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Intervenção da Senhora Secretária-Geral das Relações Exteriores na Sessão Plenária da 54ª Assembleia Geral da OEA - 26/06/2024
Antes de mais nada, em nome do governo brasileiro, condeno, nos mais firmes termos, o lamentável episódio ocorrido no dia de ontem na Bolívia. A democracia, um dos pilares da OEA, é inegociável, e o governo brasileiro será intransigente em sua defesa. Manifesto, nesse sentido, assim como já o fez o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nossa profunda solidariedade ao legítimo e democraticamente eleito governo do presidente Luis Arce.
Tenho a satisfação de expressar, em nome do governo brasileiro, nossos agradecimentos ao Paraguai por sediar esta Assembleia Geral. Estou segura de que o encontro propiciará oportunidade de discussão construtiva sobre temas centrais para os países e as populações da região.
O Brasil participa desta Assembleia imbuído da convicção da relevância e da legitimidade da OEA para atuar, com respeito à soberania dos Estados-membros, em seus quatro pilares estratégicos: democracia; direitos humanos; segurança multidimensional; e desenvolvimento integral.
Parabenizamos o Paraguai pela escolha do lema desta Assembleia: Integração e Segurança para o Desenvolvimento Sustentável da Região. Os desafios atuais no nosso hemisfério e no mundo, nos campos da segurança e do desenvolvimento sustentável, demandam mais integração, não menos.
As ameaças na esfera da segurança vêm se multiplicando, com ramificações cada vez mais preocupantes e implicações, inclusive, para a integridade das instituições públicas e da democracia, em diferentes países do mundo, inclusive nas Américas.
Nossa região tem testemunhado graves atentados ao Estado de Direito. O crime, o tráfico de drogas, armas e pessoas, assim como a lavagem de dinheiro e a corrupção de agentes públicos e privados constituem ameaças cada vez mais presentes. O combate a esses flagelos depende da cooperação regional e global, sempre com respeito ao direito internacional e aos direitos humanos.
Por meio de seu conjunto de tratados e mecanismos no campo da segurança multidimensional, a OEA oferece plataforma privilegiada para enfrentarmos com sucesso e respeito às instituições democráticas essas ameaças ao bem-estar e à estabilidade de nossos países.
A OEA desenvolve projetos importantes nessa direção, em áreas como: registro civil e identidade no Haiti; concessão de bolsas de estudo; e cooperação técnica em temas migratórios. Essas e outras iniciativas, levadas a cabo pela Secretaria Executiva de Desenvolvimento Integral, em temas como inovação, empreendedorismo feminino, cooperação educacional e produtividade, entre outras, são contribuições relevantes e devem continuar a ser impulsionadas. O Brasil somou-se a várias dessas iniciativas, por meio da cooperação, junto à Secretaria Executiva de Desenvolvimento Integral, em assuntos como pequenas e médias empresas, educação e monitoramento marinho.
As discussões sobre os múltiplos desafios suscitados pela emergência climática merecem destaque. A OEA está muito bem posicionada para abordar o tema em suas três dimensões e para contribuir com iniciativas tangíveis, ancoradas no princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Para tanto, precisaremos de novas fontes de financiamento, que nos permitam dar o salto tecnológico para uma economia de baixo carbono.
E necessitamos agora. Os efeitos da mudança do clima já se fazem sentir com força em nossos países, onde eventos climáticos extremos causam destruição e perdas de vidas humanas, como ocorreu, recentemente, no Estado brasileiro do Rio Grande do Sul.
Nesse contexto, faz-se fundamental fortalecer os mecanismos de resposta humanitária de emergência, inclusive por meio da Junta Interamericana de Defesa (JID). Também é preciso ampliar os esforços de reconstrução pós-desastres.
No campo da cooperação hemisférica, o Brasil tem a expectativa de que a Agência Interamericana para a Cooperação e o Desenvolvimento (AICD) tenha seu papel fortalecido como ponto focal de cooperação internacional da OEA. O recém aprovado Plano de Ação para a Cooperação da OEA 2024-2027 proporcionará novo impulso a essa agenda, que considero da maior relevância.
Senhor Presidente, caros colegas,
A OEA é um espaço privilegiado de encontro de todos os países do continente americano. É, por isso, uma plataforma que deve ser utilizada para gerar convergências, na busca de soluções para desafios comuns. Queremos uma Organização que adote métodos de trabalho transparentes, capazes de assegurar processos decisórios inclusivos e legítimos. Precisamos de uma Organização moderna e eficiente. Os recursos investidos devem gerar resultados concretos para nossos Estados e populações, além de cumprirem requisitos de transparência e prestação de contas.
O Brasil vem dando contribuição concreta nessa direção. No ano passado, a delegação brasileira leu, no Conselho Permanente, a Declaração Conjunta sobre Compromissos Compartilhados para Assegurar Negociações Abertas, Transparentes e Inclusivas. A adesão ao documento por 17 delegações revela o anseio dos Estados Membros por caminhar no rumo do aprimoramento dos métodos de trabalho da Organização.
