Notícias
Arte e cultura Karajá - Confira a entrevista com a curadora Chang Whan
A cerâmica figurativa Karajá, chamada ritxoko na fala feminina, é um dos principais atrativos da exposição “O Povo Inỹ do Brasil Central: vida e cultura retratadas em cerâmica e filme”, inaugurada no dia 3 de junho, no Museu Te Manawa, na cidade de Palmerston North, na Nova Zelândia.
O evento é resultado de uma parceria do Museu do Índio e do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com as instituições neozelandesas Universidade Massey e Museu Te Manawa de Arte, Ciência e Patrimônio.
As ritxoko vêm despertando crescente admiração e interesse do público, especialmente depois de 2012, quando foram reconhecidas como patrimônio cultural do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Elas são retratos tridimensionais da cultura Karajá e fazem referência a momentos importantes da vida das mulheres, como o casamento e o parto, e também a eventos cerimoniais e rituais.
Em cartaz até setembro, a mostra tem curadoria de Chang Whan, consultora e gestora científica do projeto de documentação de línguas e culturas (ProDoclin) do Museu do Índio.
As cerca de 90 peças figurativas foram produzidas por ceramistas Inỹ - como se auto-designam os Karajá - da aldeia Hawalò , situada na Ilha do Bananal, TI Parque do Araguaia. Na exposição, as peças estão agrupadas em quatro conjuntos temáticos: cenas do cotidiano; histórias e personagens sobrenaturais; animais da Ilha do Bananal; e eventos rituais.
A exposição conta também com fotos da curadora Chang Whan e um filme produzido por ocasião de uma mostra sobre a cerâmica Karajá, realizada em 2011, no Museu do Índio, resultado do projeto “Salvaguarda do Patrimônio Linguístico e Cultural de Povos Indígenas Transfronteiriços e de Recente Contato na Região Amazônica”. Trata-se de um acordo de cooperação técnica internacional firmado entre o Museu do Índio, a Agência Brasileira de Cooperação, e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), que visa a documentação de línguas e culturas dos povos originários, e a formação de pesquisadores indígenas.
Nessa entrevista, a curadora Chang Whan conta mais detalhes sobre o evento, as peças selecionadas e seu significado para a cultura Karajá.
Como surgiu a proposta da exposição no Museu Te Manawa de Arte, Ciência e Patrimônio? Qual a participação do Museu do Índio?
Essa exposição é resultado de uma parceria do Museu do Índio e do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com a Universidade Massey e o Museu Te Manawa de Arte, Ciência e Patrimônio da Nova Zelândia.
O convite para a exposição surgiu após uma série de atividades que vêm sendo realizadas desde 2018, envolvendo visitas e intercâmbios de alunos e professores das universidades brasileira e neozelandesa, entre elas a vinda de duas professoraes Māori, povo nativo da Nova Zelândia, ao Brasil.
Durante essas interações, a comitiva Māori manifestou interesse em estabelecer uma parceira com o Museu do Índio, e foram desenvolvidas várias ações. Entre elas, uma visita que fizemos à Nova Zelândia para conhecermos de perto a metodologia dos Ninho de Língua Māori, considerada uma das iniciativas mais bem sucedidas no mundo na revitalização de línguas em perigo de extinção.
Os ninhos de língua promovem a interação regular e natural de crianças em fase de aquisição de linguagem com cuidadores e professores em ambientes de imersão na língua alvo. Tivemos a oportunidade de conhecer vários Ninhos de Língua, chamados de Kohanga Reo, grandes e pequenos, bem como museus de história natural e cultural, como o Te Papa em Wellington e o Te Manawa em Palmerston North.
Nessa ida à Nova Zelândia, eu havia levado um catálogo da exposição sobre cerâmica indígena Karajá, que realizamos no Museu do Índio em 2011, com apoio do Projeto Unesco. O diretor do Museu Te Manawa, na época, se interessou e começamos a desenvolver um projeto que contemplou a aquisição de uma coleção de cerâmica figurativa Karajá diretamente das ceramistas da aldeia de Hawalò, também conhecida como Santa Isabel do Morro, situada na Ilha do Bananal, Terra Indígena Parque do Araguaia, no estado de Tocantins. O intuito era de apoiar o trabalho das ceramistas e promover a arte indígena brasileira.
Como foi feita a seleção das peças?
O Museu Te Manawa me convidou para fazer a curadoria da exposição porque há mais de 20 anos desenvolvo um trabalho com os Karajá, trabalhando com temas como arte, cultura material e língua.
