Discurso da ministra Cida Gonçalves na Reunião Ministerial do GT de Empoderamento de Mulheres do G20
É uma grande honra presidir, em nome do Brasil e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, esta reunião ministerial. Esse encontro marca um ano intenso de construções, diálogos e negociações sobre a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres com as maiores e mais importantes economias do mundo.
Ao longo de 2024, nossas equipes técnicas se reuniram diversas vezes para discutir a igualdade, o desenvolvimento econômico e as nossas vidas, as vidas das mulheres. E, hoje, reunimos pela primeira vez as Ministras das Mulheres de cada membro ou convidado do Grupo de Trabalho para o Empoderamento das Mulheres do G20.
Eu, minha amiga Janja Lula da Silva, minhas colegas Ministras de Estado do Brasil e - eu sei que - muitas Ministras aqui presentes compartilhamos o desejo de ver as mulheres no centro do desenvolvimento econômico, da inovação tecnológica, das decisões políticas.
Nós buscamos nesse espaço do G20 compromissos concretos. Compromissos que coloquem as mulheres no coração das estratégias de crescimento econômico e de desenvolvimento de nossos países. Que abram as portas da ciência e da tecnologia para nossas meninas e jovens. Que garantam a presença feminina nos mais altos escalões do poder.
Mas não basta falar de oportunidades se não enfrentarmos as barreiras que impedem as mulheres de alcançá-las. A violência de gênero, a misoginia, a discriminação no mercado de trabalho, a divisão profundamente desigual dos trabalhos domésticos e de cuidados são obstáculos reais que precisamos derrubar. Nossas discussões devem resultar em ações efetivas para combater esses males que afligem mulheres em todos os nossos países.
Quando falamos de empoderamento das mulheres, não estamos falando apenas das mulheres que já ocupam posições de destaque. Falamos das mulheres invisibilizadas, das mulheres pobres, das mulheres com deficiência, das mães solo, das mulheres que sofrem discriminações raciais e religiosas. Nosso compromisso deve ser com todas as mulheres, em toda sua diversidade.
A ação climática também precisa ter um olhar de gênero. Não basta reconhecer que as mulheres são as mais afetadas pelas mudanças climáticas. Precisamos quantificar esse impacto, entender como ele altera a vida das mulheres e, mais importante, colocá-las no centro das soluções para a crise climática.
Temos a expectativa de que nossas discussões resultem em uma visão de futuro em que as mulheres sejam vistas como protagonistas do desenvolvimento sustentável, da inovação, da paz e da prosperidade global.
O G20 tem a oportunidade de liderar pelo exemplo. De mostrar ao mundo que é possível construir economias fortes e sociedades justas colocando a igualdade de gênero no centro de todas as políticas. É isso que esperamos alcançar com nossos debates e decisões.
Obtivemos resultados históricos quando olhamos para o trabalho de transversalidade realizado com outros Grupos de Trabalho ao longo do ano. Para citar algumas dessas conquistas:
- a Iniciativa de Bioeconomia está trabalhando com um princípio de igualdade entre mulheres e homens;
- o GT de Emprego teve uma declaração ministerial na qual se reconhece a economia do cuidado como tópico importante para a promoção da autonomia econômica de mulheres;
- junto ao GT de Transição Energética, foi possível pautar que a pobreza energética afeta, principalmente, as mulheres, tanto em declaração ministerial quanto em evento paralelo;
- de forma inédita, a Trilha de Finanças realizou pela primeira vez, em setembro, um evento paralelo com o intuito único de discutir o empoderamento das mulheres e como os grupos que a integram podem colaborar com as mudanças necessárias em busca da igualdade entre mulheres e homens;
- não posso deixar de citar a atuação do Grupo de Comércio e Investimentos, de Redução de Riscos e Desastres e ainda, junto à Trilha Social, os Grupos W20 (Mulheres); Y20 (Juventude); B20 (Empresas); C20 (Sociedade Civil); e outros.
O documento que temos diante de nós representa um avanço significativo. Ele reflete o compromisso de grandes - das maiores - economias mundiais com a causa da igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres.
É fruto de um processo de negociação árduo e complexo. Um processo que exigiu de todos nós flexibilidade, compreensão mútua e, acima de tudo, um compromisso inabalável com o progresso dos direitos das mulheres.
Vimos países com visões divergentes sobre temas sensíveis sentarem-se à mesa de negociações com espírito construtivo. Vimos delegações dispostas a ceder em alguns pontos para avançar em outros. Vimos, em suma, o melhor da diplomacia e da cooperação internacional em ação em prol dos direitos das mulheres, de todas as mulheres.
O resultado do nosso trabalho demonstra que é possível chegar a entendimentos comuns em torno da importância da igualdade de gênero para o desenvolvimento sustentável e inclusivo.
Não podemos ignorar, no entanto, que ainda existem vozes dissonantes. Vozes que resistem a reconhecer plenamente a importância da igualdade de gênero. Isso nos lembra que nossa luta está longe de terminar. Que não podemos baixar a guarda. Que cada avanço precisa ser defendido e ampliado.
O que construímos ao longo de 2024 ratifica o compromisso da maioria esmagadora dos membros do G20 com a igualdade de gênero. Ele estabelece uma base e afirma a continuidade do nosso trabalho que tem um marco com a presidência da Índia, na institucionalização do nosso GT.
Demos um passo seguinte com a realização de nossa primeira reunião no Brasil e a partir de agora contamos com a fraterna liderança da África do Sul, na próxima presidência desse Grupo de Trabalho para o Empoderamento das Mulheres.
Nossa tarefa agora é transformar as palavras em ações concretas. É levar o espírito de cooperação e compromisso que vimos nestas negociações para nossas políticas nacionais e para outros fóruns internacionais.
