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Entrevista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, à TV Al Jazeera
James Bays (Al Jazeera) – Luiz Inácio Lula da Silva, Presidente do Brasil, obrigada por falar com Al Jazeera. Você está aqui no Oriente Médio num momento em que esta região está concentrada no bombardeio de Israel à Gaza, que está ocorrendo a quase dois meses. Você descreveu isso não como uma guerra, mas como um genocídio. Como cessar totalmente este bombardeamento?
Presidente Lula – Olha, James, eu acredito que falta sobretudo bom senso e autoridade das lideranças que compõem o quadro de membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Porque você não tem mais distância deliberativa. Ninguém respeita mais ninguém e nenhuma decisão elevada em conta. Os países que são membros do Conselho de Segurança Nacional da luta da ONU, ele decide fazer guerra de forma unilateral. Ninguém consulta ninguém e quando leva para votação, as pessoas têm direito a veto. Então eu diria para você que o mundo está desgovernado porque o mundo não tem liderança. Se tivesse liderança e se tivessem instâncias de deliberação o que fossem respeitadas, e deveria ser o Conselho de Segurança da ONU, não teria essa guerra porque essa guerra é uma demonstração da insanidade humanista.
Você tem um agrupamento que comete um ato terrorista. E você tem o estado que repete em mil vezes mais claro do que os terroristas fizeram porque o problema é que nós já temos quase 16 mil mortos dentre eles quase de 6.500 crianças, nós temos 36.000 feridos, nós temos 7 mil desaparecidos e nós temos 40 ou mais mil casas derrubadas, hospitais destruídos em nome do quê.
Ou seja, o ser humano tá ficando insano, o ser humano não é mais humano, ele não é mais humanista não tem mais Fraternidade, mais coração. Tá demarcado o território de Israel e território palestino, se a ONU tivesse força, ela teria garantido a coexistência dos dois estados de forma pacífica e harmoniosa, mas a ausência de comando das decisões da ONU faz com que, sabe, a gente desde 1947 a gente vê que não tem paz.
Al Jazeera – Eu gostaria de voltar ao papel da ONU, mas primeiro deixe-me perguntar sobre Israel. Porque Israel e os EUA se apoiam fortemente, dizem que têm o direito legítimo de autodefesa. Temos ao menos 50 mil palestinos mortos em Gaza, mais de 6 mil crianças, cerca de 4 mil mulheres. Isso é autodefesa?
Presidente Lula – Não, eu não diria isso. Veja, eu fiz críticas ao Hamas e eu fiz críticas mesmo sabendo que Israel tem o direito de se defender, eu acho que é preciso que na hora de se defender você não tente matar mulheres, crianças e inocentes. Se você tem um agrupamento, brigue com o agrupamento que fez uma tentativa de terrorismo, mas não fique jogando bomba onde você não tem certeza de quem está lá e matando crianças. Eu fiquei chocado quando eu vi uma pena na televisão de mulheres palestinas fazendo cesariana antecipando um parto para que as crianças não morressem, sabe, junto com elas. Cadê o humanismo? Cadê as lideranças do mundo? Cadê o Conselho de Segurança da ONU? O Brasil há 40 dias atrás apresentou uma proposta, essa proposta foi aprovada por 12 países, a Rússia se absteve e a Inglaterra se absteve e os EUA votou contra e ainda vetou.
Ou seja, onde é que está a cabeça dessas lideranças mundiais que não levam em conta que a guerra não leva a nada, a guerra só destrói, a guerra só alimenta o ódio. A guerra só poderia ser quando? No século XVI, no século XVII, mas depois da segunda guerra mundial, sabe, ficou provada a insanidade humanista por essa questão da guerra. E agora no século 21, eu não vejo... não sei por que isso... não entendo. E falta comando, falta comando para sentar com Israel, para sentar com os palestinos. Deviam ter dito: ó... Vamos cumprir a decisão de 1947, vai ter o estado de palestino vai ter o estado de Israel e vamos viver em harmonia. eu defendo até que a ONU deveria ter força uma força especial para que ela cuidasse que as suas decisões fossem obedecidas.