A cerâmica figurativa é um dos aspectos da cultura Karajá que tem despertado grande interesse de pesquisadores e do público em geral, tendo sido reconhecida como patrimônio cultural do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2012. Realizei uma viagem às aldeias Karajá na ilha do Bananal, onde selecionei e comprei uma coleção de cerca de 100 peças de tamanhos diversos, produzidas por diferentes ceramistas. De uma cidade próxima, São Félix do Araguaia, empacotei e despachei a coleção para Nova Zelândia. Porém, lamentavelmente, durante o transporte, algumas delas se quebraram, especialmente as maiores, que são mais frágeis.
Dentre as peças da coleção, algumas têm duplicatas, que serão disponibilizadas para venda. Os visitantes que se interessarem poderão reservá-las e adquiri-las ao final da mostra.
Quais os principais aspectos da vida e cultura Karajá são abordados na exposição?
A produção de cerâmica figurativa Karajá, chamada ritxoko na fala feminina Karajá, pode ser vista como retratos tridimensionais da cultura, das tradições, e dos momentos importantes da vida Karajá, como o casamento e o parto, e da fauna da Ilha do Bananal. Também fazem referência a eventos cerimoniais e rituais, como a festa da Casa Grande ( Hetohokỹ ), quando os meninos são iniciados na vida adulta dos Inỹ ; aos mitos e cenas de narrativas da tradição oral, a exemplo dos ijasò , os sobrenaturais que regularmente visitam as aldeias por vários meses, vindos da mata, do céu, e das águas dos rios e dos lagos.
Qual a importância das ritxoko para o conhecimento e valorização da cultura da etnia?
A cerâmica figurativa Karajá vem despertando crescente admiração e interesse do público, o que têm estimulado a produção com vistas à comercialização. Assim, além de ajudar a disseminar e valorizar a cultura Inỹ , as ritxoko representam significativa fonte de renda e prestígio para as ceramistas.
Quantas são e que tipo de peças (etnográficas e documentais) compõe a mostra?
A exposição conta com cerca de 90 peças de cerâmica figurativas, organizadas em quatro conjuntos temáticos: cenas do cotidiano; histórias e personagens sobrenaturais; eventos rituais; e fauna da Ilha do Bananal.
Para a exposição no Te Manawa, além das peças cerâmica, selecionei fotos e o vídeo “Ritxoko - Cerâmica Karajá (TO)”, produzidos por ocasião de uma exposição sobre a cerâmica indígena Karajá, realizada em 2011 no Museu do Índio com apoio do projeto “Salvaguarda do Patrimônio Linguístico e Cultural de Povos Indígenas Transfronteiriços e de Recente Contato na Região Amazônica”, uma parceria entre o Museu do Índio, a Agência Brasileira de Cooperação, e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
As fotos selecionadas foram ampliadas, painéis de textos foram produzidos em inglês e fizemos a legendagem do filme, que mostra cenas do cotidiano das aldeias e apresenta estágios do processo de produção das peças cerâmicas.
A vídeo pode ser assistidao em português no Canal do Museu do Índio no YouYube. Acesse aqu i.
Na sua avaliação, o que faz com que os Karajá consigam preservar suas heranças culturais e suas línguas, tendo em vista que mantêm contato com a sociedade nacional há mais de dois séculos?
Um dos principais fatores é, a meu ver, a manutenção das práticas cerimoniais e rituais cíclicas, que reiteram e reafirmam a cosmovisão e a espiritualidade Inỹ . O equilíbrio entre os três níveis do mundo Inỹ - o celestial, o terreno e o subaquático - é desse modo mantido e preservado, para o bem de todos os seres, Inỹ ou uma legião de espíritos que habitam esses níveis.
Há que se registrar também que todas as crianças Karajá da Terra Indígena (TI) Parque do Araguaia, situada na Ilha do Bananal, no Tocantins, aprendem a língua Karajá, o Inyrybè , como sua língua materna. São as mulheres as responsáveis pela sua transmissão e manutenção nas comunidades Karajá. O fato de a TI estar homologada desde 1998 também é um fator fundamental para o fortalecimento da etnia. Um território em conflito fragiliza os povos indígenas e coloca em risco sua língua e cultura.
Por que levar a cultura Karajá para a Nova Zelândia? Quais os atrativos da exposição para o povo neozelandês?
A Nova Zelândia é um país longe de tudo. Os Kiwi, como são chamados os neozelandeses, têm uma grande curiosidade e interesse em conhecer as culturas dos outros povos, e em tempos de globalização, em especial os “exóticos” povos originários da América do Sul. Essa exposição é mais uma forma de aproximação com Brasil. O interesse por nossa cultura já havia levado à criação do primeiro curso de português como segunda língua na Nova Zelândia, resultado do projeto de cooperação entre a UFRJ e a Universidade Massey.