Desarmamento e não-proliferação
No âmbito da Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), os principais debates e negociações sobre desarmamento e não proliferação ocorrem no contexto da Primeira Comissão (1C), bem como da Comissão do Desarmamento (UNDC).
A Primeira Comissão é uma das seis comissões principais da Assembleia Geral. Reúne-se anualmente, durante cerca de um mês, sempre no início da sessão da AGNU. Durante esse período, os estados membros e observadores da ONU discutem os mais variados temas relativos ao desarmamento e à segurança internacional, além de negociarem e adotarem resoluções sobre assuntos centrais da agenda internacional de desarmamento. Os debates da 1C são divididos em sete eixos temáticos (clusters): i) Armas Nucleares; ii) Outras Armas de Destruição em Massa (inclusive químicas e biológicas); iii) Espaço Exterior (aspectos de desarmamento); iv) Armas Convencionais; v) Desarmamento e Segurança Regionais; vi Outras Medidas de Desarmamento e Segurança Internacional (inclusive segurança cibernética);e vii) Arcabouço do Desarmamento.
A título de curiosidade, vale a pena notar que primeira resolução da história da AGNU, Resolução 1 (I), intitulada “Establishment of a Commission to Deal with the Problems Raised by the Discovery of Atomic Energy”, foi adotada a partir de recomendação da 1C em 24 de janeiro de 1946, quando a Assembleia Geral ainda se reunia Londres. A primeira resolução a ser copatrocinada por todos os estados membros da ONU à época também foi fruto de negociações no âmbito da 1C – Resolução 1978 (XIV), de 20 de novembro de 959, intitulada “General and Complete Disarmament”.
A Comissão do Desarmamento, por sua vez, é um órgão subsidiário da AGNU, criado em 1978, na esteira da primeira sessão especial da Assembleia Geral dedicada exclusivamente a assuntos de desarmamento. A UNDC foi criada como instância deliberativa, com a função de fazer recomendações sobre assuntos variados no campo do desarmamento, reportando-se anualmente à Assembleia Geral. Com vistas a promover análises aprofundadas dos temas abordados, a agenda da UNDC engloba, via de regra, apenas dois itens, sendo um deles, necessariamente, relativo ao desarmamento nuclear. Em 2018, decidiu-se que o segundo item da agenda da Comissão, durante o ciclo 2018-2020, seria referente a aspectos de desarmamento do espaço exterior.
Desde 1998, o Brasil é parte do Tratado sobre a Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP). O TNP tem como objetivo promover o desarmamento nuclear geral e completo, impedir a proliferação das armas nucleares e fomentar a cooperação no uso pacífico da energia nuclear. Aberto para assinatura em 1968, o tratado entrou em vigor em 1970. Em 11 de maio de 1995, o TNP foi prorrogado por tempo indeterminado. O tratado conta com a adesão quase universal dos estados membros da ONU. Atualmente, apenas Índia, Israel, Paquistão e Sudão do Sul não são partes do TNP, além da Coreia do Norte, que denunciou o tratado em 2003 e cujo status divide analistas.
A cada cinco anos, os estados partes do TNP reúnem-se em Conferências de Exame (ConfEx), a fim de avaliar a implementação dos três pilares do Tratado (desarmamento, não proliferação e usos pacíficos da energia nuclear).
A fim monitorar a não proliferação de armas nucleares e de fortalecer a confiança entre os estados partes, o TNP estabelece um sistema de salvaguardas sob a responsabilidade da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). São funções da AIEA garantir a difusão dos benefícios dos usos pacíficos da energia atômica e, ao mesmo tempo, evitar o desvio de material físsil para uso em armas.
Além de ser parte do TNP, o Brasil foi o primeiro país a assinar o Tratado sobre a Proibição das Armas Nucleares (TPAN), em 2017. O TPAN está em vigor desde 2021.
Embora nenhum estado nuclearmente armado seja parte ou mesmo signatário do TPAN, não estando, portanto, submetido a seus dispositivos, o tratado representa entendimento crescente no seio da comunidade internacional, bem como da sociedade civil, sobre a ilegitimidade do uso e da posse de armas nucleares, devido, em grande medida, aos seus impactos humanitários indiscriminados e catastróficos. Tal entendimento tende a impor pressão política sobre os países nuclearmente armados, com vistas a impeli-los na direção do desarmamento.
Em seu contexto regional, o Brasil é parte, desde 1968, do Tratado para a Proscrição de Armas Nucleares na América Latina e no Caribe (Tratado de Tlatelolco), que estabeleceu a primeira Zona Livre de Armas Nucleares (ZLAN) em uma região permanentemente habitada. Atualmente, observa-se a existência de ZLANs também no Pacífico Sul (Tratado de Raratonga), no Sudeste Asiático (Tratado de Bangkok), na Ásia Central (Tratado da Ásia Central) e na África (Tratado de Pelindaba), bem como no território da Mongólia.
Além das armas nucleares, armas químicas e biológicas também são motivo de grande preocupação para a comunidade internacional. Atualmente, as armas biológicas encontram-se proscritas pela Convenção sobre a Proibição de Desenvolvimento, Produção e Estocagem de Armas Bacteriológicas (Biológicas) e à Base de Toxinas e sua Destruição (BWC).
As armas químicas, por sua vez, foram banidas pela Convenção sobre a Proibição de Desenvolvimento, Produção, Estocagem e Uso de Armas Químicas e sua Destruição (CWC). A implementação dos dispositivos do tratado é acompanhada pela Organização para a Proibição das Armas Químicas (OPAQ).
No mundo altamente digitalizado e conectado em que vivemos hoje, as discussões multilaterais sobre segurança internacional já não se limitam ao ambiente físico, passando a incorporar, também, o ciberespaço. Atualmente, temas relativos à segurança cibernética no contexto da segurança internacional figuram entre os principais assuntos debatidos nas discussões sobre desarmamento no âmbito das Nações Unidas.
Armas pequenas e armamentos leves, quando desviados de seus propósitos e utilizados para fins ilícitos, também representam grave ameaça à paz e à segurança internacionais. Nesse sentido, estados membros das Nações Unidas adotaram, em 2001, o Programa de Ação para Prevenir, Combater e Erradicar o Comércio Ilícito de Armas Pequenas e Armamentos Leves em Todos os seus Aspectos (UN-PoA). Por meio do PoA, os estados concordaram em melhorar seus regulamentos nacionais, a fim de fortalecer a gestão de estoques, com vistas a garantir a marcação adequada e confiável dos armamentos, facilitando, assim, seu rastreamento.
Em 2005, a AGNU estabeleceu, no âmbito do PoA, o Instrumento Internacional de Rastreamento (ITI), importante ferramenta de alcance global para a cooperação no rastreamento de armas. Juntos, PoA e ITI constituem arcabouço normativo sobre o tratamento de armas pequenas e armamento leve acordado por todos os estados membros da ONU.