Temos que continuar dialogando, buscando pontes, construindo entendimentos. Mas também temos que ser firmes em nossos princípios. A igualdade de gênero não é negociável para essa presidência. Estamos no século XXI, a igualdade de gênero é uma condição para o desenvolvimento sustentável.
Portanto, temos motivos para estar esperançosas. O caminho à frente é desafiador, mas o compromisso demonstrado pela maioria dos membros do G20 é uma grande força para continuar.
Caras e caros colegas,
Feitas essas considerações iniciais, gostaria de também falar sobre aqueles temas sobre os quais buscamos construir entendimentos durante este último ano.
Ao assumir a presidência do G20, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva propôs um lema e três grandes prioridades para os trabalhos de todo o grupamento.
O lema foi: “Construindo um mundo justo e sustentável”, que traz o compromisso e o desejo do Brasil em promover acordos justos e que promovam desenvolvimento econômico e social global. Traz, também, de forma marcante, a marca que o Brasil quis imprimir para o seu mandato à frente do G20: a redução da fome, da pobreza e da desigualdade no mundo, bem como o desenvolvimento sustentável e uma transição ecológica justa e inclusiva.
Como assuntos prioritários, o governo brasileiro definiu:
a) o combate à fome, à pobreza e à desigualdade;
b) as três dimensões do desenvolvimento sustentável (econômica, social e ambiental) e
c) a reforma da governança global.
Nós, do Ministério das Mulheres, quando fomos chamadas para traduzir o lema e as prioridades brasileiras do G20 em temas que resultassem no empoderamento das mulheres, propusemos dar ênfase à igualdade e à autonomia econômica das mulheres; ao enfrentamento à violência e à misoginia; e a ação climática.
Gostaria de, muito brevemente, comentar sobre cada um desses temas.
Sobre a igualdade e autonomia econômica das mulheres, é fundamental reconhecermos que este é um pilar para o empoderamento feminino e para o desenvolvimento sustentável de nossas sociedades.
No Brasil, demos um passo histórico com a Lei da Igualdade Salarial, mas sabemos que ainda há muito a ser feito.
A desigualdade salarial entre homens e mulheres persiste em todo o mundo, com as mulheres ganhando, em média, 20% menos que os homens pelo mesmo trabalho. Essa disparidade se agrava quando consideramos raça, etnia e classe social.
É imperativo que trabalhemos juntos para eliminar essas disparidades, garantindo não apenas salários iguais, mas também oportunidades equitativas de acesso, permanência e ascensão no mercado de trabalho.
Além disso, não podemos ignorar o peso desproporcional do trabalho de cuidado não remunerado que recai sobre as mulheres.
Este trabalho invisível subsidia nossas economias em trilhões de dólares anualmente, mas à custa do tempo, da saúde e das oportunidades das mulheres.
É por isso que o Brasil está empenhado em desenvolver uma Política Nacional de Cuidados, e encorajamos todos os países do G20 a considerarem políticas semelhantes.
Quanto ao enfrentamento à violência e à misoginia, este é um desafio global que exige uma resposta coordenada e contundente. A violência contra as mulheres não conhece fronteiras e se manifesta de formas cada vez mais complexas, especialmente no ambiente digital.
No Brasil, temos a Lei Maria da Penha, reconhecida internacionalmente como uma das legislações mais avançadas no combate à violência doméstica e familiar contra mulheres. A nossa lei Lei reconhece a necessidade de um esforço contínuo de educação, prevenção e mudança cultural para erradicar a misoginia que está na raiz de todas as formas de violência contra as mulheres.
A violência de gênero, em todas as suas formas - física, psicológica, moral, sexual, econômica - é um obstáculo direto à autonomia econômica das mulheres. Uma mulher que vive sob a ameaça constante de violência não pode se dedicar plenamente ao seu trabalho, não pode buscar oportunidades de crescimento profissional, não pode empreender ou inovar. A violência rouba das mulheres não apenas sua segurança, mas também seu potencial econômico.
Da mesma forma, quando falamos de ação climática, não podemos ignorar que a violência contra as mulheres muitas vezes se intensifica em situações de crise ambiental. Em cenários de desastres naturais ou conflitos por recursos, as mulheres frequentemente se tornam ainda mais vulneráveis à violência. Ao mesmo tempo, são elas que, muitas vezes, lideram os esforços de adaptação e resiliência em suas comunidades. Mas como podem as mulheres ser agentes efetivas de mudança se suas próprias vidas estão em risco?
É crucial reconhecermos que a mudança do clima afeta desproporcionalmente as mulheres, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade. Ao mesmo tempo, as mulheres são agentes fundamentais na preservação do meio ambiente e na promoção de práticas sustentáveis.
No entanto, as mulheres continuam sub-representadas nos espaços de tomada de decisão sobre políticas climáticas. Isso precisa mudar. Defendemos uma maior participação e liderança das mulheres em todos os níveis de governança ambiental, desde as comunidades locais até as negociações internacionais sobre o clima.
Além disso, as estratégias de mitigação e adaptação às mudanças climáticas devem incorporar uma perspectiva de gênero, reconhecendo as necessidades específicas das mulheres e aproveitando seus conhecimentos e experiências.
Estes três temas - autonomia econômica, combate à violência e ação climática - estão intrinsecamente ligados. Não podemos alcançar a verdadeira igualdade de gênero sem abordar todos eles de forma integrada e holística.
Com esses temas e com a certeza de que essa reunião, por si só, representa um grande passo na luta das mulheres de todo o mundo por igualdade de direitos, de oportunidades e de poder, abro nosso debate dessa manhã.
Muito obrigada pela atenção.