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Entrevista do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em ocasião da Cúpula do G7
Eu queria começar a entrevista fazendo um gesto de solidariedade a um jogador brasileiro, jovem, negro, que joga no Real Madrid e que ontem, num jogo no estádio do Valência ele foi fortemente atacado sendo chamado de macaco. Ou seja, não é possível que quase no meio do século 21 a gente tenha o preconceito racial ganhando força em vários estádios de futebol aqui na Europa.
Não é justo que o menino pobre, que venceu na vida, que está se transformando possivelmente num dos melhores jogadores do mundo, certamente do Real Madrid ele é o melhor, é ofendido em cada estádio que ele comparece. Eu penso que é importante que a Fifa, que a Liga Espanhola, que as ligas de outros países tomem sérias providências porque nós não podemos permitir que o fascismo tome conta, que o racismo tome conta dentro dos estádios de futebol.
Dito isto, eu queria dizer para vocês que a minha vinda a esse encontro do G7 é ainda o cumprimento de uma tarefa que eu me propus quando fui candidato a presidente da República.
Quando nós deixamos a presidência em 2010, o Brasil era um bom protagonista internacional. O Brasil era levado em conta para todas as conversas que se tinha nesse mundo sobre desenvolvimento, sobre meio ambiente, sobre a questão do clima e depois o Brasil passou seis anos no anonimato.
O Brasil virou pária no mundo político porque ninguém queria ouvir o Brasil e o Brasil também não queria ouvir ninguém, porque quem governou o Brasil era efetivamente uma figura atrasada, apolítica, que não entendia a necessidade da boa política de relações internacionais e a minha vinda aqui se deu pelo fato de que o Brasil vai presidir os Brics a partir do ano que vem.
O Brasil vai presidir o G20 e estas pessoas que estavam aqui fazem parte do G20 e é importante que essas pessoas participem do G20 no Brasil no ano que vem.
E também pela oportunidade de fazer a quantidade de bilaterais que eu fiz, foram dez bilaterais. Além das bilaterais, eu tive uma outra reunião, aqui neste salão, com quatro grandes empresários japoneses da Mitsui, da Toyota, Nippon Steel, NEC e o banco de investimento japonês. Tive conversas informais com a Coreia, com os Estados Unidos, com CDE, com a OMC, com o Reino Unido e com a União Europeia.
Vocês vão perguntar e a Ucrânia? O fato é muito simples, ou seja, tinha uma entrevista, uma bilateral com a Ucrânia aqui nesse salão às 15:15 da tarde. Nós esperamos e recebemos a informação de que eles tinham atrasado. Enquanto isso, atendi o presidente do Vietnã. E quando o presidente do Vietnã foi embora, a Ucrânia não apareceu. Certamente teve outro compromisso e não pode vir aqui. Foi simplesmente isso que aconteceu.
Eu ouvi atentamente o discurso do Zelensky no encontro. Ele certamente ouviu meu discurso atentamente no encontro e eu continuo com a mesma posição que eu estava antes. Eu estou tentando com outros países como a Índia, como a China, como a Indonésia e outros países a construir um bloco para tentar construir uma política de paz no mundo.
O mundo não está precisando de guerra. O mundo está precisando de paz, de tranquilidade para que o mundo volte a crescer e distribuir riqueza para o povo pobre que passa fome neste mundo. Dito isso, eu quero dizer para vocês que o Brasil está de volta para fazer o jogo internacional e para ajudar o mundo a cumprir as metas estabelecidas para combater o efeito estufa no mundo.
O Brasil vai assumir o seu compromisso desmatamento zero na Amazônia até 2030. O Brasil está fazendo uma transição energética muito profunda. O Brasil é o país do mundo que tem energia elétrica mais limpa. 87% da nossa energia elétrica é renovável e 50% de toda a energia brasileira é renovável contra 15% do mundo. Na elétrica, o Brasil tem 87% de renovável contra 28% no mundo.
Então, o Brasil tem autoridade moral e política para discutir a questão do clima com todos os outros países do mundo. Nós não queremos transformar a Amazônia num santuário da humanidade. O que nós queremos é entender que na Amazônia moram 28 milhões de pessoas e essas pessoas têm o direito de viver, de trabalhar, de comer, de ter acesso aos bens materiais que todos nós queremos ter e por isso nós precisamos explorar não desmatando, explorar a riqueza da biodiversidade da Amazônia para saber se a gente pode inclusive extrair possibilidade de desenvolver uma indústria de fármaco, uma indústria de cosméticos para gerar empregos limpos para que a Amazônia possa sobreviver e para que a humanidade possa sobreviver.