Porque senão, nós estamos num mundo desgovernado. Eu poderia sair de Gaza e entrar na questão ambiental. Nós fazemos COP1, COP2, COP30, COP40, COP50, decide, discute e nada é implementado. As pessoas continuam poluindo, as pessoas continuam usando combustível fóssil, as pessoas continuam tendo indústrias poluentes. Ou seja, e ninguém faz nada porque ninguém cumpre. Até hoje, até hoje o protocolo de Kyoto não foi cumprido. Até hoje as decisões do encontro de Paris não foram cumpridas. Até hoje a COP15 não foi cumprida. Ou seja, então de COP em COP a gente vai apenas constatando que o planeta está se destruindo e que o ser humano não é mais humano, que o ser humano não é mais racional e que o ser humano é o único animal capaz de destruir o seu habitat natural.
Al Jazeera – Senhor presidente, eu gostaria de voltar à crise climática um pouco mais a frente, mas voltando à Gaza, como disse, o Brasil atualmente faz parte do Conselho de Segurança da ONU. Está terminando seu mandato de dois anos no Conselho de Segurança da ONU. Você apresentou aquela resolução que acabou de mencionar, apelando a políticas humanitárias. Os EUA vetaram essa resolução, que teria passado não fosse pelos EUA. Então, 29 dias depois, uma resolução muito similar foi apresentada e os EUA deixaram esta passar. Pelos meus cálculos, nesses 29 dias, houve 7.600 mortes adicionais, 3.653 delas foram de crianças. O que fazer dessa atitude dos EUA?
Presidente Lula – Essa é uma resposta, James, que eu, que eu sinceramente, eu não consigo compreender. Eu não consigo compreender como é que um homem da importância do Presidente Biden, presidente do país mais importante do planeta, não tenha tido a sensibilidade de dar um grito para parar aquela guerra. Eles têm muita influência sobre Israel. Tem muita influência econômica, financeira, militar, política. Então poderia ter parado aquilo ali. Senta em uma mesa de negociação para conversar. A palavra custa menos que uma arma, a palavra mata menos que um fuzil. Uma guerra não leva a nada. Então, esperar matarem 7 mil crianças, 15 mil pessoas e destruir milhares de casas, sabe, destruir hospital e até a criança dentro do hospital, para depois aceitar um acordo que já poderia ter sido feito.
Já tinha acontecido comigo isso, James, quando a União Europeia e os Estados Unidos estavam querendo que o Irã não enriquecesse urânio acima do limite científico, eu fui até o Irã conversar com Ahmadinejad. Só porque o nosso acordo foi bom, o Estados Unidos não aceitou e aumentou as punições contra o Irã. Dois anos depois fizeram um acordo pior do que o acordo que nós tínhamos feito. Então eu lamento. Eu lamento pelo povo palestino, lamento pelo povo de Israel que morreu e lamento pela importância do Estados Unidos não ter tomado a decisão certa na hora certa para evitar a guerra.
Al Jazeera – Uma das vantagens de estar no topo da mesa política há tanto tempo, já são mais de 20 anos, é conhecer todos os protagonistas. Conhece o presidente Biden, e como presidente que registra seu terceiro mandato como presidente do Brasil, você certamente conhece o primeiro-ministro Netanyahu, porque ele é o primeiro-ministro há mais tempo no cargo na história de Israel. O que você acha que está conduzindo as ações dele? Como alguém que o conhece, o que você diria a ele?
Presidente Lula – Olha, eu não digo nada. Efetivamente como governante é uma pessoa muito extremista, de extrema direita, com pouca sensibilidade humana, com pouca sensibilidade para os problemas do humanismo do povo palestino. Ou seja, o povo palestino evita o primeiro-ministro de Israel como se fosse uma coisa qualquer insignificante. Como se fosse um ser de terceira ou quarta categoria. Ele precisa aprender a respeitar, sabe, que o povo palestino merece ser tratado com o mesmo respeito que o povo judeu, que o povo palestino tem o direito de ter a sua terra demarcada em 1967 e a ONU tem que obrigar a Israel e aos outros países a cumprir com isso.
