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POLÍTICA DE CUIDADOS
Seminário debate políticas públicas voltadas à autonomia econômica das mulheres
Direitos, igualdade de gênero, carga horária laboral e mais ações voltadas para as mulheres foram assuntos que permearam a pauta de debates do Seminário Nacional “Política Nacional de Cuidados: caminhos para a garantia da autonomia econômica das mulheres”, realizado pelo Ministério das Mulheres (MMulheres), com apoio da Universidade de Brasília, entre os dias 6 e 7 de dezembro, em Brasília/DF. O encontro reuniu diversas autoridades no tema, entre integrantes do governo, da academia e dos movimentos sociais e de trabalhadoras, para refletir sobre o trabalho invisibilizado dos cuidados e dos afazeres domésticos que sobrecarregam em maior parte as mulheres no Brasil.
Durante a abertura do evento, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, destacou que ainda recai sobre as mulheres a grande miséria, principalmente sobre aquelas que são responsáveis pelas famílias, mães solo e negras. E destacou que, diante dessa situação, uma política de cuidados precisa ser pensada a partir de um olhar que contemple esses elementos, pois as mulheres, especialmente as mais vulneráveis, são sujeitas de direitos.
“Nós temos que avançar, no centro da política de cuidados, quanto à questão das mulheres. Precisamos ousar enquanto Ministério e sair do campo comum. Quero discutir a divisão sexual do trabalho, em como vamos mudar a cabeça dos homens para que ajudem na divisão do trabalho doméstico, por exemplo, ainda mais no contexto em que as mulheres acumulam, na maioria das vezes, uma dupla jornada profissional”, defendeu a ministra das Mulheres.
>> Assista ao primeiro dia do seminário nacional.
Para a ministra Cida Gonçalves, não é sobre quanto custa para implantar uma política, e sim sobre a prioridade, sobre o que se quer entregar para as mulheres brasileiras a curto e longo prazos. “Precisamos tirar milhões de mulheres da miserabilidade e incluir todas na economia, seja como empreendedoras ou como profissionais; que tenham igualdade no mercado de trabalho”, argumentou.
A secretária nacional de Cuidados e Família do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), Laís Abramo, defendeu que, para além de um direito e uma necessidade de todas as pessoas, o cuidado é um trabalho que consome muitas horas diárias de milhões de mulheres no Brasil e no mundo inteiro, especialmente das mulheres mais pobres, das mulheres negras e das que vivem na zona rural ou nas periferias urbanas.
“As políticas integrais de cuidado são essenciais para garantir o direito a ser cuidado, a cuidar e ao autocuidado, assim como são fundamentais para a autonomia econômica das mulheres, que é o tema deste seminário”, ressaltou Abramo durante a abertura do encontro, que também contou com a presença da ministra Kátia Magalhães Arruda, do Tribunal Superior do Trabalho.
Abramo destacou que o Brasil está passando por um momento de mudança e reconstrução, e que o governo tem priorizado ações voltadas às garantias dos direitos do conjunto da população brasileira e a retomada de um processo de desenvolvimento sustentável com inclusão e justiça social, erradicação da fome e da pobreza, além da redução substantiva das profundas desigualdades estruturais na sociedade brasileira.
Divisão sexual do trabalho
A filósofa e escritora Helena Hirata afirmou que o trabalho doméstico e de cuidados sempre foi considerado, no Brasil e no mundo, responsabilidade das mulheres na composição da família e que foram os movimentos feministas os primeiros a denunciar a injustiça social acarretada por essa assimetria. Hirata repudia essa desigualdade, pois acredita que ela não permite à mulher trabalhar fora de casa e ter uma profissão pela sobrecarga nos afazeres domésticos e de cuidados, nem ter tempo de lazer e de “respiro”, como têm os homens quando terminam de realizar seu trabalho profissional.
De acordo com Helena Hirata, para que haja uma mudança de paradigma e avanços no campo dessas desigualdades, principalmente na divisão sexual do trabalho, é preciso modificar as relações interindividuais entre casais e famílias, além de promover políticas públicas que alcancem esses cenários para melhoria do emprego, salário e condições profissionais das cuidadoras remuneradas.
Política Nacional de Cuidados será entregue em maio
No segundo dia do seminário Política Nacional de Cuidados (7/12), a Secretária Nacional de Autonomia Econômica e Política de Cuidados do Ministério das Mulheres, Rosane Silva, anunciou a entrega do desenho final da política pública de cuidados pelo governo em maio de 2024. Ao todo, o Grupo de Trabalho Interministerial responsável pela elaboração da Política e do Plano de Cuidados envolve 20 ministérios, entre outros órgãos como Ipea, IBGE e Fiocruz.
