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Discurso da Senhora Secretária-Geral das Relações Exteriores por ocasião da II Reunião de Consultas de Cartagena+40 - Brasília, 16/05/2024
Senhoras e senhores,
O Brasil orgulha-se de ter feito parte, há quase quarenta anos, do pequeno grupo de países que adotou a Declaração de Cartagena de 1984, que se tornaria marco fundamental no quadro global de proteção e refúgio.
Retomamos hoje o espírito solidário da América Latina e do Caribe nessa matéria, agora sob a liderança do Chile, que sucede Brasil, México e Costa Rica.
Agradeço imensamente ao Chile pela iniciativa de assumir a presidência de Cartagena+40. Agradeço igualmente ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) pelo apoio não só na realização dessas consultas em Brasília, mas também na implementação do Plano de Ação do Brasil durante toda a década em que estivemos à frente do processo.
Nosso compromisso é aprofundar o legado humanitário da Declaração e consolidar nossa tradição de solidariedade por meio da criação de instrumento regional estratégico e eficaz para a proteção de pessoas refugiadas, deslocadas e apátridas.
Senhoras e senhores,
As fortes chuvas e enchentes no Rio Grande do Sul demonstram a realidade do deslocamento de pessoas por desastres naturais – um desafio contemporâneo que exigirá diálogo e coordenação internacional com vistas a acelerar a implementação de medidas para mitigar os impactos ambientais e a tornar os países mais preparados na resposta a eventos dessa natureza.
Aproveito a ocasião para agradecer a ajuda oferecida pelos países amigos nos esforços de socorro à população gravemente afetada pelo desastre ambiental no Rio Grade do Sul. Agradecemos também todas as manifestações internacionais de solidariedade e de profunda tristeza com a perda de vidas e os danos causados em centenas de municípios no sul.
Essa tragédia acontece em um dos estados do Brasil com maior presença de pessoas refugiadas e migrantes. Em Porto Alegre, há um Comitê Estadual de Migrantes e Refugiados. Além disso, seis universidades gaúchas são parte da Cátedra Sergio Vieira de Melo, uma das quais abriga atualmente 1.300 deslocados pelo desastre, brasileiros e migrantes.
Tenho informações de que três organizações lideradas por refugiados estão atuando no enfrentamento da calamidade no Rio Grande do Sul, em apoio aos resgates e na coleta de doações. Atos de solidariedade como esses fortalecem o nosso tecido social.
Não posso, assim, deixar de registrar a importância crucial da natureza inclusiva e participativa do processo consultivo de Cartagena. As contribuições de organizações lideradas por refugiados e da sociedade civil são fundamentais. Igualmente importantes são os representantes da academia, do setor privado, dos diferentes níveis de governo, do sistema das Nações Unidas e outros organismos internacionais ou regionais, das defensorias e instituições nacionais de promoção e proteção dos Direitos Humanos.
Dez anos atrás, em Brasília, adotamos a Declaração e o Plano de Ação do Brasil (PAB), no marco dos 30 anos da Declaração de Cartagena. Estabelecemos compromissos ambiciosos para a região. Colocamos em prática os princípios de solidariedade, cooperação internacional e responsabilidade compartilhada, posteriormente incluídos no Pacto Global sobre Refugiados. Também foi inovadora a inclusão da apatridia como nova área de proteção, juntamente com o refúgio de qualidade e a promoção de soluções duradoras, além da participação do Caribe na estratégia regional de proteção.
O Brasil orgulha-se de sua contribuição nacional à implementação do Plano de Ação do Brasil no último decênio, mas também dos avanços observados em toda a região durante a última década.
O Brasil adotou uma nova Lei de Migração, em 2017, que consolidou uma política migratória baseada nos princípios de universalidade, interdependência dos direitos humanos e rejeição da criminalização da migração. O princípio do “non refoulement” foi também assegurado. Foram estabelecidos procedimentos simplificados para a concessão de nacionalidade a pessoas apátridas e criados vistos de acolhida humanitária.
Finalmente, a “Operação Acolhida” e sua inovadora estratégia de interiorização fazem parte da contribuição brasileira para os desafios comuns da região.
A esse respeito, o Brasil reitera a natureza pacífica, apolítica e humanitária do reconhecimento da condição de refugiado. Reafirmamos igualmente o princípio internacional de que o refúgio não deve ser interpretado como ato político inamistoso.
Senhoras e senhores,
Nossa região passou por profundas transformações que agravaram a já difícil situação das pessoas que buscavam proteção: solicitantes de refúgio, pessoas refugiadas, deslocadas internamente, retornadas e apátridas. O número de pessoas deslocadas à força tem aumentado exponencialmente e continua a gerar desafios sem precedentes. A resposta regional a esses desafios deve estar à altura de nossas tradições humanitárias.
Cartagena é mais do que uma Declaração ou uma definição regional de pessoa refugiada. Seu foco em ações estratégicas, em soluções inovadoras e em boas práticas contribuem para a união de toda a América Latina e o Caribe.
O mundo precisa do nosso exemplo de proteção e de acolhida humanitária, em contexto internacional em que proliferam exemplos de políticas migratórias que limitam o acesso ao refúgio e à proteção internacional e aumentam deportações e retornos forçados.
O direito de solicitar e receber refúgio e os princípios de non-refoulement, não discriminação e unidade familiar devem ser respeitados por toda a comunidade internacional, tanto em tempos de guerra quanto de paz.
Muito obrigada.