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Discurso da Ministra, substituta, das Relações Exteriores, na abertura do seminário "Brasil-China: 50 anos"
Em 15 de agosto de 1974, há exatos cinquenta anos, o chanceler Antônio Francisco Azeredo da Silveira e o vice-ministro do Comércio da China, Chen Jie, selavam, em Brasília, o estabelecimento de relações diplomáticas entre o Brasil e a República Popular da China.
O episódio é um marco da diplomacia do Brasil, no contexto histórico denominado “pragmatismo responsável”. Dirigida pelo paradigma da busca da autonomia e de sua vocação universalista, a política externa brasileira reiterava, naquela ocasião, o princípio inalienável da defesa dos interesses nacionais.
A decisão de reconhecer a República Popular da China fundou-se, acima de tudo, na identificação dos interesses nacionais brasileiros permanentes e na convicção de que aquele passo traria frutos positivos para nossas sociedades.
Para além de seu conteúdo simbólico, a data de hoje reflete a consistência da parceria entre o Brasil e a China ao longo de cinco décadas. As interações entre os dois países aprofundaram-se e diversificaram-se.
Em 1974, vivíamos um ambiente internacional muito distinto, em um mundo menos integrado, no qual Brasil e China se encontravam em estágio de desenvolvimento muito inferior ao de hoje. Apesar das diferenças expressivas, gostaria aqui de ressaltar algumas tendências que se mostraram perenes desde então.
Continuamos a ser os maiores países em desenvolvimento em nossos respectivos hemisférios, com grandes territórios, populações e economias. Seguimos orientados, cada um em sua própria tradição diplomática, por seus interesses nacionais e sólidos princípios, como a autodeterminação dos povos, não-intervenção, solução pacífica dos conflitos e a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade. Permanecemos comprometidos com a democratização das relações internacionais e com o multilateralismo.
Essa ampla base comum constituiu terreno fértil para que a trajetória de nossas relações se caracterizasse por um contínuo e progressivo aprofundamento e diversificação, com base em objetivos de longo prazo que permitem imprimir previsibilidade e caráter institucional aos contatos bilaterais. Fomos bem-sucedidos ao construirmos confiança mútua, necessária para que as nossas interações se intensificassem e passassem a abranger leque crescente de áreas, como comércio, investimentos, finanças, agricultura, segurança alimentar, energia, meio ambiente, mudança do clima, educação, cultura, saúde e ciência, tecnologia e inovação, com resultados concretos. Somos atores internacionais ativos na busca de soluções concertadas para os desafios globais. A agenda política Brasil-China transcende a esfera bilateral.
Nossos contatos iniciais, de natureza econômico-comercial, progressivamente passaram a abranger novas áreas, com especial ênfase na cooperação científico-tecnológica, em particular em agricultura, energia elétrica, metalurgia, energia nuclear e indústria aeroespacial. Nesse âmbito, destaca-se a assinatura do Acordo de Cooperação para Pesquisa e Produção de Satélites Sino-Brasileiros de Recursos Terrestres (CBERS), em 1988, tido como modelo de cooperação em alta tecnologia entre países do Sul Global e que até hoje produz frutos em setor tecnológico estratégico para o desenvolvimento de nossos países. O CBERS representa esforço pioneiro de união para derrubar as barreiras que impedem o desenvolvimento e a transferência de tecnologias sensíveis.
As trocas de visitas de alto nível intensificaram-se, em linha com o incremento do relacionamento comercial. Firmamos a Parceria Estratégica Sino-Brasileira em 1993, a primeira do Brasil com um país em desenvolvimento, que passou a funcionar como força-motriz da relação, caracterizando o diálogo aprofundado entre as nossas autoridades e as relações dinâmicas e abrangentes nas mais diversas esferas.
O primeiro mandato do presidente Lula trouxe nova dinâmica para nossa cooperação. A visita de estado realizada em 2004 foi marco no processo de elevação e institucionalização do relacionamento bilateral, com a constituição da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (COSBAN). A COSBAN é copresidida pelos vice-presidentes e atualmente reúne onze subcomissões temáticas que refletem nossas vastas e relevantes prioridades. Com base nesse arcabouço institucional, o relacionamento ergueu-se ao grau de Parceria Estratégica Global em 2012, quando passou a compreender o Diálogo Estratégico Global (DEG), protagonizado pelos ministros das Relações Exteriores. O Diálogo Estratégico Global é responsável por acompanhar a agenda bilateral e propiciar o intercâmbio de opiniões sobre os temas regionais e internacionais.