O Brasil também defende a eliminação da duplicação de tarefas e a busca de sinergias entre processos conexos com os mandatos emanados das diferentes reuniões ministeriais da Organização. Favorecemos amplo diálogo entre os órgãos da OEA e o processo de seguimento das Cúpulas das Américas, para que o produto que entreguemos a nossos cidadãos seja sempre da maior qualidade. A celebração, no próximo mês de dezembro, na República Dominicana, do 30º aniversário do Processo de Cúpulas das Américas constituirá uma boa oportunidade para refletir sobre como podemos melhorar essa interação, de modo que as atividades da OEA reflitam as prioridades definidas pelos chefes de Estado e de Governo da região.
Com esse espírito, estamos engajados nas discussões sobre a revisão da gestão e da governança da Organização, realizada por consultoria externa. Esse exercício oferecerá oportunidade para realizar reformas que aumentem a eficiência e a eficácia da gestão dos nossos recursos financeiros e humanos.
Não podemos deixar de lembrar, ainda, do impacto positivo do Sistema Interamericano de Direitos Humanos na vida dos cidadãos e cidadãs. Sua capacidade de proteger e promover direitos universais, oferecendo reparação e garantias de não repetição de violações, é um exemplo de regime internacional que faz a diferença. Os 65 anos da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e os 45 anos da Corte Interamericana de Direitos Humanos, comemorados este ano, são motivo de orgulho para nossa região e um modelo para o mundo.
No pilar relativo à democracia, a OEA deve atuar no fortalecimento das instituições democráticas, especialmente no atual contexto em que ações que visam a promover a desinformação e a desestabilização ameaçam o sistema representativo. A OEA deve agir com imparcialidade e rigor em suas missões de observação eleitoral e promover o contínuo intercâmbio sobre a implementação da Carta Democrática Interamericana. O Brasil participa desses esforços, com espírito construtivo, favorecendo o compartilhamento de boas práticas, inclusive diante de novos desafios como o uso de plataformas digitais e da inteligência artificial para disseminar notícias falsas, tema que merece nossa mais elevada atenção.
A defesa da democracia e da vontade popular na Guatemala é um exemplo recente de que a OEA pode fazer a diferença, quando existe engajamento construtivo de todos. Essa perspectiva cooperativa, de se estender a mão, no lugar do automatismo da punição, constitui um instrumento fundamental para manter a relevância da Organização em crises internas e risco de ruptura da ordem democrática.
É por isso que devemos trabalhar para que todos os países das Américas voltem ao seio da OEA: para que o engajamento e o diálogo produzam a progressiva implementação dos padrões interamericanos sabidamente avançados nos campos dos direitos humanos e da democracia.
Devemos recordar ainda que a América Latina e o Caribe são um espaço de paz e cooperação. Somos contra medidas coercitivas unilaterais, que penalizam populações de países da região. É injusta a manutenção do bloqueio contra Cuba, com sérias consequências de natureza humanitária em pleno coração do Caribe. E é injustificada a manutenção do país caribenho em uma lista unilateral de países que promovem o terrorismo, quando sabemos que Cuba colabora ativamente para a promoção da paz, do diálogo e da integração regional.
Por fim, mas não menos importante, o governo brasileiro gostaria de salientar a necessidade de a Organização conceder maior destaque ao seu pilar do desenvolvimento integral. Passadas diversas décadas da fundação da OEA, o subdesenvolvimento, a pobreza e mesmo a fome seguem afligindo as Américas. Em nome do presidente Lula, gostaria aqui de transmitir a mensagem de que não apenas é importante, como é urgente, promover o desenvolvimento e acabar com a miséria no nosso continente.
Senhor presidente, caros colegas,
Uma OEA eficiente, legítima e relevante depende de processos decisórios transparentes e gestão moderna. Depende também de recursos humanos valorizados, liderança competente, diálogo constante entre o Secretariado e os Estados Membros, e de um canal de comunicação eficaz com a sociedade civil.
Daqui até a próxima Assembleia Geral ordinária, participaremos de um processo eleitoral para a escolha dos novos secretário-geral e secretário-geral adjunto.
O Brasil defende um esforço conjunto de reflexão, de modo a que nossas escolhas atendam aos requisitos da Carta da OEA e às altas expectativas de nossas sociedades.
A OEA encontra-se em um momento de busca de maior eficiência e legitimidade. Esse processo requererá futuros ocupantes de cargos de liderança com habilidades gerenciais, experiência diplomática e alto padrão moral e ético. Também é essencial o compromisso com o estrito respeito à Carta, aos padrões derivados das convenções interamericanas e aos mandatos aprovados pelos Estados membros.
Além disso, não apenas no Secretariado, mas, como um todo, nas posições de chefia e de maior responsabilidade, devemos buscar a promover maior representatividade feminina.
No ano em que comemoramos o Trigésimo aniversário da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, a Convenção de Belém do Pará – verdadeiro divisor de águas na luta pela superação da discriminação de gênero na nossa região –, não podemos esquecer o longo caminho que ainda temos a percorrer para que as mulheres possam exercer plenamente seus direitos.
E não posso mencionar Belém sem me lembrar do saudoso embaixador João Clemente Baena Soares, que, em 1994, testemunhou com alegria, na sua querida cidade, a adoção dessa convenção histórica, no seu último ano de mandato, quando fechava seu ciclo como secretário-geral da Organização. O legado do embaixador Baena Soares seguirá nos inspirando na busca de uma OEA de todos os Estados Americanos.
Uma OEA em que a diplomacia, o diálogo e o entendimento sejam o principal veículo para construir uma região pacífica, segura, próspera e democrática para nossos povos.
Muito obrigada, senhor presidente.