Eu acho, eu acho que o primeiro-ministro de Israel, é inclusive uma pessoa, eu diria, muito pressionada. Tem muita gente de oposição a ele em Israel e eu espero que Israel... eu já conheci o primeiro-ministro Rabin, eu conheci várias outras pessoas de Israel que tinham mais sensibilidade e que poderiam efetivamente trabalhar. Mas o Rabin foi morto por fanáticos e de lá para cá as coisas só pioraram em Israel.
Al Jazeera – As ações de Israel comandadas pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu resultaram em bombardeios indiscriminados, ataques deliberados e repetidos a hospitais, deslocamento forçado de pessoas do norte de Gaza. Muitos dizem que esses são crimes de guerra. Países liderados pela África do Sul e também Bangladesh, Bolívia, Camarões, Djibuti estão apelando para que a Corte Criminal Internacional atue com as medidas cabíveis. O Brasil vai seguir esse caminho?
Presidente Lula – Eu, eu prefiro acreditar na capacidade da gente dialogar e encontrar uma solução. Uma das razões pelas quais eu vim no Catar hoje, além de tratar de negócio com o governo do Catar, foi agradecer ao papel, ao papel por aqui, sabe, que foi muito solidário para liberar 32 brasileiros que estavam em Gaza, para liberar outros 67 brasileiros que ainda estão em Gaza e também liberar alguns reféns que eram brasileiros que estava na mão do Hamas. Eu vim agradecer também ao Emir do Catar a solidariedade que ele teve e o trabalho que ele fez para tentar criar essa pausa de alguns dias para poder ver se a gente salva as pessoas.
Eu sinceramente posso te dizer uma coisa: o que está acontecendo na faixa de Gaza, não é uma guerra tradicional daquelas que a gente vê em filme daquela que a gente aprende a ler, o que está acontecendo é um genocídio. Sabe, matando milhares de crianças que não tem nada a ver com isso, mulheres que não tem nada a ver com isso e destruindo as coisas que levaram anos para ser construídas. Então, eu sinceramente acho que o estado não pode ser aceito, assim nós não vamos a lugar nenhum.
Eu espero que a gente possa encontrar, definitivamente, uma solução de paz, porque o mundo está precisando de paz, tem muita gente, tem muita gente deformando a palavra democracia. Tem muita gente desrespeitando a palavra democracia. O extremismo de direita está mais vivo do que nunca. Os discursos nazistas, o discurso fascista, estão espalhados pelo planeta. A democracia está perdendo espaço a democracia está perdendo o charme porque a liderança definitivamente não cumpre com o seu papel de atender aos interesses da maioria do povo do mundo.
Al Jazeera – Você fala sobre a busca pela paz, e muitos estão falando novamente sobre a solução de dois estados. Por décadas o EUA tomou a frente da diplomacia disso e disse aos demais países para ficarem de lado que iriam liderar essa diplomacia em Israel e na Palestina. E eles basicamente dobraram a Palestina. Eles fizeram o Pacto Abraâmico e ignoraram os palestinos. Chegou a hora de uma abordagem diferente, uma abordagem multilateral para este problema?
Presidente Lula – Chegou. Eu vou te dizer uma coisa: há muito tempo, eu tenho dito a paz no Oriente Médio não é uma questão de reunião do departamento do estado dos Estados Unidos, com o ministro de Israel. É preciso colocar na mesa de negociação da Paz, sabe, os outros agrupamentos. Todos aqueles que estão envolvidos. É preciso sentar na mesa. O Irã tem importância, coloque na mesa. O Catar tem importância, coloque na mesa. Os agrupamentos dos palestinos têm importância, coloque na mesa e vamos tentar encontrar uma solução. Porque não adianta demarcar uma terra e no dia seguinte essa terra é invadida pelos colonos, sabe? Não tem sentido.
Então eu acho que é importante depois dessa guerra, a gente tomar uma atitude mais drástica para a gente evitar novos conflitos no mundo. O mundo está precisando de paz, de tranquilidade. Porque nós temos 735 milhões de seres humanos passando fome no planeta. Nós temos milhões de pessoas atravessando oceanos para sobreviver, a busca de sobrevivência, a busca de dignidade. Enquanto a gente não tem dinheiro para investir nessas questões humanitárias, já se gastaram nessa guerra da Ucrânia e da Rússia dois trilhões, 224 bilhões de dólares. Dinheiro que poderia servir para acabar com a fome no mundo, para fazer uma revolução agrícola em vários países africanos.