Nós vamos ter em agosto uma reunião com oito países amazônicos, todos os países da América do Sul que fazem parte da Amazônia: Equador, Bolívia, Peru, Venezuela, Colômbia, mais as Guianas e o Suriname. Inclusive, se a França se quiser, a França tem um pedacinho da Amazônia, porque a França tem a Guiana Francesa que tem uma parte considerável do território da Amazônia.
E nós vamos fazer um encontro para tentar firmar uma política unificada dos países amazônicos e ver qual é a política que nós vamos ter para os indígenas, porque é, na verdade, uma política séria para evitar o desmatamento e controlar as nossas florestas e os indígenas podem ser efetivamente os grandes guardiões da floresta.
E aí vale para o Brasil e vale para os outros países da América do Sul. Também vamos encontrar e discutir com a Indonésia sobre a questão da floresta do Congo para que a gente possa, enquanto mundo que ainda tem floresta, oferecer para o mundo uma possibilidade de tratar seriamente a manutenção destas florestas, desde que o mundo rico cumpra com os compromissos que tem firmado na COP 15 em Copenhague, no encontro de Paris.
Ou seja, em todas as COPs as pessoas falam que vão doar 100 bilhões de dólares ao ano para que os países em desenvolvimento possam preservar a natureza. Nós estamos aguardando. Obviamente que tem o fundo o Fundo Amazônia, que foi criado com a Noruega e com a Alemanha. Os Estados Unidos ofereceram 500 milhões outro dia, a Inglaterra também ofereceu 500 milhões, mas ainda falta muito para os 100 bilhões que eles estão prometendo.
De qualquer forma, o Brasil vai fazer por conta própria aquilo que o Brasil tem que fazer. Preservar a Amazônia é dever e responsabilidade do povo brasileiro. É o que o Brasil pode oferecer ao mundo. É tranquilidade de que a nossa Amazônia não vai ser extinta. Quem quiser cortar uma árvore para fazer móveis, fazer cadeira, fazer mesa, fazer cama, que plante uma floresta e corte o tanto que ele quiser, mas não na Floresta Amazônica. Ela não é de ninguém. Ela é do povo e ela é do planeta, embora seja território soberano do nosso país.
Dito isso, estou à disposição de vocês para responder às perguntas.
Marcos Uchôa (TV Brasil) — Nós estamos numa cidade que sofreu, em 1945, pela primeira vez, uma possibilidade de uma ameaça de destruição do planeta, que é uma coisa que (a partir da arma nuclear) a gente está vivendo. E agora a gente está vivendo essa possibilidade de destruição do planeta a partir da questão do meio ambiente. Se o senhor sentiu uma certa frustração na medida que essa reunião do G7 absorveu muita coisa ligada à guerra da Ucrânia — e, claro, tem possíveis ramificações nucleares, que não se espera, mas, enfim, é possível... e houve... existiram algumas coisas concretas para o Zelensky, como o F16, que abriram — e em relação ao meio ambiente ficou num segundo plano, mais uma vez, muito mais no nível de retórica do que de coisas concretas. Quer dizer, você sentiu nessas reuniões bilaterais ou nas conversas, uma vontade real de fazer algo mais concreto?
Muitas vezes eu acho que o discurso é feito muito mais para o eleitorado de cada representante dos países do que é para respeitar a natureza. Vamos ser francos. Nós temos o Protocolo de Kyoto há quanto tempo? Quais países cumpriram o Protocolo de Kyoto? Nós temos o Acordo de Paris há muito tempo. Quantos países cumpriram o Acordo de Paris?
Eu tenho dito: nós precisamos ter uma governança global muito forte. É por isso que eu reivindico a necessidade de mudar o Conselho de Segurança da ONU, colocando mais países e ao mesmo tempo tirar o direito de veto, para que você possa decidir uma coisa numa COP e cumprir aquela coisa.
Porque o dado concreto é que não cumpre. Cada país, quando volta da decisão, o seu Congresso não aprova, os seus empresários não querem e na questão climática não pode ser assim. Na questão climática, a gente tem que decidir e obrigar todos os países a cumprirem, com pena de esses países serem punidos.
Aí sim, vale você ameaçar a punição para quem não cumpre uma decisão coletiva, tirada no encontro internacional para discutir a questão do meio ambiente. Ou seja, o planeta é um barco que todos nós estamos lá. Não vai ser possível uma parte morrer e a outra não morrer.
