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Intervenção da Secretária-Geral, Embaixadora Maria Laura da Rocha, no Seminário Brasil-África: relançando parcerias - Brasília, 22 a 25 de maio de 2023
Painel III – Equidade de gênero e empoderamento de mulheres e meninas (duração de 1h30, das 15:00 às 16:30)
O painel tem foco no progresso dos direitos de mulheres e meninas, mediante o empoderamento econômico e o fim da violência contra as mulheres. Tendo em vista a meta de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas de alcançar igualdade de gênero até 2030, o painel inclui discussão sobre leis, políticas, orçamentos e instituições para fazer avançar a equidade de gênero.
Boa tarde a todas e todos.
Muito obrigada, embaixadora Ana Paula Simões Silva, por moderar este painel.
Meus cumprimentos à chefe de Gabinete da secretária-executiva do Ministério das Mulheres, Eunice Léa de Moraes.
Minhas saudações também às colegas que se juntam a nós por videoconferência, a diretora para a África e Parcerias Globais do World Resources Institute, Wanjira Mathai, e a Professora Doutora Sarah Anyang Agbor, ex-Comissária para Recursos Humanos, Ciência e Tecnologia da União Africana.
É um grande prazer participar deste painel.
O Brasil está plenamente comprometido com o avanço da igualdade de gênero, a proteção e a promoção dos direitos de mulheres e meninas e o fim de toda e qualquer violência por motivo de gênero.
Nossos desafios são comuns e nossa parceria com os países africanos tem o potencial de contribuir mutuamente para o bem-estar e a prosperidade dos nossos povos, em particular das mulheres.
Precisamos falar em desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza colocando a devida ênfase na promoção da igualdade de gênero, cujas metas estão concentradas no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 5 e transversalizadas em outros 12 objetivos globais.
Precisamos pensar em um futuro melhor para a humanidade mediante o empoderamento de mulheres nas mais diversas esferas da vida pública, e também da vida privada, tendo em conta o impacto que a promoção da igualdade de gênero terá a favor de um desenvolvimento mais sustentável e centrado nas pessoas.
Talvez nenhum outro tema da agenda internacional tenha um potencial tão transformador como o da agenda de mulheres. Nenhum outro tema seria capaz de refletir de forma tão evidente as mudanças sociais ao longo dos séculos XX e XXI.
A promoção e a proteção dos direitos da mulher, assim como o enfrentamento de toda forma de violência ou discriminação baseadas no gênero, se entrelaçam com questões relacionadas aos direitos humanos, à paz e à segurança, ao desenvolvimento sustentável, ao enfrentamento do crime transnacional, à relação entre comércio e desenvolvimento, às discussões sobre população e desenvolvimento, sem contar o tratamento de questões relacionadas à saúde, ao mundo do trabalho e à migração.
Compreender de que forma cada um desses campos relaciona-se com a situação da mulher é um dever do governo brasileiro.
Estamos, também, atentos à importância do diálogo com a sociedade civil, que muito pode contribuir para a formação da posição brasileira nos mais diversos temas.
São muitos os desafios que enfrentamos e as resoluções e documentos aprovados nos foros internacionais dão conta da complexidade dos temas. Muitas vezes, os países não alcançam o desejável consenso e as negociações levam a debates acalorados, que refletem concepções diversas sobre a situação da mulher e seu potencial transformador no mundo.
Em meio a diferenças, temos sido capazes de construir um sistema internacional robusto de promoção e proteção dos direitos das mulheres. Não posso deixar de mencionar alguns "marcos fundamentais" que norteiam nossa atuação diplomática, levando em consideração a importância da adoção de normas, resoluções, organismos e mecanismos internacionais, com vistas a alcançar melhoras efetivas para nossos povos.
É com muito orgulho que recordo que a inclusão à referência à igualdade entre homens e mulheres, na Carta das Nações Unidas, em 1945, foi fruto da valiosa contribuição da delegada brasileira Bertha Lutz, ao lado de outras parceiras latino-americanas.
A Conferência de Viena sobre Direitos Humanos, de 1993, e seu Plano e Programa de Ação são considerados ponto de inflexão. Os direitos humanos das mulheres e meninas foram reconhecidos como inalienáveis e parte integral e indivisível dos direitos humanos universais. A plena participação das mulheres, em condições de igualdade, na vida política, civil, econômica, social e cultural, assim como a erradicação de todas as formas de discriminação, foram reconhecidas como objetivos prioritários da comunidade internacional.
Destaco, ainda, a relevância da Conferência do Cairo sobre População e Desenvolvimento, ao colocar as pessoas e distintas populações no centro do tema de desenvolvimento.
Em 1995, a Plataforma de Pequim foi adotada e tornou-se, desde então, o documento mais estratégico para as mulheres no plano internacional.
No âmbito regional, a 24ª Assembleia Geral Ordinária da Organização dos Estados Americanos, em 1994, adotou a Convenção de Belém do Pará, que prescreveu a obrigação dos estados de agir com o devido zelo para prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher.
Sublinho, ainda, a Agenda de Mulheres, Paz e Segurança, aprovada no Conselho de Segurança das Nações Unidas, que reconhece o papel fundamental das mulheres na prevenção de conflitos e promoção da paz.
O Brasil está entre os mais de 100 países que elaboraram planos nacionais de implementação dessa agenda. Com base nas lições aprendidas com o primeiro plano nacional de ação, que foi lançado em 2017 e expirou em março último, estamos trabalhando para revisar, até o final deste ano, nosso plano.
