História
Breve história do Instituto Rio Branco
O Instituto Rio Branco foi criado em 1945, na esteira das comemorações do centenário de nascimento do Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira. Inicialmente instituído com a dupla finalidade de tratar da formação e aperfeiçoamento dos funcionários do Ministério das Relações Exteriores e de constituir um núcleo de estudos sobre diplomacia e relações internacionais, o Instituto tornou-se, ao longo de seus quase 80 anos de existência, referência internacional como academia diplomática.
A seleção para a carreira diplomática, a cargo exclusivamente do Instituto, é uma das mais tradicionais do País, tendo-se realizado anualmente – em alguns casos até duas vezes por ano – desde 1946. Da primeira turma a ingressar no Instituto, naquele ano, até hoje, formaram-se mais de dois mil diplomatas, os quais ingressaram invariavelmente por meio de processo seletivo, seja na forma de concurso direto ou de exames para o Curso de Preparação à Carreira de Diplomata, sucedido pelo PROFA-I, depois denominado Curso de Formação do Instituto Rio Branco.
O Instituto Rio Branco é responsável, ainda, pela realização do Curso de Aperfeiçoamento de Diplomatas e do Curso de Altos Estudos, obrigatórios para os diplomatas que almejam a ascensão na carreira.
Desde a classe inicial de terceiro secretário até o topo da carreira diplomática, o Instituto Rio Branco responsabiliza-se por selecionar, formar e aperfeiçoar um corpo de servidores coeso, coerente com a tradição da política externa brasileira.
O Instituto promove, ademais, seleção anual de bolsistas para o Programa de Ação Afirmativa, com a finalidade de proporcionar maior igualdade de oportunidades de acesso à carreira de diplomata e de acentuar a diversidade nos quadros do Itamaraty, por meio da concessão de bolsas-prêmio para custeio dos estudos de candidatos negros ao Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata.
Recrutamento e treinamento antes da criação do Instituto
O Estado brasileiro sempre teve presente que se fazia necessário dispor de um corpo de funcionários selecionado e treinado para a realização da política externa brasileira. O recrutamento de pessoal para o serviço público ganhará contornos de política de estado a partir da criação do DASP, em 1938. No caso específico da carreira diplomática, a sistematização de seu recrutamento e treinamento dar-se-ia somente com a criação do Instituto Rio Branco, em 1945. Realizaram-se diversos esforços para conformar um padrão no recrutamento. No Império, por exemplo, ainda no Primeiro Reinado, o Marquês de Aracati, um dos primeiros titulares da pasta dos Negócios Estrangeiros, apontava a necessidade de prover o serviço diplomático do Brasil com pessoal idôneo e capaz.
Em 1834, ao tempo do primeiro mandato do Visconde de Sepetiba à frente da pasta, o regimento consular dispunha que o cônsul tivesse de se fazer “acreditar por uma conduta regular, perícia nas línguas francesa e inglesa, conhecimento do direito mercantil e marítimo, e dos usos e estilo do comércio”.
Entre as primeiras tentativas de recrutamento de diplomatas e cônsules mediante concurso público, está a do próprio Visconde de Sepetiba, em sua segunda gestão nos Negócios Estrangeiros. O regulamento de 1842 introduzia o concurso de habilitação, exigindo-se que os candidatos demonstrassem conhecimento de gramática, ortografia, aritmética, direito internacional, geografia, latim, francês e inglês, para além de uma boa caligrafia.
Na gestão do Visconde do Uruguai à frente dos Negócios Estrangeiros, a qual marca um período de importantes conquistas no campo da diplomacia, nas questões do Prata e na extinção do tráfico de escravos, seria lançado um dos pilares do conceito de carreira. A Lei nº 614, de 22 de agosto de 1851, conhecida como "Regulamento Paulino de Sousa", determinava que o preenchimento dos cargos do serviço diplomático só poderia ocorrer na classe de secretários e adidos de legação. Ao tratar dos critérios de qualificação dos adidos de legação, então funcionários de nível inicial da carreira diplomática, a Lei nº 614/1851 dava preferência aos “bacharéis formados nos cursos jurídicos do Império, e aos graduados em academias ou universidades estrangeiras que mais versados se mostrarem em línguas”. Mencionava, ainda, que, para os que não possuíssem aquelas qualificações, dever-se-ia proceder à habilitação por intermédio de exames.
Em decorrência da edição da Lei nº 614/1851, foi promulgado, em 20 de março de 1852, o Decreto nº 940, que criou o concurso público para adidos de legação. A estrutura do concurso não difere radicalmente daquela dos concursos atuais. De fato, o artigo 2º das “Instruções para o Exame dos Candidatos ao Lugar de Adido de Legação” daquele decreto estipulava que o exame deveria versar sobre as seguintes matérias:
1. Conhecimento das línguas modernas, especialmente da inglesa e francesa, devendo o candidato traduzir, escrever e falar esta última;
2. História geral e geografia política, história nacional e notícia dos tratados feitos entre o Brasil e as potências estrangeiras;
3. Princípios gerais do direito das gentes e do direito público nacional e das principais nações estrangeiras;
4. Princípios gerais de economia política, e do sistema comercial dos principais Estados e da produção, indústria, importações e exportações do Brasil;
5. A parte do direito civil relativa às pessoas e princípios fundamentais em matérias de sucessão;
6. Estilo diplomático, redação de despachos, notas, relatórios etc.
Embora esse procedimento de seleção não se tenha mantido com a regularidade esperada por seu criador, nota-se a preocupação em aparelhar o Ministério dos Negócios Estrangeiros com um corpo de funcionários estável e bem preparado.
