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Discurso da Secretária-Geral, Embaixadora Maria Laura da Rocha, em evento da FGV: Lideranças Inovadoras: Mulheres que inspiram - Brasília, 8 de março de 2023
Ilustríssimo Senhor Superintendente da FGV-Brasília, Sr. Sirley Silva, na pessoa de quem cumprimento os professores, alunos e demais funcionários da FGV,
Ilustríssimas colegas de mesa Ilana Trombka, Janete Vaz e Andalessia Borges,
Senhoras e Senhores,
Foi com imenso prazer que aceitei o convite da FGV para participar desse evento sobre lideranças inovadoras, não porque me considere necessariamente uma delas, mas porque entendo a importância da visibilidade e da representatividade na luta das mulheres por igualdade de gênero e maior ocupação dos espaços decisórios, tanto na esfera pública quanto privada.
É uma alegria dividir essa mesa com mulheres que, além de bem-sucedidas em suas respectivas áreas de atuação, são também ativas em movimentos pela promoção da igualdade de gênero em diferentes frentes, entre as quais o empreendedorismo, a preparação feminina para alcançar cargos de liderança, para citar apenas algumas.
Neste dia 8 de março, relembramos a histórica luta das mulheres por melhorias nas condições de trabalho e pela realização de direitos. É triste constatar que ainda persistem no Brasil e no mundo desigualdades estruturais de gênero que impedem ou dificultam, em diferentes graus, a realização plena de direitos civis e políticos e econômicos, sociais e culturais pelas mulheres.
No caso brasileiro, apesar de significativos e inegáveis avanços no plano legal, fica evidente que a emancipação completa das mulheres requer políticas públicas e ações direcionadas à implementação da isonomia e da segurança consagradas na esfera legislativa.
Na minha área de atuação, a diplomacia, sou considerada pioneira, por ser a primeira mulher a ocupar o cargo de vice-ministra das Relações Exteriores do Brasil. Espero que eu seja a primeira de muitas que virão.
Muito pouca gente sabe, mas a primeira funcionária pública concursada do Brasil foi uma mulher, Maria José de Castro Rebello Mendes, que passou em primeiro lugar para o concurso de diplomata em 1918, mas precisou de um parecer do jurista Rui Barbosa para conseguir tomar posse. Mesmo após esse feito, a história das mulheres na diplomacia brasileira foi repleta de avanços e retrocessos.
Entre 1931 e 1954 o ingresso de mulheres na carreira diplomática foi proibido. Em 1952, Maria Sandra Cordeiro de Melo passou no concurso de admissão, e teve que recorrer ao Judiciário para poder tomar posse. Em 1956, Odette de Carvalho e Souza tornou-se a primeira mulher a assumir o cargo mais alto da carreira: o de embaixadora. Em 1969, surge outro revés: o instituto da “agregação”, que forçava a interrupção do tempo de serviço para as diplomatas casadas com colegas e impedia muitas delas de chegarem aos cargos mais altos. O instituto só deixou de existir em 1986, mas veio acompanhado de obrigação de redução de 40% dos salários para diplomatas casados com colegas, o que, na prática, recaía sobre as mulheres. O fim da obrigatoriedade da redução salarial só aconteceu em 1996. Há pouco mais de 26 anos.
De lá para cá, políticas informais de promoção de mulheres aos cargos mais altos da carreira de diplomata, patrocinadas pelo então Chanceler Celso Amorim, permitiram a nomeação de embaixadoras, como eu, a cargos nunca antes ocupados por mulheres, como as representações permanentes do Brasil na UNESCO, na FAO, a Missão da ONU em Genebra e em Nova York, e em Embaixadas do Brasil na Europa e na África. Nos últimos 6 anos, porém, observou-se um retrocesso nas ações internas de promoção das mulheres no Itamaraty. Esperamos agora poder retomá-las e institucionalizá-las na gestão do Ministro Mauro Vieira.
Em termos de representação numérica, dos pouco mais de 1500 diplomatas brasileiros, apenas 23% são mulheres. Historicamente, o número de mulheres na carreira nunca passou desse patamar e, pelo menos nos últimos anos, ficou estagnado. Eventualmente, há edições do concurso nacional para diplomatas que aprovaram número maior de mulheres, como a turma de 2022, que alcançou o percentual recorde de 41,6%. No entanto, isso ainda é exceção e não a regra.