Compreendemos essa estratégia como algo abrangente, que deve ter implicações não só no tratamento dessa temática no plano internacional, mas também no plano doméstico, reforçando o marco legal, político e institucional já aplicados pelo país no enfrentamento dessas questões.
Em contraposição a tantos progressos no que diz respeito à agenda de mulheres, que geraram verdadeira mudança de paradigma, continuam a surgir reações extremamente ativas que avaliam esses avanços como ameaças a uma “determinada concepção” sobre a situação da mulher na sociedade.
Precisamos estar atentos a esses movimentos por meio de uma política externa ativa, que tenha em conta o princípio de não-retrocesso no campo dos direitos humanos.
Precisamos tratar da igualdade e não discriminação por motivo de gênero, e da questão da paridade como meta a ser alcançada em nossa função como agentes do estado.
A busca pela paridade traz consigo uma reflexão sobre o significado da democracia, e coloca em xeque a profunda desigualdade na representação das mulheres nos espaços de poder, em particular no campo político. Apesar dos conhecidos desafios no que diz respeito à representação de mulheres na política – contamos hoje com representação feminina de 17% no Congresso Nacional – alegra-me constatar que o protagonismo de mulheres, especialmente mulheres negras e indígenas, tem-se fortalecido no Brasil.
Uma nova geração de feministas, fazendo uso das redes sociais e ferramentas de comunicação, tem promovido um verdadeiro despertar social. Multiplicam-se no país coletivos e eventos que homenageiam pensadoras negras brasileiras, às quais expresso meu sincero reconhecimento, prestando reverência à vida e obra de duas grandes expoentes, Lélia González e Sueli Carneiro.
Lideranças indígenas mulheres, a exemplo da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, tornaram-se verdadeiras gigantes, protagonistas do debate público.
Alegro-me também com as novas representações políticas de mulheres trans, que, ao enfrentarem preconceitos que desafiam a sua própria existência e reconhecimento como mulheres, vêm assumindo mais e mais espaço na política do nosso país.
Precisamos pensar em ações de empoderamento de mulheres e meninas e transversalizar a questão de gênero e raça nos mais variados temas da agenda internacional. Reconhecemos a necessidade de enfoques interseccionais nas políticas públicas, da menção a múltiplas formas de discriminação, e a consideração de mulheres, adolescentes e meninas em toda a sua diversidade. Imbuídos desse desígnio, atuamos no exercício da política exterior brasileira.
Além de uma questão de direitos, os obstáculos para a inclusão de mulheres nos espaços públicos e de poder resultam em "desperdício de talentos", com impacto negativo sobre a capacidade dos países de aumentarem a competitividade e avançarem nos seus marcos de desenvolvimento.
A refexão sobre o empoderamento das mulheres vem associada com o reconhecimento econômico sobre o trabalho de cuidado. É preciso pensar sobre o trabalho não remunerado e seu impacto sobre as mulheres, sendo necessário buscar uma "ressignificação" dos cuidados como investimento social.
Precisamos pensar nos cuidados como trabalho coletivo, com envolvimento de todos os setores da sociedade, necessariamente homens, governos e empresas privadas. O investimento em cuidados mira em direção ao crescimento das economias e à construção de sociedades mais igualitárias, inclusivas e prósperas. Um enfoque dessa natureza implica revisitar conceitos estabelecidos e contribuir para um novo olhar sobre o mundo, que possa levar a padrões mais humanos de sociedade.
Vale destacar a publicação pela Comissão Interamericana de Mulheres, da Organização do Estados Americanos, da Lei Modelo Interamericana sobre Cuidados, no ano passado, em iniciativa que busca contribuir para promover a discussão e avanços sobre o tema na região das Américas.
Para dar conta desses objetivos, estamos dispostos a buscar conexões com atores estratégicos; melhorar a coordenação entre as diversas políticas; contribuir para o intercâmbio de boas práticas; ampliar a possibilidade de cooperação entre os estados e instituições; sempre tendo em conta o objetivo de atingir grupos historicamente excluídos, como mulheres rurais, mulheres negras, indígenas, LGBTQIA+ e mulheres com deficiência.
Há muito a fazer. Contem com o Itamaraty como parceiro ao longo desse processo.
Os compromissos assumidos pelo presidente Lula em campanha, e reforçados ao longo dos primeiros meses de sua gestão, refletem-se no plano internacional.
Estamos trabalhando para a finalização de trâmites internos com vistas à ratificação da Convenção 190 da OIT, que amplia os conceitos de assédio sexual e moral no trabalho, os quais são objeto de ampla legislação nacional. Tal instrumento contribuirá para garantir que o ambiente de trabalho seja seguro e livre de qualquer violência contra as mulheres.
Estamos igualmente engajados para a ratificação da Convenção nº 156 da OIT - relativa à igualdade de oportunidades e de tratamento para trabalhadores com responsabilidades familiares.
Por meio da nossa Agência Brasileira de Cooperação, temos potencial que pode ser incrementado em projetos com países africanos. O Brasil estará sempre disposto a estabelecer diálogo para explorar iniciativas de cooperação, que possam contribuir para disseminar boas práticas, tendo em conta o essencial enfoque de gênero.
Percorremos um longo caminho, e a nossa caminhada continua.
Finalizo minha intervenção com a satisfação de podermos dar seguimento ao nosso diálogo com as contribuições das demais debatedoras, cujas participações neste painel agradeço muitíssimo.