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Oficina CCI
Centro Cultural Ikuiapá promove oficina com pesquisadores indígenas
O Centro Cultural Ikuiapá (CCI), unidade descentralizada do Museu do Índio com sede em Cuiabá, promoveu, de 26 a 28 de setembro, a oficina “O acervo etnográfico do Centro Cultural Ikuiapá sob olhares de pesquisadores indígenas”. Conduzido pela consultora Anna Maria Ribeiro da Costa, o evento reuniu pesquisadores indígenas das etnias Balatiponé (Umutina), Iny (Karajá), Boé (Bororo), Kalapalo, Kurâ-Bakairi e Guató numa série de atividade que visou incentivar uma reflexão sobre os itens produzidos por esses povos, o desenvolvimento de metodologias de documentação, e a qualificação técnica de objetos que estão no acervo do CCI, a partir da perspectiva cultural dos participantes.
A iniciativa faz parte do Plano de Ação sobre o Acervo Etnográfico do Centro Cultural Ikuiapá, que visa o desenvolvimento de uma série de iniciativas para o aprimoramento das condições de preservação e conservação dos acervos sob a guarda da unidade. A oficina contou com o suporte de dois servidores do Museu do Índio, Munique Cardoso Cavalcante e Rodrigo Piquet Saboia de Mello, e com a participação do professor Flavio Gatti, da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), que fez o registro imagético da oficina.
Anna Ribeiro explica que a forma de produção e de uso de objetos pelas comunidades indígenas reúne “saberes nas dimensões simbólicas, mitológicas, religiosas, estéticas, linguísticas, de modos de fazer”. Um acervo, afirma ela, “é constituído de pedaços de diálogos, sensações, memórias e representam não apenas o que os olhos podem ver, mas também aquilo que está vivo e pulsante na vida da aldeia”.
Durante o evento, foi promovida uma visita guiada ao acervo etnográfico do Centro, para que os participantes conhecessem os itens musealizados e as condições de acondicionamento e conservação. Nas discussões em grupo sobre os artefatos, os participantes foram solicitados a apresentar informações descritivas das cosmologias de seus povos e seus modos de pensar e classificar objetos e coleções etnográficas.
Visita aos acervos do CCI
Um dos pesquisadores indígenas, Idelfonso Boro Kuoda, da etnia Boe (Bororo), contou que seu nome foi inspirado em um objeto produzido pelo seu povo: um traje cerimonial, denominado "Boro", confeccionada com penas de japuira, arara azul, arara vermelha, gavião e papagaio.
Saia emplumada, do povo Boe, chamada Boro
Além do contato com artefatos do acervo, os participantes conheceram um pouco sobre a história do CCI, a formação de seu acervo e a forma como a unidade vem desenvolvendo o trabalho de documentação e classificação. Os participantes falaram sobre os trabalhos que vêm realizando nas aldeias e suas visões sobre pesquisa, educação e o papel dos museus.
Para subsidiar o trabalho que os pesquisadores já vêm realizando, Anna Ribeiro apresentou uma bibliografia básica sobre cultura material e imaterial, de autoria indígena, além de textos de Rodrigo Piquet. Os participantes também foram orientados na utilização das bases de dados do museu. Piquet falou sobre a base PHL, destinada à pesquisa de referências documentais dos acervos bibliográficos e arquivísticos do MI, enquanto Munique Cardoso Cavalcante apresentou a base Tainacan, que reúne o acervo etnográfico do Museu do Índio e do CCI, incluindo objetos oriundos das etnias dos pesquisadores. Eles aprenderam como utilizar a ferramenta e acessá-la remotamente, em suas aldeias.
Com base nas informações transmitidas, os pesquisadores realizaram a qualificação de alguns artefatos representativos de seus povos. Eles escolheram livremente os itens que iriam qualificar e foram orientados quanto à forma de descrição, usando como referência categorias do Dicionário de Berta Ribeiro, metodologia fundamental para o estabelecimento de diálogos entre coleções de diferentes etnias.
No contato com os artefatos foram identificados alguns itens que necessitavam de restauro, a exemplo de um dardo e de uma flecha rombuda da etnia Kalapalo, reparados pelo pesquisador Loike Kalapalo, da Terra Indígena Parque do Xingu, durante a oficina.
Restauro de flecha rombuda da etnia Kalapalo
Ao final das atividades, os participantes foram ao Museu Rondon de Etnologia e Arqueologia (Musear) da Universidade Federal do Mato Grosso, onde visitaram exposições e conversaram sobre futuras colaborações.
O acervo
O acervo do CCI, assim como o do Museu do Índio, é formado por um conjunto de artefatos distribuídos em diversas categorias, como cerâmica, trançados, cordões e tecidos, adornos plumários, instrumentos musicais e de sinalização, armas, utensílios e implementos de madeira e outros materiais; e objetos rituais, mágicos e lúdicos, conforme classificação proposta por Berta Ribeiro. Conta também com itens textuais e iconográficos.
Importante para divulgação do patrimônio cultural indígena, o acervo do CCI é composto por itens da extinta Coordenação Geral de Artesanato (CGART), que funcionava na sede da Funai em Brasília, da Loja Artíndia de Cuiabá, além de objetos do Museu do Índio e de doações de particulares.
Entre as coleções que abriga estão a do povo Amondawa, habitante da Terra Indígena Uru Eu Wau Wau, em Rondônia; da etnia Enawenê-Nawê, da Terra Indígena Salumã, em Mato Grosso, e peças do Oiapoque, utilizadas na exposição “A presença do invisível na vida cotidiana e ritual entre os povos indígenas do Oiapoque”, no Amapá.
Depois da atividade, um dos participantes, o pesquisador Isaac Amajunepá, do povo Balatiponé, doou ao CCI um arco e quatro flechas espeques com seu respectivo carcás trançado de taboca, enriquecendo o acervo da unidade que contava com apenas dois artefatos da etnia.
Doação de itens do povo Balatiponé ao CCI
Anna Ribeiro avalia que a oficina propiciou um aprofundamento da relação entre os pesquisadores e o objeto de pesquisa. “Em cada narrativa oral, o ato divino da criação individual e compartilhada trouxe à tona conhecimentos ancestrais dos pesquisadores indígenas presentes”, destacou.