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O Brasil e a Segurança Nuclear (Estadão - Opinião, 31/12/2012)
Publicado em
31/12/2012 18h40
Atualizado em
08/11/2022 12h32
Mais de cinquenta chefes de Estado e de Governo compareceram a Seul, na República da Coréia, para a segunda Cúpula sobre Segurança Nuclear no final do mês de março. Esses encontros surgiram há dois anos a partir de iniciativa do presidente dos Estados Unidos da América, Barack Obama.
Todas manifestações de plenário foram no mesmo sentido, seja do chinês Hu Jintao, do russo Dimitri Medvedev, do italiano Mario Monti, do chileno Sebastian Piñera e tantos outros. No fim do século passado, a fragmentação da antiga União Soviética deixou no ar o temor sobre o controle dos arsenais nucleares. Desde então, outros países adquiriram também essa tecnologia ou estão perto de a controlar. E, sob o impacto do ataque de 11 de setembro de 2001, o mundo passou a ver nova dimensão no terrorismo. O tema preocupa a todos pela capacidade de destruição das armas nucleares, principalmente diante da possibilidade destes arsenais ficarem ao alcance de núcleos terroristas.
A preocupação dos líderes globais é compreensível. O uso de armas nucleares em conflitos mundiais já deixou marcas profundas na Humanidade. Nas mãos de terroristas, o potencial de dano é inimaginável. Esta foi a preocupação central do encontro.
O Brasil, registrei durante minha fala, é signatário dos principais tratados de controle e não proliferação de armas nucleares. Ratificamos 12 tratados da Organização das Nações Unidas (ONU) e um da Organização dos Estados Americanos (OEA). Nossa consonância é, portanto, absoluta com os países que desejam usar o potencial das pesquisas nucleares apenas para fins pacíficos. Ademais, repudiamos o terrorismo, qualquer que seja sua manifestação.
Ao mesmo tempo em que os Estados participantes do encontro em Seul diziam das providências tomadas após a primeira cúpula em Washington (2010), esclarecemos que antevimos os riscos da utilização equivocada das pesquisas nucleares quando reconstituímos o Estado Brasileiro, na Constituição de 1988.
Assim é que, na Constituição Federal, artigo 21, inciso XXIII, permite-se a exploração dos serviços e a possibilidade de instalações nucleares de qualquer natureza, assegurando-se o monopólio estatal sobre pesquisa, lavra, enriquecimento, reprocessamento, industrialização e comércio de minérios nucleares e seus derivados, desde que para fins pacíficos. E, ainda que para tais fins, mediante aprovação do Congresso Nacional. Portanto, há uma guarda extraordinária em relação à eventual atividade nuclear em nosso país.
Outro dispositivo da Constituição, o artigo 4º, inciso VIII, diz que a República Federativa do Brasil se rege por vários princípios, dentre os quais, o repúdio ao terrorismo. No particular, ao terrorismo nuclear. O ódio não pode ser instrumento de interferência nas relações internacionais. O terrorismo semeia discórdia, desconfiança, rancor e ódio.
Ao fim do Nuclear Security Summit de Seul, conseguiu-se chegar a documento que efetivamente prega essa utilização apenas para fins lícitos e, de outro lado, condenou qualquer espécie de terrorismo de natureza nuclear. Todos estão cientes da necessidade de meios admistrativos e legislativos no sentido de um cuidado extraordinário com o material nuclear. Cuidados e medidas que sejam adotados para tentar evitar até mesmo acidentes, como o grave episódio de Fukushima, no Japão, ocorrido no ano passado.
Entretanto, nação pacífica que somos, temos posição ainda mais radical sobre armas atômicas. Defendemos o fim dos arsenais dos países que os detêm. Pode parecer apenas um ideal, mas é muito mais que isso, é a esperança de mundo sem o medo do desastre nuclear. Hoje, Rússia e Estados Unidos são donos de 95% de todas armamento desse tipo com capacidade de destruição total de nosso planeta.
A simples supressão desses arsenais atômicos facilitaria a busca pela paz mundial. O que sempre preocupa os países é a possibilidade do armamento nuclear e a destruição em massa. Por isso, foram alvissareiras as declarações do presidente Barack Obama, na Universidade de Seul, quando, em tom emotivo, disse esperar que seus netos vivam em um mundo onde os arsenais nucleares não sejam necessários.
Hoje, há preocupações sobre as pesquisas da Coréia do Norte e do Irã. Entretanto, deve-se respeitar a soberania destes países, desde que eles também estejam sob controle de organismos oficiais, como a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), orgão credenciado em todo mundo para exercer o controle da utilização desse tipo de energia. Pesquisas sobre fontes nucleares de energia não pode servir de pretexto para alimentar discursos belicistas, nem ações que coloquem em risco a paz e tranquilidade geopolítica mundial. Mas é preciso que haja limites para a utilização dessa tecnologia.
Aliás, já na década de 1960, nos antecipamos ao risco atômico. Por meio do Tratado de Tlateloco (negociado em 1967, no México), os países da América Latina se constituíram em uma região livre de armas nucleares. No caso do Brasil, admite-se, sob regime de permissão, a comercialização e utilização de radioisótopos para pesquisa e uso médico, agrícola e industrial. Portanto, a medicina, a agricultura e a indústria podem beneficiar-se do uso pacífico da energia nuclear. Verifica-se que já temos esta composição constitucional, que não deriva do desejo do povo ou do governo, mas é uma determinação da própria soberania popular inserida na Lei Maior.
O Brasil autoriza a fiscalização da AIEA para controlar as atividades nucleares no país, o que revela a transparência com que agimos nessa matéria. Transparência e responsabilidade hão de ser a tônica e o exemplo para todos os países que utilizam material nuclear.
Michel Temer, vice-presidente da República