Já no século XX, o Decreto nº 19.592, de 15 de janeiro de 1931, dispunha que “os cônsules de terceira classe serão nomeados mediante concurso, nas condições atualmente estabelecidas a terceiros oficiais, e farão um estágio preparatório de habilitação de dois anos na Secretaria de Estado”.
Em 1934, o Decreto nº 24.486, ao instituir, na Secretaria de Estado das Relações Exteriores, um “Curso de Aperfeiçoamento nos Serviços Diplomático e Consular”, acabaria por ensejar a criação, em 1945, do Instituto Rio Branco, o qual assumiria definitivamente, ainda em princípios do ano seguinte, a tarefa de selecionar anualmente quadros para a carreira de diplomata, criada pelo Decreto-Lei nº 791, de 14 de outubro de 1938, norma que serviu de suporte à chamada Reforma Osvaldo Aranha.
Origens e evolução do Instituto
Pode-se apontar o Decreto nº 24.486, de 28 de junho de 1934, como pedra fundamental do trinômio seleção-formação-aperfeiçoamento dos membros da carreira diplomática, tarefas as quais seriam, na década seguinte, conferidas exclusivamente ao Instituto por meio de seu ato de fundação. Ao sancionar aquele decreto, considerando não existir no Brasil um “instituto de especialização destinado a formar funcionários aptos para a direção dos serviços diplomático e consular”, Getúlio Vargas constituía, na Secretaria de Estado das Relações Exteriores, um curso de aperfeiçoamento para os funcionários do Itamaraty.
No contexto da inovação trazida pela dita norma, o então Secretário Jorge Latour sugeria, em memorando de 7 de dezembro de 1934, a criação de um órgão, no âmbito do Ministério das Relações Exteriores, com a finalidade de ministrar dois cursos, “um, de preparatórios, para a admissão de funcionários no Ministério e em repartições internacionais; outro, de aperfeiçoamento, para os funcionários do Ministério e para os investidos em comissões no exterior em cargos de responsabilidade”.
A proposta seria reformulada uma década mais tarde, em memorandos de 4 de maio e 4 de dezembro de 1944. À frente do Serviço de Documentação e chefe da comissão preparatória dos festejos do centenário do Barão, instituída no Ministério das Relações Exteriores em 23 de março de 1944, Latour sugeriu que se incluísse, entre os atos comemorativos, a assinatura e publicação de uma norma dando existência legal ao que se denominaria “Instituto Barão do Rio Branco”, “uma entidade mista, oficial e privada, criada com o fim de ensinar e exercitar matérias de interesse para a conservação e consolidação interna da nação e da nacionalidade brasileira e de sua expansão ou influência no exterior, mediante o aperfeiçoamento da sua política externa e das suas relações internacionais em diferentes aspectos”, e no qual “se organizassem cursos e se lecionassem matérias diretas ou indiretamente relacionadas com a política exterior, a vida internacional, a diplomacia, os assuntos consulares e outros de interesse real dentro da mesma esfera de cogitações”.
Aprovada, essa concepção levou à promulgação, em 18 de abril de 1945, do Decreto-Lei nº 7.473, sancionado pelo Presidente Getúlio Vargas e referendado pelo Embaixador José Roberto de Macedo Soares como Ministro das Relações Exteriores interino. Criava-se o Instituto Rio Branco.
O Decreto-Lei nº 7.473/1945 desenvolvia e mesmo conferia nova dimensão aos consideranda do Decreto nº 24.486/1934 ao consignar que o “centro de investigações e ensino” que estava sendo criado seria responsável pela “formação, o aperfeiçoamento e a especialização de funcionários do Ministério das Relações Exteriores” e pelo “preparo de candidatos ao concurso para a carreira de ‘Diplomata’”.
No entanto, não foi esse decreto-lei, nem o de número 8.461, de 26 de dezembro de 1945, que lhe alterava o texto, que atribuiu ao Instituto a responsabilidade de selecionar quadros para o Ministério das Relações Exteriores[1]. As primeiras atividades do Instituto tiveram a forma de cursos de extensão destinados ao aperfeiçoamento dos funcionários da carreira de diplomata e à difusão de conhecimentos relativos à geografia e à cartografia do Brasil.
A publicação do Decreto-Lei nº 9.032, em 6 de março de 1946, traria finalmente para a esfera do Instituto a realização de concurso de provas e a seleção entre candidatos aprovados nos exames finais do Curso de Preparação à Carreira de Diplomata (CPCD) para o ingresso na carreira diplomática. Ademais do CPCD, o decreto-lei instituía o Curso de Aperfeiçoamento de Diplomatas (CAD) e competia-o também ao Instituto, inicialmente obrigatório para o diplomata em primeira remoção para o exterior.