Obviamente, que os pobres sempre pagarão o preço primeiro. O que nós queremos é o seguinte: se dá para salvar o planeta, vamos salvar. E é importante ter em conta que as pessoas não levam a sério, apesar de fazerem muito discurso. Eu digo isso porque nem os 100 bilhões, que começaram a prometer a partir de 2009, na COP 15, em Copenhague, foi cumprido por ninguém. Então é o seguinte: é preciso levar muito a sério. Por isso eu estou reclamando a mudança no Conselho de Segurança da ONU e que entrem mais países da América Latina, mais países da África, que entre o Japão, que entre a Alemanha, que entre a Índia, que entrem países importantes.
A África tem 54 países. Por que a África não tem um ou dois representantes? Ou seja, a ONU de 1945 já não existe mais. Ela foi criada para manter a paz no mundo. Mas ela não tem mais autoridade para manter a paz no mundo, porque são os membros do Conselho de Segurança que fazem guerra.
Vamos ver os Estados Unidos e o Iraque. Foi discutido no Conselho de Segurança? Não? Vamos ver a Inglaterra e a França quando invadiram a Líbia. Foi discutido no Conselho de Segurança? Não. Vamos ver o Putin agora. Foi discutido no Conselho de Segurança? Não.
Ou seja, só os membros do Conselho de Segurança que não obedecem ao Conselho de Segurança. Então é preciso mudar, dar mais representatividade, mais legitimidade para que o Conselho possa ter a força que precisa ter para manter a paz do mundo.
Se o conselho funcionasse como deveria funcionar, possivelmente não tivesse acontecido a guerra da Ucrânia com a Rússia. Possivelmente, se o Conselho de Segurança tivesse força para negociar. O dado concreto é que não tem.
Ontem, não sei se vocês viram, o discurso do próprio secretário-geral da ONU dizendo que, lamentavelmente, não tem força. Em 1948, a ONU teve força para criar o Estado de Israel. Hoje, a ONU não tem força para manter a paz entre Israel e palestinos, nem consegue fazer com que a terra demarcada fique intacta porque Israel, de vez em quando, ocupa uma parte das terras que são dos palestinos.
Então, é preciso uma instituição séria que tenha peso, que tenha a força e que tenha autoridade política para tomar decisões e que elas sejam cumpridas. E na questão do clima isso é primordial. Ou todos nós entendemos que o barco é um só, ou todos nós entendemos que o planeta redondo, ou todos nós entendemos que uma desgraça que vier vai pegar todo mundo de calça curta. Os cientistas estão nos prevenindo. Então, é importante ter clareza de que nós somos os responsáveis de nos salvar ou de nos matar.
Jornalista estrangeiro — (tradução simultânea) Eu gostaria de perguntar sobre a relação entre a Ucrânia e a Rússia. E o senhor mencionou agora que o senhor não conseguiu entrar... O senhor gostaria de se encontrar com o presidente Zelensky se houver alguma chance no futuro?
Presidente Lula: Faz quinze dias que eu mandei meu ex-ministro da Relações Exteriores ir a Ucrânia falar com o Zelensky. O que eu sinto é que nem o Putin nem o Zelensky estão falando em paz neste momento. Me parece que dois acreditam que alguém vai ganhar e que não precisam discutir a paz. Eu estou convencido que se não houver uma discussão sobre a paz, esta guerra pode ser muito longa. Eu acho que é importante a gente evitar que continuem morrendo gente. E somente a paz é que vai fazer isso.
O que eu estou pedindo é que os países que ainda não se envolveram com a guerra — e eu citei a China, citei a Índia, citei a Indonésia, citei o Brasil, que são os maiores países — que estão tentando construir a possibilidade de construir paz. Mas paz só é possível se os dois quiserem.
Eu acho que, na hora que for necessário encontrar com o Zelensky e depois encontrar o Putin, eu não tenho problema nenhum de viajar à Ucrânia e viajar à Rússia. Mas, por enquanto, pelo que eu ouvi do meu representante, não é possível neste instante.
Então primeiro nós temos que ver é quando um dos dois vai querer discutir a paz. Ontem, vocês viram o discurso do presidente Biden, que não fala em paz. Ele fala que a Rússia vai ter que abandonar e eu não sei se ela vai abandonar.
Eu acho que é preciso ter gente que possa construir uma saída para que se encontre a paz. Todos nós condenamos a ocupação territorial da Ucrânia. Não tem ninguém que não condene. Achamos que os russos não deveriam ter o direito de fazer isso. A Ucrânia está certa em defender o seu território, mas isso vai até quando?
Então é preciso que tenha pessoas com disposição de conversar. Eu conversei com Xi Jinping e com a Indonésia ontem. Então há um grupo de países do Sul que querem encontrar paz que o Norte não está conseguindo fazer. Então tem uma parte que quer a guerra e uma parte que quer a paz. Espero que a parte que queira a paz saia vencedora disso.