Sabe, mas isso não é levado em conta. Então de vez em quando me perguntam onde é que estão os governantes, sabe, que tem o poder de decisão dos países ricos. Que tem dinheiro que poderia tomar uma atitude para ajudar os países pobres a sair da pobreza. Onde é que está, quando é que a gente vai acabar com a fome no mundo que já produz mais alimentos do que as pessoas necessitam.
Al Jazeera – Deixa eu te perguntar mais sobre a guerra na Ucrânia, já que a mencionou. Você falou sobre um acordo mediado, falou sobre um clube de nações da Paz. Você conhece a resposta da Ucrânia, EUA e europeus, que defendem a Ucrânia. Eles dizem que se a guerra acabar agora, Putin vai manter tudo aquilo que conquistou invadindo e violando leis internacionais e a carta da ONU.
Presidente Lula – É preciso a gente perguntar quantas vezes foram violadas as cartas da ONU. A invasão que a França e a Inglaterra fizeram na Líbia não feriu a carta da ONU? A invasão dos Estados Unidos no Iraque não feriu a carta da ONU? Esta guerra entre Israel e o Hamas não feriu a carta da ONU? Quantas vezes a carta da ONU foi ferida? O que eu acho é o seguinte, você tem uma guerra. Bem, a Rússia diz que a Criméia tem outras regiões que foram invadidas que o Putin acha que é da Rússia e o Zelensky diz que é da Ucrânia. Olha, porque ao invés de fazer guerra as pessoas não fazem um referendo para perguntar para o povo de quem que você quer ser, se quer ser ucraniano ou quer ser russo. Você quer ficar de que lado? Seria muito mais barato. Muito menos custoso do que essa guerra.
Al Jazeera – Isso não encorajaria outros países que tem reivindicações territoriais a iniciar uma série de invasões ao redor do mundo e destruir o princípio central da Carta da ONU, que veio após o que Hitler fez na década de 1930? Países não podem invadir outros países.
Presidente Lula – É bem possível, o Brasil foi o primeiro país a condenar a invasão territorial da Ucrânia. O Brasil foi o primeiro país a condenar a Rússia por invadir o território ucraniano, tá? Bom, a guerra está lá acontecendo como é que resolve isso? Continua na guerra? Porque todo mundo acha o seguinte: ah, vai derrotar Putin, vai derrotar... vai derrotar o Zelensky. Ou seja, enquanto não são derrotados os líderes, o povo vai morrendo.
Quem é que morre? Inocente. Quem é que fica desempregado? Inocente. Quem é que fica perambulando pelo planeta? Inocente. Ou seja, será que compensa? Os dirigentes políticos perderam a insanidade mental e não se sentam para discutir. O que custa fazer uma reunião a mais, 10 reuniões a mais, 15 reuniões a mais. Que custa fazer?
É muito mais barato e muito mais humanamente justo do que ficar dando tiro e matando e jogando bomba com drone. Eu, sinceramente, eu não consigo entender. Eu tenho 78 anos de idade. Nesses meus 78 anos de idade eu já vivi muita coisa e eu fico imaginando, o ser humano está ficando irresponsável com o humanismo, está acabando o humanismo, está acabando a fraternidade. Está acabando a solidariedade. Está crescendo o individualismo e o negacionismo.
E onde que a gente vai parar? Como é que vai ficar a democracia nesses próximos 20 ou 30 anos, se nós não dermos resposta aos nossos problemas graves que o povo está vivendo hoje?
Al Jazeera – O Brasil está assumindo a presidência do G20. Parabéns. Isso significa que a Cúpula do G20 será no Rio no final do próximo ano, final de 2024. O presidente Putin será bem-vindo, posto que ele tem um mandado de prisão da Corte Criminal Internacional? Ele poderá ir ou você será obrigado, como signatário do Estatuto de Roma, que criou o tribunal, a prendê-lo?