Sob a administração do primeiro diretor do Instituto Rio Branco, Embaixador Hildebrando Accioly, foram elaborados o Regimento (Decreto nº 20.279, de 26 de dezembro de 1945) e o Regulamento (Decreto nº 20.694, de 6 de março de 1946) e organizados os primeiros exames vestibulares do recém-criado CPCD. Ainda em 1946, foi admitida a primeira turma de 27 cônsules de terceira classe, como eram então chamados os terceiros secretários de hoje.
No início da década de 1960, sob inspiração do depois Embaixador Jaime Azevedo Rodrigues, importante inovação ocorreu em matéria de aperfeiçoamento de diplomatas: a Lei nº 3.917, de 14 de julho de 1961, criou o Curso de Altos Estudos (CAE), o qual se tornaria, após cinco anos de sua instalação, condição para promoção dos Ministros de Segunda Classe a Ministro de Primeira Classe e comissionamento na função de Embaixador. O CAE só viria a ser efetivamente implementado em 1977, quando, já então criada a classe de conselheiro, tornou-se condição para promoção a ministro de segunda classe.
A evolução do Instituto e o desenvolvimento de seus três cursos derivam do esforço empreendido na busca pela excelência na seleção, formação e aperfeiçoamento de diplomatas. É interessante notar como o aprimoramento dos cursos contribuiu para o fortalecimento institucional, e vice-versa. Em despacho de 5 de junho de 1975, o Ministro de Estado da Educação e Cultura homologou o Parecer nº 1.842/1975, do Conselho Federal de Educação, que reconhecia o CPCD como curso de nível superior e atribuía ao Instituto Rio Branco a designação de “estabelecimento de ensino superior”. Já o CAD e o CAE obtiveram, a partir do Decreto nº 79.556, de 20 de abril de 1977, o status de “sistema de treinamento e qualificação destinado a assegurar a permanente atualização e elevação do nível de eficiência do funcionalismo” de que trata o artigo 6º da Lei nº 5.645, de 10 de dezembro de 1970, condição essa já esboçada no artigo 16 do Decreto nº 71.323, de 7 de novembro de 1972, o qual estabelecia que a ascensão na carreira diplomática se daria mediante a conclusão de tais cursos. Na década de 1990, o empenho do Instituto em aprimorar a formação de diplomatas com a criação do PROFA-I[2] acarretaria o reconhecimento do curso inicial da carreira diplomática como mestrado profissionalizante, por meio de despacho do Ministro de Estado da Educação de 31 de dezembro de 2002.
A maior parte dos decretos e portarias que, desde a fundação do Instituto, aprovariam novas versões de seu Regulamento tinha por objetivo incorporar aprimoramentos ao CPCD e suas regras de admissão[3]. As sucessivas modificações no curso de 50 anos, no entanto, não alterariam a essência do Regulamento, e o CPCD funcionaria até o concurso de 1995, sendo sucedido no concurso de 1996 pelo PROFA-I, o qual, por sua vez, seria substituído pelo Curso de Formação do Instituto Rio Branco com a edição da Portaria nº 336, de 30 de maio de 2003. Essa portaria, ademais, franqueava aos alunos do Curso de Formação participar do Mestrado em Diplomacia, o qual propiciou a defesa de 190 dissertações entre 2003 e 2010, antes de ser descontinuado.
[1] O Decreto-Lei nº 8.461/1945 deu nova redação ao Decreto-Lei nº 7.473/1945. Embora aquele diploma legal não conferisse ao Instituto Rio Branco o recrutamento e a seleção de diplomatas, pode-se dizer que caminhava nesse sentido, ao substituir a finalidade de “preparo de candidatos ao concurso para a carreira de Diplomata” pela de “ensino das matérias exigidas para o ingresso na carreira de Diplomata”. A mudança é sensível, pois com ela o Instituto não se prestaria a preparar candidatos ao concurso, cuja realização estava então a cargo do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), mas, sim, se tornaria um centro de formação. O Decreto-Lei nº 9.032/1946 viria a concluir e complementar a mudança trazida pelo Decreto-Lei nº 8.461/1945 ao cometer ao Instituto a responsabilidade pelas duas possibilidades de ingresso que vigoraram até 1995: seleção entre formandos do Curso de Preparação à Carreira de Diplomata, cuja frequentação era adstrita aos aprovados em seu exame vestibular, ou concurso direto.
[2] O Programa de Formação e Aperfeiçoamento – Primeira Fase foi criado por Decreto de 14 de setembro de 1995, que alterava o Decreto nº 93.325, de 1º de outubro de 1986.
[3] Vale notar que somente com a edição do Decreto nº 75.350, de 4 de fevereiro de 1975, a competência pela aprovação do Regulamento seria delegada pelo Presidente da República ao Ministro de Estado das Relações Exteriores.