Jornalista estrangeira (Reuters) — (tradução simultânea) Muito obrigado pelo seu discurso e todas as explicações que o senhor deu aqui, sobre as suas reuniões e seu plano de paz. Eu queria seguir com a ideia de plano de paz. O senhor disse que talvez... falou com muitos líderes aqui. Como é que seu plano de paz está avançando, presidente? Depois de seus encontros com os líderes mundiais, o senhor está vendo alguma data possível? Quando o seu grupo de paz, para a guerra... Qual é a principal vantagem de sua proposta de paz, comparada com outras como a da China, por exemplo? Qual a diferença da sua proposta com relação à do presidente chinês?
Deixa eu te dizer uma coisa: só é possível discutir a paz quando o Zelensky e o Putin quiserem discutir a paz. Não é possível construir uma proposta em guerra. O que nós queremos é que primeiro pare a guerra, parem os ataques e vamos tentar dialogar para encontrar uma saída negociada para a Ucrânia para a Rússia. É isso que nós queremos.
Não é possível você construir um plano de fora para dentro. Quem tem que querer o modelo de paz é a Ucrânia e a Rússia. Não é a China, não é o Brasil, não é a Indonésia. Ou seja, o que nós queremos é o seguinte: primeiro parem a guerra, parem os tiros, parem as mortes e aí vamos sentar em torno de uma mesa, no território que os dois escolherem, e então nós vamos começar a negociação. É assim que a gente vai encontrar a paz.
Ninguém tem um modelo pronto. O modelo pronto será deles.
Felipe Santana (TV Globo) — Presidente, da mesma forma como "quando um não quer, dois não brigam", "quando dois querem, dois se encontram", não é? Quando o Zelensky chegou e foi lá encontrá-lo, o senhor encontrou o Zelensky lá no painel que participou e postou, inclusive, nas redes sociais foto com o Biden, com quem o senhor também não tinha feito uma bilateral. O senhor está falando que o Zelensky talvez não queira a paz nesse momento, então foi por esse motivo que não houve um esforço maior do Brasil de encontrar o Zelensky?
Não, não sei. Deixa eu te falar: os meus diplomatas estão aqui. Eles marcaram uma agenda com Zelensky às 15:15. Às 15:15 nós recebemos o recado de que o Zelensky estava atrasado. E eu atendi o presidente do Vietnã. Demorou quase uma hora o atendimento do presidente do Vietnã e o Zelensky não veio. É isso o que aconteceu. Aconteceu isso. Se ele teve um outro problema mais sério, se ele teve alguma atitude, um encontro mais importante, eu não sei.
O dado concreto é que estava marcado aqui neste salão, às 15:15, o encontro com o Zelensky, é só isso...
Felipe Santana (TV Globo) — Ele falou que o senhor teria ficado decepcionado com esse encontro que não aconteceu. O senhor ficou decepcionado? Ele falou na coletiva de imprensa que o senhor teria ficado decepcionado.
Eu não fiquei decepcionado. Fiquei chateado, porque eu gostaria de encontrar com ele e discutir o assunto. Por isso que eu marquei aqui no hotel. Apenas isso.
Veja, o Zelensky é maior de idade e ele sabe o que faz. No momento em que os convidados do G7 iam discutir com os G7, porque ele não tinha discutido antes. Então foi isso, não deu. Mas não faltará oportunidade para a gente se encontrar e conversar.
Eu, quando tiver percebendo que as pessoas querem, efetivamente, negociar, eu quero dizer que estou pronto a ir na Rússia, a ir na Ucrânia, a ir ao Egito, a ir no fim do mundo para tentar discutir o fim dessa guerra. Agora, não porque os dois não querem.
Eu estou dizendo para você que o Celso Amorim foi lá, foi na Rússia e depois foi na Ucrânia. O Celso falou que, por enquanto, eles não querem conversar sobre paz. Se um tem uma proposta, quer a rendição do outro. Se o outro tem a proposta, quer a rendição do outro. Ou seja, ninguém vai querer se render.
Negociação não é rendimento. Negociação é negociação. E vai ter um momento em que vai querer ter negociação. Tem momento em que a gente não quer e tem momento em que a gente quer. Eu acho que o mais rápido possível deveria ser encontrar uma forma de sentar, a Rússia e a Ucrânia, em torno de uma mesa com quem eles escolherem para serem os mediadores e tentar encontrar uma solução. É isso que eu acho que deve acontecer e é para isso que eu trabalho.