Presidente Lula – Veja, eu não entendo... eu não entendo de direito. Portanto eu tenho pouca capacidade de avaliação, mas uma das acusações que pesou contra o Putin é o sequestro de crianças. E agora nessa guerra em Gaza também tá tendo sequestro de crianças. Também está tendo sequestro de crianças dos dois lados. O Putin será convidado. O Putin será convidado para o G20. Este ano vai ter, ano que vem vai ter o BRICS na Rússia e eu vou participar da reunião do BRICS e o Putin será convidado. Ele só não vem se ele não quiser vir. Porque ele será convidado. Porque eu penso, eu penso que juridicamente o Putin deve ter seus advogados para dizer o que ele deve fazer ou não. Mas se ele vier no Brasil eu vou dar garantia de que ele vai ser respeitado, ele não vai ser molestado. É o mínimo que eu posso fazer. Nós temos, sabe, nós temos tribunais e estes tribunais podem avaliar, o que é que pode acontecer no Brasil.
Mas o que é importante para mim é que no G20, com a presença ou sem a presença do Putin, nós vamos discutir uma coisa chamada desigualdade e pobreza. Nós vamos discutir uma outra coisa muito importante que é a questão do clima e nós vamos discutir uma coisa importante que será governança mundial. Como é que a gente vai mudar, vai entrar mais países no Conselho de Segurança da ONU? Vai ter mais membros permanentes? Vai ter membro de veto? Porque, por exemplo, por que a África não está representada no conselho de segurança da ONU? Por que que a Índia não está presente? Por que que o Japão não está presente? Por que que o Brasil não está presente? Por que que o México não está presente? Ou seja, a geopolítica de 1945 acabou. Temos que construir agora geopolítica de 2025. Mas não podemos ficar agindo com as mesmas instituições da metade do século passado, James.
Então, eu acho que no G20 no Brasil nós vamos tentar discutir temas muito importantes. Só para você ter ideia nós vamos ter mais de 65 reuniões ministeriais. E vamos ter uma grande movimentação popular. Nós vamos fazer um G20 popular. Vamos colocar centenas e centenas de debates para população, para que a população diga aos governantes o que que a população espera que seja feito no nosso querido mundo.
Al Jazeera – Você mencionou a crise climática e uma das principais razões de estar aqui no Oriente Médio é para participar da COP28 que está acontecendo em Dubai. Como presidente do Brasil, e recém presidente do G20, você está otimista ou pessimista com a forma com que o mundo está lidando com isso hoje?
Presidente Lula – Olha, James, há duas coisas importantes. Primeiro, o Brasil assumiu o compromisso público, por mim, que é o compromisso da gente chegar a desmatamento zero na Amazônia em 2030. Então, compromisso é quase uma profissão de fé. Mas ao mesmo tempo não basta você diminuir o desmatamento.
É preciso que você lembre que embaixo de cada copa de árvore existe um ser humano, existe um indígena, existe um pescador, existe um pequeno trabalhador rural lutando para sobreviver. Então, além de você ter uma política de preservação da floresta, nós no Brasil, estamos com uma política muito forte de fazer com que a gente produza todo tipo de energia renovável. Todo tipo. Até hidrogênio verde o Brasil está com grande investimento e nós estamos convidando outros parceiros para construir. Porque o Brasil vai te transformar no centro da energia renovável do planeta Terra.
E, ao mesmo tempo, nós estamos colocando 40 milhões de hectares de terra degradada para serem recuperadas, para quem quiser investir e plantar o que quiser, inclusive plantar árvores. Para que a gente possa reflorestar o mundo. O Brasil tem espaço e nós estamos fazendo uma verdadeira revolução nesses próximos anos. E isso vai levar muita, mas muita, sabe, coisa de demonstração real para o povo. É possível fazer e nós vamos fazer.
Al Jazeera – Senhor presidente, vai ser mais difícil desta vez do que nos dois mandatos anteriores, para fazer isso e para fazer outras coisas? Porque você está enfrentando desafios econômicos mais difíceis e a situação política é diferente. Sua eleição, você foi eleito pela terceira vez, mas foi um resultado mais estreito desta vez. Você vai enfrentar desafios maiores?