Nos últimos 50 anos, nossas relações econômicas desenvolveram-se quantitativa e qualitativamente. Em 20 anos, nosso comércio passou de 9 para 157 bilhões de dólares.
Em 2009, a China ultrapassou os Estados Unidos como principal parceiro do Brasil no comércio de bens. Em 2023, nossas exportações chegaram a USD 104 bilhões, valor superior às exportações brasileiras para os Estados Unidos e para a União Europeia somadas. Somos o oitavo parceiro comercial da China no mundo e o maior na América Latina. O Brasil é o principal destino de investimentos chineses na América do Sul, com mais de US$ 71 bilhões apenas entre 2007 e 2022. Nossa parceria econômica tem se expandido para áreas de alta tecnologia e inovação. Empresas chinesas investem em setores estratégicos no Brasil, como telecomunicações, energia e infraestrutura, contribuindo para o desenvolvimento econômico em nosso país.
A cooperação tecnológica bilateral é outro ponto alto dessa parceria. Projetos conjuntos nas áreas de satélites, biotecnologia, inteligência artificial e energia renovável têm gerado inovações.
A educação e a cultura são também vetores do fortalecimento das relações sino-brasileiras. Programas de intercâmbio estudantil, parcerias acadêmicas e eventos culturais têm promovido maior compreensão e apreciação mútua entre nossos povos. O ensino da língua chinesa no Brasil e do português na China tem facilitado a comunicação e o entendimento, criando pontes para futuras gerações de brasileiros e chineses.
A mais recente visita à China do presidente Lula, em abril de 2023, representou o relançamento da nossa parceria em bases cada vez mais multidimensionais. Inaugurou-se novo período virtuoso de intercâmbio de visitas de alto nível, sendo a mais recente a viagem do sr. vice-presidente da República a Pequim, em junho passado, acompanhado de expressiva delegação ministerial e empresarial.
Ao comemorarmos 50 anos de relações diplomáticas, é fundamental olharmos para o futuro com otimismo e determinação. No próximo meio século, deveremos continuar atentos ao potencial de nossa cooperação, para continuar a desenvolvê-la de modo equilibrado.
O desenvolvimento sustentável, a inovação tecnológica e a transição ecológica são áreas promissoras onde Brasil e China podem unir forças para enfrentar desafios globais. A nossa parceria também é vital para a promoção da paz e da estabilidade internacionais. Juntos, podemos trabalhar para fortalecer instituições multilaterais e promover a reforma do sistema de governança global, para que ele seja mais justo e inclusivo.
Devemos continuar aproveitando as oportunidades de ampliação do comércio bilateral. Nas últimas duas décadas, a grande demanda chinesa por alimentos e recursos naturais reforçou a complementaridade de nossas economias. Embora essa tendência seja largamente positiva, precisamos ir além e intensificar as relações entre nossos mercados, os investimentos chineses em infraestruturas e na capacidade produtiva brasileira, e o intercâmbio tecnológico.
A diversificação da pauta comercial e o estabelecimento de parcerias para a reindustrialização do Brasil e instalação de centros de pesquisa e desenvolvimento no nosso país, para produzir localmente componentes e produtos finais, são igualmente fundamentais para garantir a sustentabilidade e a resiliência de nossas economias. Ao ampliar a gama de produtos e serviços trocados entre Brasil e China, podemos reduzir a dependência de “commodities” e explorar novas oportunidades em setores como manufatura de alto valor agregado, tecnologia da informação e comunicação, energias renováveis, transportes e aviação civil. Sinergias nos marcos da Nova Indústria Brasil, do Novo PAC e do Plano de Integração Sul-Americana elevarão a renda e a qualidade de vida das nossas populações e permitirão integração de mais alto nível de nossos países.
Cabe a cada um de nós –no governo, no setor privado e na academia- relembrar que trilhamos esse caminho orientados por interesses de longo prazo, em busca de convergências e consensos.
No cinquentenário das relações sino-brasileiras, não há dúvidas de que estamos no caminho certo. Num mundo cada vez mais complexo, temos de valorizar o que construímos ao longo do tempo. Ao continuarmos a trabalhar juntos, Brasil e China podem não apenas fortalecer seus laços bilaterais, mas também contribuir para um mundo mais justo, pacífico e próspero.
Agradeço a presença de todas e de todos e desejo que este seminário proporcione novas perspectivas e reflexões para o futuro das relações sino-brasileiras.
Muito obrigada.