Eu lembro que em 10 de dezembro de 2003 (10 de dezembro de 2002) eu tinha sido eleito o presidente do Brasil e eu fui convidado para ir aos Estados Unidos. O meu amigo Bush estava alucinado para encontrar as pessoas que tinham atacado as duas torres. E mais alucinado ainda para invadir o Iraque e convidou o Brasil para participar da guerra. Dizendo, inclusive, que se o Brasil participasse da guerra, depois o Brasil iria participar da reconstrução.
Eu disse ao Putin [Bush]: o Iraque fica a 14.000 quilômetros de distância do meu país. Eu não conheço o Saddam Hussein. Por que que eu vou fazer guerra com ele?
A minha guerra é contra a fome no meu país. E outra vez eu quero te dizer que a minha guerra é contra a fome no país. Porque depois que a gente acabou com a fome em 2012, a fome voltou e nós temos 33 milhões de pessoas passando fome neste momento no Brasil.
Num país que é o terceiro produtor de alimento, o principal produtor de proteína animal do planeta Terra, ter 33 milhões com fome? Essa é a minha guerra! Fazer com que o povo brasileiro tenha emprego, fazer com que o povo brasileiro tenha salário, fazer com que ele tome café, almoce e jante de todo dia. Essa é a minha grande guerra e essa guerra eu vou vencer outra vez.
Renata Varandas (TV Record) — Bom dia, presidente. Queria saber se, com essa vinda do senhor, o Zelensky não estava previsto, de fato, para vir. Isso acabou deixando o senhor em uma saia justa, porque, de fato, a gente não estava esperando. E o G7 é todo pró-Ucrânia. E outra coisa, já que o Zelensky não veio, ele pediu, ficou pedindo pro senhor para o senhor abrir um espaço na agenda? Isso agora, sem esse contato, sem esse encontro, não reduz a possibilidade de o senhor ser o mediador desse conflito?
Primeiro, eu não uso saia justa, há muitos anos que eu não uso saia justa. A segunda coisa, veja, é que eu não estou brigando para ser mediador, não estou brigando para ser mediador.
Mediador tem que ser alguém que os dois lados concordem. Quando eu criei o Grupo de Amigos, em janeiro de 2003, para tentar restabelecer o processo democrático da Venezuela, eu propus, deliberadamente, os Estados Unidos e a Espanha. Os Estados Unidos era porque era tido pela Venezuela como o país que tinha sequestrado o Chaves e a Espanha porque foi o primeiro país a apoiar o presidente da Federação das Indústrias que ocupou o lugar do Chaves.
Quando eu coloquei os dois, as pessoas se assustaram. Eu lembro que o Fidel Castro disse para mim: Lula, você está entregando a Venezuela ao imperialismo. Eu falei: não, Fidel, eu coloquei os Estados Unidos e a Espanha porque tem que ter alguém para conversar com a oposição do Chaves. Nós não estamos criando um grupo de amigos do Chávez. É um grupo de amigos da Venezuela. É diferente.
A questão da paz na Ucrânia: os dois países têm presidente. Eles precisam querer conversar sobre a paz. Quando você fala de paz, um fala: eu só converso se o outro se render. Aí, ninguém vai render! Qual é o meu medo? O meu medo é que a gente está caminhando para a possibilidade de que possa ter uma guerra mais feroz, com arma mais poderosa.
Nós estamos aqui em Hiroshima. Ninguém jamais imaginou que os Estados Unidos iriam soltar uma bomba atômica aqui em Hiroshima e soltou, sem pedir para ninguém. Tá certo que ainda não existia o Conselho de Segurança da ONU.
Então, o que nós queremos é evitar isso. E para evitar isso, é preciso criar as condições. Então nós vamos criar, no momento que for possível, a gente vai encontrar negociação. Ontem vocês viram o discurso do Biden. O discurso do Biden de que tem que ir para cima do Putin até ele se render, pagar tudo que estragou.
Esse discurso não ajuda, na minha opinião. Esse discurso não ajuda. O que ajuda é um discurso em que diz: gente vamos sentar primeiro? Vamos esfriar a cabeça e vamos começar a conversar? E às vezes leva tempo. Leva tempo.
Quando a gente começa uma greve, que é diferente de uma guerra, a gente começa uma greve "100% ou nada". Depois de dez dias, você aceita 80, depois de vinte dias, você já aceita 70. Chega um momento em que você aceita 50 e volta a trabalhar. Uma guerra, sabe, guardada as proporções, é mais ou menos a mesma coisa. Por enquanto os dois estão convencidos de que vão ganhar a guerra. Eu quero que os dois ganhem fazendo a negociação, mas ganha a paz e não a guerra. É isso.