Presidente Lula – Eu, em 2003, recebi o país das mãos de um governo democrático. O presidente Fernando Henrique Cardoso é um democrata. E ele me entregou o governo, sabe, numa situação estável e nós tivemos facilidade de recuperar esse país. Agora eu recebi um governo semidestruído de um fascista. Eu recebi o governo de um negacionista, uma pessoa que não acreditava no Congresso Nacional, que não acreditava no Senado, na Câmara. Que não acredita na justiça. Que não acredita na Suprema Corte. Que não acredita em nenhuma instituição. Que não fazia contato com ninguém no planeta Terra. Então, eu recebi um governo semidestruído.
Só para você ter ideia, neste primeiro ano, nós tivemos que recuperar 59 políticas de inclusão social que tinham sido destruídas no nosso país. Esse ano, nós conseguimos recuperar todas as políticas. Eu viajei muito ao mundo para tentar reconstruir a nossa relação Internacional. E agora, este ano, nós apresentamos um programa de desenvolvimento. É o maior programa de investimentos e infraestrutura da história do Brasil e nós estamos procurando parceiros para implementar essa nossa política. E eu acho que nós vamos recuperar o Brasil.
Tá mais difícil? Está. Mas também se tivesse coisa fácil não precisava eu ter disputado eleições. Eu falo das eleições porque eu era naquele momento histórico a única pessoa capaz de ganhar as eleições. Eu ganhei e vou cumprir com cada palavra que eu me comprometi diante de todo povo brasileiro. Recuperar o Brasil. Eu, quando deixei a presidência, o Brasil era a sexta economia do mundo. Quando eu peguei agora o Brasil era a décima segunda economia do mundo. Então, nós temos que trabalhar muito para poder angariar, sabe, compromissos políticos com outros países.
E, por isso, eu estou aqui e vou para a COP 28 para dizer: o Brasil vai cumprir a sua parte. Eu quero saber quem vai cumprir. Porque os países ricos prometeram US$ 100 bilhões na COP 15 em 2009 e até hoje esse dinheiro não chegou. Nós precisamos parar com as promessas e começar a fazer políticas.
Al Jazeera – Para finalizar, senhor presidente, o senhor falou sobre seu antecessor, presidente Bolsonaro. Ele representa uma marca de populismo de direita que parece existir ao redor do mundo todo, como vimos nas eleições recentes da Argentina, mais distante, na Holanda, Geert Wilders, que já é conhecido há décadas, agora lidera o grupo mais popular da Holanda. E agora se aproxima uma grande eleição, ano que vem nos EUA. Nós sabemos o que você pensa sobre Donald Trump por dedução, já que disse que Bolsonaro é um imitador fiel de Trump. Por isso, eu acho que sabemos o que pensa sobre o presidente Trump. Quão prejudicial seria para o Brasil e para o mundo a reeleição de Donald Trump? Ou por alguém que compartilha da mesma ideologia?
Presidente Lula – Olha, deixa eu te dizer uma coisa, James. Primeiro, é muito difícil dar palpite sobre quem vai ser eleito em outro país. O resultado eleitoral é um momento de manifestação de um povo. Se ele escolhe certo, ótimo, ele ganha. Se ele escolhe errado, ótimo, ele não vai ganhar. Então, o que eu penso é que vença as eleições aquela pessoa que o povo acredita que vai melhorar sua vida. O Brasil vai conviver com quem foi eleito em qualquer lugar do mundo, porque nós não vamos interferir nas eleições.
Mas o que eu quero mesmo é fortalecer a democracia. O que eu quero mesmo é que as pessoas eleitas gostem do povo pobre, gostem do trabalhador, gostem de preservação ambiental, respeitem as mulheres, respeitem o pessoal representados pela LGBTQIA+, sabe. Se a gente tiver o fortalecimento da democracia porque a democracia nada mais é do que você aprender a conviver democraticamente na diversidade. Ninguém quer que o outro seja igual a você. Sejamos diferentes, mas sejamos razoáveis. Mas sejamos humanistas. Ou, pelo menos, sejamos democratas. Vivamos em paz com quem a gente gosta e com que a gente não gosta. Porque é isso que interessa na nossa vida aqui no planeta Terra.
Al Jazeera – Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, obrigado por falar com a Al Jazeera. Muito obrigado.
Presidente Lula – Obrigado. Obrigado a você, James.