo, um saber, entre outros, que só a comunidade Baniwa tem. E nós temos muito orgulho dessa coleção”, afirmou.
O acervo será exposto pela primeira vez em setembro, no Itaú Cultural e no Instituto Tomie Ohtake, ambos em São Paulo. As peças farão parte de uma exposição sobre o projeto do Museu das Origens, que terá ainda itens de uma expedição realizada também na comunidade baniwa pelo antropólogo Eduardo Galvão, em 1954, ano seguinte à fundação do Museu do Índio.
“A diferença é que o Eduardo Galvão naquela época saiu do Rio de Janeiro em direção ao Amazonas em busca de peças que foram feitas pelos indígenas mas a partir de uma perspectiva dele, um antropólogo branco. Era o que ele achava bonito, interessante. Agora, apesar de a Francy ser uma pesquisadora, ela é da comunidade. São peças feitas por eles, sob o olhar deles, de como eles são”, completou Daniel.
Assessoria de Comunicação da Funai, com informações da jornalista Priscilla Litwak, do jornal O Globo, e do Museu do Índio.