Eduardo Gayer (Estadão) — Presidente, o senhor registrou até que teve encontros bilaterais informais, inclusive com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. Esse encontro com o Biden até o senhor colocou uma foto na sua rede social com um abraço e tudo. Minha primeira pergunta é se o senhor chegou a cumprimentar, a ter um contato mais próximo com o Zelensky? E se o senhor, eventualmente, fez isso, porque não registrou nas redes sociais? O senhor acha que seria, se fizesse isso, perderia o discurso da neutralidade que o Brasil tenta adotar?
Deixa eu te falar, não sei se você sabe como é que funciona a entrada lá. Lá, depois que fecha a porta, não entra intérpretes. Só entra os presidentes e o ministro das Relações Exteriores. Ou seja, eu estava rascunhando em um papel algumas ideias do meu discurso. Eu acrescentei coisas de improviso no meu discurso e eu estava anotando. Eu não vi nem a chegada do Zelensky. Depois eu vi o Zelensky, deram a palavra para ele, ele falou. E depois de mais duas falas me deram a palavra, eu falei. Quando terminou eu já tinha uma agenda e já estava atrasada, porque ainda não tinha almoçado e já era quinze para as duas. E eu tive que vir para cá. Foi isso o que aconteceu.
Na hora que tiver a oportunidade de encontrar com o Zelensky, nós nos encontraremos e conversaremos. A mesma coisa vale para o Putin. Se tiver a oportunidade de me encontrar com ele, encontrarei e conversarei, porque quem quer a paz precisa conversar com todos. É isso.
Jornalista estrangeiro — (tradução simultânea) Presidente, muito obrigado por ter vindo ao Japão. Deixa eu fazer ao senhor uma pergunta. Uma é sobre a China: que tipo de relação econômica que o Brasil quer ter com a China? E no G7, que acabou ontem essa Cúpula que quer reduzir a dependência econômica da China... eles querem que os membros do G7 reduzam a dependência econômica deles com a China. Qual é a sua política em relação à relação econômica com a China? A minha segunda é sobre as moedas: o Brasil está trabalhando com a Argentina para criar uma moeda comum local e o presidente também está trabalhando com a China para usar a moeda chinesa para o comércio entre os dois países. Então, estou muito curioso sobre o seu plano, a sua visão, presidente, sobre o uso de moedas locais para o comércio exterior.
Primeiro, é um prazer vir ao Japão. Eu vim aqui como presidente da República acho que em 2008 ou 2009. Eu vim ao Japão pela primeira vez em 1975, no congresso dos trabalhadores da Toyota, porque a Toyota tinha uma fábrica lá em São Bernardo (SP) na cidade que eu era presidente do sindicatos e eu venho ao Japão participar do G7.
Quero agradecer ao primeiro-ministro que nos recebeu de forma muito carinhosa, muito respeitosa e, sobretudo, agradecer a educação do povo japonês. Porque, sinceramente, se o mundo inteiro tivesse o processo de educação que tem o povo japonês, certamente a gente não teria tantos problemas no mundo. Eu saio daqui encantado com a gentileza, com a educação de cada pessoa do Japão que a gente encontrou. Por isso eu tenho que dar parabéns ao governo japonês e ao povo japonês.
A segunda coisa é que a China é o principal parceiro comercial do Brasil. A China é o primeiro. Primeiro a China, segundo os Estados Unido, terceiro é a Argentina. Eu, há muito tempo, tenho dito que era preciso que a gente criasse condições de fazer negociações comerciais com as moedas dos países. E todo mês os bancos centrais acertavam as contas, porque não é possível você ficar dependendo do dólar para fazer comércio exterior. Não é possível ficar dependendo de uma moeda que você não produz. Só tem um país que produz dólar, que é o do Estados Unidos.
Por que é que não podemos fazer uma moeda para negociar com a Argentina?
Nós já fizemos uma vez com a Argentina para pequenas e médias empresas poderem fazer negócio nas suas moedas. O problema é que muitas vezes o próprio pequeno empresário não confia na moeda de seu país. Então, ele prefere fazer em dólar.
Por exemplo, o Brics. Nós haveremos de discutir a criação de uma moeda em algum momento para que a gente faça negociação com os países na nossa moeda. Então essa é uma discussão. A China é um parceiro muito importante para o Brasil! É o nosso maior parceiro comercial. E a gente quer manter essa relação. Isso não impede que a gente mantenha relação com todos os demais países.