Um dos desafios que se apresentam para nós é, portanto, a adoção de medidas concretas para estimular maior ingresso de mulheres na carreira. Avaliaremos com cuidado a viabilidade de instituir metas de recrutamento, idealmente de 50%. Isso passa por desmistificar a ideia de que a diplomacia é incompatível com realizações no âmbito pessoal e social, mas também por dar mais visibilidade às mulheres que já estão na carreira. É importante que meninas e jovens mulheres percebam que esse espaço também é delas.
Esta semana saiu a portaria de autorização do concurso para a carreira de diplomata de 2023 e aproveito a oportunidade para convidar mais mulheres de todo o Brasil a se inscreverem. Como disse no meu discurso de posse, o Itamaraty precisa refletir a sociedade brasileira e as mulheres são mais de 50% da população do país.
Outro grande desafio será o de aumentar a presença feminina nos níveis hierárquicos mais altos da carreira e em funções de liderança. Entre os ministros de primeira classe, há apenas 20% de mulheres e o número de mulheres chefes de representação diplomática no exterior não passa de 14%. Os dados revelam que 50% das mulheres diplomatas se aposentam na classe de conselheira, um nível intermediário da carreira, enquanto apenas 30% delas se aposentam como embaixadoras. Há muito o que ser feito para corrigir essas desigualdades estruturais.
Acredito que faremos progressos significativos rumo à paridade, pois contamos não apenas com o empenho do Chanceler Mauro Vieira, mas também com as diretrizes gerais do Presidente Lula. Até o final de 2022, apenas uma das sete secretarias do Itamaraty era ocupada por uma mulher. Com a nova administração, 3 de 10 secretarias são chefiadas por mulheres, o que está longe de ser o ideal, mas já é um começo. Já foi anunciada a indicação de uma mulher para a Embaixada do Brasil em Washington e outras deverão ser anunciadas proximamente. Temos a intenção de criar um sistema de promoção da diversidade no MRE para monitorar a evolução do quadro institucional, identificar onde estão os principais obstáculos à ascensão funcional das mulheres diplomatas e estudar o estabelecimento de metas para a ocupação das mulheres em todos os níveis da carreira. Considerando, claro, a interseccionalidade entre as questões de gênero e raça no Brasil.
Longe de querer justificar os números brasileiros, é importante contextualizá-los diante da situação de outros países. Pesquisas revelam que, até outubro de 2020, as mulheres eram apenas 26,9% entre os representantes permanentes de 193 países da ONU em NY. Suécia e Canadá, os primeiros a adotarem “políticas externas feministas”, em 2014 e 2017, respectivamente, são os dois países que alcançaram 50% de representação de mulheres embaixadoras e chefes de missão. No resto do mundo, o índice médio é de 15%, embora sejam notáveis os avanços recentes alcançados no Chile, na Espanha, no México e em outros países que adotaram metas específicas de igualdade de gênero em suas chancelarias.
Além dos esforços individuais, os países também vêm se articulando na Organização das Nações Unidas para incluir os temas de equidade de gênero e proteção dos direitos das mulheres na agenda internacional. No ano 2000, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a Resolução 1325 sobre “Mulheres, paz e segurança” e inaugurou agenda sobre a participação feminina na política, o engajamento de mulheres diplomatas nos temas de defesa e segurança, a inclusão de mulheres na mediação e negociações de acordo de paz, na reconstrução pós-conflito, entre várias outras dimensões da guerra e sua prevenção e superação. A esse respeito, recomendo muitíssimo a tese de altos estudos da diplomata Viviane Balbino, recém-publicada pela FUNAG e intitulada “Terá a paz rosto de mulher?”.
Em 2022, a Assembléia Geral da ONU aprovou a Resolução A/RES/76/269, estabelecendo o dia 24 de junho como o Dia Internacional das Mulheres na Diplomacia, deixando claro que “a participação ativa das mulheres, em pé de igualdade com os homens, em todos os níveis de tomada de decisão, é indispensável para se atingir a igualdade, o desenvolvimento sustentável, a paz, a democracia e a diplomacia.”
O panorama que eu acabo de apresentar mostra que a luta pela promoção da igualdade de gênero e engajamento das mulheres no desenho, na implementação, e no monitoramento de políticas públicas, aplica-se à sua vertente internacional, a política externa, e, por extensão, ao mundo da diplomacia.
Nesse sentido, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil está aberto a dialogar com outros órgãos de governo, com a Academia e com a sociedade para trocar experiências, identificar melhores práticas de gestão, somar esforços para o alcance da paridade e institucionalizar mecanismos de promoção da equidade de gênero, para evitar retrocessos no futuro.
Muito obrigada!