“Estamos em um processo de reconstrução de todas as políticas públicas do nosso país. O desmonte na área das mulheres ocorreu pela ausência total do estado no passado. Ao mesmo tempo em que estamos reconstruindo, estamos nos propondo a novos desafios. O debate do cuidado não é novo, mas agora está institucionalizado e há uma resposta do governo do presidente Lula dada à sociedade. O tema é central para a gestão”, declarou Rosane Silva.
>> Assista ao segundo dia do seminário nacional.
A resposta, ressaltada pela secretária nacional, foi a criação da Secretaria Nacional de Autonomia Econômica e Políticas de Cuidados, no MMulheres, e a Secretaria de Cuidados e Família, no MDS. Como exemplos de avanços transversais dos ministérios, Rosane Silva elencou a reestruturação no Ministério da Educação (MEC), a ampliação de escolas de tempo integral, a experiência piloto do edital inédito de lavanderias coletivas, e a retomada do debate de cozinhas e restaurantes comunitários/solidários.
Trabalho reprodutivo
O enfoque das palestrantes no segundo dia foi centrado no trabalho reprodutivo, os impactos e os significados que possuem na vida das mulheres, assim como as demandas e os desafios para a elaboração de uma Política Nacional de Cuidados.
Feito a partir dos dados da PNAD Contínua Trimestral de 2023, o boletim do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da UNICAMP aponta que o total de pessoas fora da força de trabalho no Brasil é de 66,8 milhões, sendo 42,5 milhões compostos por mulheres (63,7%). Do total de mulheres fora da força de trabalho, 13,6 milhões (mais de 32%) declaram que não procuraram emprego por terem que cuidar de afazeres domésticos, dos filhos e de parentes ou por não haver serviço no local em que habitam. Mulheres negras são 36,5% das pessoas fora da força de trabalho, enquanto as mulheres brancas são 27,2%. Já homens brancos são 15%.
“Para pensar nosso plano e política [de cuidado] precisamos olhar como essas relações existem no dia a dia do cotidiano e como elas se atravessam. Há a necessidade de redistribuir a maneira como o trabalho de cuidados é realizado hoje na nossa sociedade e sobre quais ombros pesa”, avaliou Letícia Péret, servidora pública e pesquisadora mestra em Sociologia. Ela ainda apresentou dados do MDS que mostram que, em 2022, o trabalho doméstico era a ocupação de 5,8 milhões de pessoas, sendo que 92% eram mulheres e 61,5%, mulheres negras.
De acordo com Maria Betânia Ávila, doutora em sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), as mulheres sempre estiveram no mercado de trabalho, porém em situação de desigualdade ou de desvantagem como classe trabalhadora e de modo invisibilizado. Ainda assim, seguem majoritariamente responsáveis pelo trabalho reprodutivo e dos cuidados, que as sujeitam a jornadas intensas, extensas, intermitentes e simultâneas para a grande maioria.
Desafios
A assessora da Secretaria de Mulheres da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), Vilênia Aguiar, associou a Política Nacional de Cuidado a uma reivindicação da Marcha das Margaridas, que demandou proposições de autonomia econômica, renda e inclusão produtiva, uma vez que a exigência pela política em si é antiga. Vilênia classificou a criação do Grupo de Trabalho responsável pela elaboração da política, em março, como um avanço, assim como a versão do Marco Conceitual e o Plano Nacional para a formulação e consolidação da política.
A coordenadora nacional da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Luiza Batista, relatou que ao longo de 40 anos de carteira assinada como empregada doméstica precisou do apoio da mãe para cuidar dos próprios filhos enquanto ela cuidava da casa dos outros. Ela citou o trabalho de Dona Laudelina de Campos Melo, fundadora da primeira associação de domésticas, criada em 1936, antes do estabelecimento da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) no país, em 1943.
Diálogo com reais necessidades
Como orientação para a construção da política pública de cuidado, a doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento Karla Hora indicou a utilização de equipamentos sociais feitos em conjunto e consulta com mulheres em seus territórios para contribuir com o esforço.
“Vai além de conceder espaço para que as mulheres sejam liberadas para trabalhar confortavelmente para o empregador. Trata-se de desenvolver aspectos multidimensionais que incluam creches, quintais produtivos, cozinhas comunitárias e direito ao ócio criativo para fora da realidade de um condomínio fechado. Tudo isso perto de casa”, defendeu Karla Hora.