A Argentina é o nosso maior parceiro comercial na América do Sul. Quando eu era presidente, nós chegamos a ter um comércio de 40 bilhões de dólares com a Argentina. Então, o Brasil tem interesse com a Argentina. Eu conversei com a diretora do FMI sobre a situação da Argentina e pedi para que a diretora do FMI tivesse compreensão, de que depois da pandemia a Argentina teve uma seca que destruiu 25% da produção agrícola argentina. Isso pesa muito. Então, se a Argentina não tem condições de cumprir o acordo, não vamos pressionar a Argentina. Vamos dar um tempo para que a Argentina possa se recuperar. E eu espero que tenha sido compreendido.
Nós estamos discutindo com os Brics se é possível o Brics ajudar a Argentina. A China colocou 30 bilhões de dólares à disposição da Argentina para pagar as suas exportações. O Brasil, só de manufaturado, tem quase 20 bilhões de exportação com a Argentina. Então o que nós precisamos na verdade é equilibrar para que as nossas empresas continuem vendendo para a Argentina. E, para ser sincero, eu quero te dizer que eu sonho com a construção de várias outras moedas entre os países que têm grande comércio para que a gente não fique dependente só de uma moeda. É isso o que eu penso, claramente, e eu espero que o banco do Brics crie uma moeda como o euro.
É possível a gente criar? É. Só a gente ir criando as condições políticas econômica pra fazer isso. Eu, sinceramente, não espero que tenha gente que aceite outra vez a Guerra Fria. A Guerra Fria que aconteceu, depois da Segunda Guerra Mundial, eu não quero que aconteça outra guerra fria entre China e Estados Unidos. E a gente fica submetido à disputa dos dois.
Quero uma economia totalmente livre. Cada um negocia com quem quiser negociar. Cada um vende para quem quiser e compra para quem quiser. É esse o mundo livre que eu quero no mundo comercial.
Priscila Yazbek (CNN Brasil) — Presidente, o senhor falou muito sobre qual que é a posição do Brasil em relação ao conflito, que o Brasil não tem uma posição neutra, que condena a invasão da Ucrânia, mas que não acredita que o que Zelensky propõe de solução pra guerra, que seria conseguir mais armas, poderia encerrar o conflito. O Brasil, acima de tudo, quer encerrar o conflito. É isso que o senhor deixou claro aqui no G7. O que a gente queria saber é: qual que é a proposta de solução pra esse conflito? De acordo com o que o senhor fala, que as duas partes vão ter que abrir mão, a Ucrânia vai ter que abrir mão de territórios ocupados pelos russos?
Não sei. Por isso que eu digo que o acordo depende de sentar na mesa primeiro. Primeiro você senta na mesa e coloca o que um quer e o que outro quer. Quando você tiver os 100% de cada um, você vai discutir se é possível e vai começar a negociar o que cada um vai ter que ceder.
É isso que vai acontecer. Não tem uma proposta definitiva. Quem tem a proposta definitiva... A proposta da Ucrânia, que você já deve ter lido, é na verdade uma proposta de rendição da Rússia. A Rússia não vai aceitar. A proposta da Rússia é a reedição da Ucrânia, que não vai aceitar.
Então, é preciso criar condições e só é possível, na minha opinião, quando parar o tiroteio e os dois se sentarem na mesa.
Priscila Yazbek (CNN Brasil) — Isso quer dizer que a Ucrânia pode perder territórios, invadidos pela Rússia.
Eu não quero dizer nada, querida. Não quero dizer nada. Pode também ser que ela ganhe todos os territórios dela, e fique com eles. Como a gente não tem nada seguro, a gente vai começar do zero, sabe, vai se colocar na mesa as condições, as condições da Ucrânia, as condições da Rússia. O que eu estou dizendo é que hoje os dois querem 100%. É isso e eu acho que não é possível em uma negociação os dois terem 100%. Cada um vai ter que ceder um pouco. Se não for agora, vai ser amanhã, depois de amanhã, daqui a um mês, daqui a um ano, mas vai acontecer.
O que precisa é ter interlocutor que não esteja comprometido com um lado ou com o outro. Que seja uma espécie de interlocutor independente. Alguém que não tomou posição de um lado ou de outro nessa guerra. Eu estou citando alguns países que eu nem sei se eles querem. Eu estou citando a China, citando a Indonésia, citando a Índia, citando o Brasil. Estou citando quatro países de grande população e que são países que não estão diretamente envolvidos.
Priscila Yazbek (CNN Brasil) — E que saem do G7 com essa mensagem: o Brasil...
Saio com essa mensagem, querida. Até porque, sinceramente, eu não vim pro G7 para discutir a guerra da Ucrânia. Eu disse no meu discurso que a discussão da guerra da Ucrânia deveria estar sendo feita na ONU. Eu sou presidente há cinco meses e nunca fui convidado para uma reunião na ONU para discutir a guerra. É na ONU que tem que ter! Inclusive a gente poderia antecipar a Assembleia Geral que é feita em setembro, para junho, para julho, para discutir a guerra. Vamos colocar todos os membros da ONU, vamos trazer Putin e Zelensky para eles falarem, e vamos abrir um debate franco e aberto. Aonde? Na ONU, que é o espaço. Aqui, no G7, nós viemos para discutir economia, para discutir a questão do clima. Por isso que eu falei: o espaço de discutir a guerra não é no G7, nem é no G20, é no prédio das Nações Unidas. Aliás, o Conselho de Segurança deveria estar discutindo. Por que que não discute? Porque quem se envolve nas brigas são as pessoas que são membros do Conselho de Segurança. Então, não tem ninguém para discutir paz, porque estão todos envolvidos.
Não sei se você percebe, mas são os membros do Conselho de Segurança que vendem armas; são os membros do Conselho de Segurança que fazem a guerra. É preciso mudar a lógica de funcionamento da Nações Unidas. Eu estou gritando desde 2003. Eu já tive o apoio de muita gente. Já tive apoio do Putin, já tive apoio do Medvedev, tive apoio do Sarkozy, tive apoio do Chirac, tive apoio do Gordon Brown, tive apoio do Tony Blair. Sabe quem não dava apoio? Eram os Estados Unidos e a China. A China porque, vocês sabem, a China não quer que o Japão entre, então ela não dava apoio.
Mas vamos continuar defendendo a entrada da China, a entrada do Japão, a entrada da Índia, a entrada da Alemanha, a entrada do Brasil — e outros países africanos. A África tem 54 países, pode entrar a África do Sul, pode entrar a Nigéria, pode entrar o Egito e a Ásia. Tem que entrar outros países também. Por que é que o Vietnã não está? Por que é que a Indonésia não está? É isso gente! É tentar mudar o bloco que foi construído em 1945.
Eu estou agora com a ideia de brigar para que a língua portuguesa faça parte da língua oficial da ONU. Por que é que a língua portuguesa não faz parte oficial? Porque quem tem a língua oficial são os cinco, mais a Espanha (a língua espanhola). Ou seja, por que que o Brasil... Tem 300 mil portugueses nos países de língua portuguesa não pode ter uma língua oficial da ONU? Não pode, porque só tem cinco. É os cinco que criaram a ONU. É os cinco que estão no Conselho de Segurança e que tem que dar uma flexibilizada. O mundo de 2023 não é o mundo de 1945. É outro mundo! Então, eu ainda trabalho com a ideia de convencer as pessoas a fazerem mais abertura.
Sabe o que acontece? Eu nasci na vida política negociando. Aprendi a fazer política negociando nas principais greves acontecidas no Brasil. Então, a arte de negociar é a arte da paciência. Você pode escolher negociar quando você está com força, e quando você está com força, às vezes você não quer negociar, porque você pensa que vai ganhar. Quando você for negociar — se você tiver enfraquecido — vai negociar por baixo. Então eu acho que a Ucrânia e a Rússia, em algum momento, eles vão saber que é preciso negociar. E quando quiserem negociar, podem ter a certeza de que tem país pronto para participar de interlocutor.
Renata Varandas (TV Record) — Como é que você sai daqui, presidente? Um balanço final...
Eu saio daqui mais otimista do que nunca, mais otimista do que nunca. Primeiro porque a chance do Brasil estabelecer parcerias fortes na área comercial, na área cultural e na área política é muito grande. Eu não sabia que as pessoas gostavam tanto do Brasil, não sabia. As pessoas gostam muito do Brasil! As pessoas estão muito felizes com a volta da democracia no Brasil. As pessoas estão muito felizes e alegres com a volta do Brasil ao cenário internacional. Ou seja, o Brasil voltou a ser civilizado, simples assim.
E todo mundo quer encontrar com o Brasil e eu fico feliz por isso. Então, ainda tem, este ano... eu ainda tenho que viajar para São Tomé e Príncipe, porque tem a CPLP, o encontro dos países de língua portuguesa. Depois, tenho que viajar para a África do Sul, porque tem os Brics. Depois, eu tenho que ir para a Índia, porque tem o G20 — e eu tenho que ir, porque o Brasil vai presidir o G20 no ano que vem; e vai presidir os Brics ano que vem. Então, no ano que vem, vocês estarão no Brasil fazendo essa pergunta para nós.
Está bem, gente?!
Obrigado e até outra oportunidade.