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Entrevista do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, após encontro com chanceler alemão, Olaf Scholz
1ª resposta à imprensa — Bem, com parte à pergunta pertinente ao Brasil, eu queria dizer ao jornalista que quando eu era presidente em 2007, em 2008, em 2009, em 2010, nós quase chegamos a concluir esse acordo. Quase! A divergência, ela de um lado, era do Brasil e da Argentina, que nós queríamos um acordo que não limitasse o nosso direito de poder nos reindustrializar. E a segunda coisa que nós queríamos, era que os franceses fossem mais flexíveis, sabe? Nas propostas francesas, sobretudo na questão agrícola, ou seja, os franceses são muito duros de negociação, não é o Brasil que é duro. Mas agora eu voltei à Presidência e tive essa semana com o presidente da Argentina, e conversamos um pouco sobre o acordo e nós vamos trabalhar de forma muito, mas muito dura, para que a gente possa concretizar esse acordo. Alguma coisa tem que ser mudada, ele não pode ser feito tal como ele está lá, nós vamos tentar mostrar ao lado europeu o quanto nós estamos flexíveis e queremos que os europeus mostrem para nós o quanto eles serão flexíveis. Uma coisa que para nós é muito cara, são compras governamentais. Isso para nós é muito caro, eu queria deixar claro que um país em vias de desenvolvimento como o Brasil, as compras governamentais é uma das formas de você fazer crescer pequenas indústrias brasileiras e médias indústrias brasileiras. Se a gente abrir mão disso, a gente está jogando fora a oportunidade das nossas pequenas e médias empresas crescerem. Obviamente que nós vamos sentar na mesa da forma mais aberta possível. Eu sempre admiti que, na hora da negociação, você tem que decidir se você senta na mesa para dizer sim, ou você senta na mesa para dizer não. O meio termo é você negociar algo que melhore para aqueles que se sentem prejudicados. Mas eu quero dizer ao chanceler Olaf Scholz, que nós vamos fechar esse acordo, se tudo der certo, quem sabe, até o meio desse ano, até o fim desse semestre, é nossa ideia de tentar encaminhar para que a gente tenha um acordo e comece a discutir outros assuntos, porque temos muitas coisas pela frente, e não apenas esse acordo União Europeia. Aliás, nós queríamos que a Alemanha contribuisse para que a Organização Mundial do Comércio voltasse a funcionar, porque é muito engraçado, chanceler, em 2009 a gente estava quase fechando um acordo, quase fechando um acordo na OMC, quando de repente teve as eleições dos Estados Unidos, o presidente Busch, por conta das eleições, sabe? Que ele tava disputando republicanos com os democratas, então resolveu parar as negociações até terminar as eleições americanas. E o negociador da Índia também era candidato a governador no seu estado de origem na Índia, ele também pediu para suspender as negociações até terminar as eleições. O dado concreto é que nunca mais o Obama falou em OMC. Nunca mais a Índia voltou a negociação. Então, era um fórum que a gente podia discutir de forma muito mais aberta com o mundo inteiro a questão comercial, eu lembro que quando eu reconheci a China como economia de mercado aqui no Brasil, era porque eu queria que a China participasse dentro dos órgãos que a gente participava. Não era ficar, sabe, trabalhando por fora, a gente negociando na OMC e a China sem estar na OMC correndo por fora, então nós queríamos trazer ela pra dentro da OMC. Então, nós queremos voltar a negociar a OMC e queria dizer mais uma coisa, que o presidente falou da representatividade. O Brasil, eu falei com o chanceler alemão, da necessidade de nós fazermos parte de um grupo multilateral chamado G4, é o Brasil, Alemanha, Índia e Japão, que nós já há muito tempo estamos brigando para que a gente faça parte do Conselho de Segurança da ONU, e estamos brigando para que outros países, inclusive africanos, asiáticos, na América Latina, participem também. Mas o que a gente quer, na verdade, é dizer em alto e bom som que as Nações Unidas hoje não é mais a geopolítica que era em 45 quando ela foi criada, portanto ela não representa mais a realidade geopolítica. E nós queremos que o Conselho de Segurança da ONU tenha força, tenha mais representatividade, que possa falar mais uma linguagem, sabe? Que o mundo está necessitando. Quando a ONU estiver forte, a gente vai evitar, certamente, possíveis guerras que acontecem, porque hoje as guerras acontecem por falta de negociação, por falta de alguém, sabe? De um conjunto de países que interfira nisso. Nós vamos continuar brigando! Espero que ao terminar o meu mandato, terminar o mandato do primeiro ministro Scholz, que ele possa, sabe? Estar gozando do privilégio de participar do Conselho de Segurança da ONU junto com o Brasil, tomando atitudes mais acertadas do que hoje são tomadas.
2ª resposta à imprensa — Primeiro, o Brasil é um país e tem vocação de participar de organizações multilaterais, foi no nosso governo que a gente fortaleceu o Mercosul em detrimento da ALCA, foi no nosso governo que nós criamos a UnaSul, foi no nosso governo que nós criamos a Celac, foi no nosso governo que nós criamos o IBAS que era um fórum que participava Brasil, África do Sul e Índia, foi no nosso governo que nós criamos os BRICS, foi o nosso governo que nós criamos uma integração (uma reunião) entre América do Sul e o continente africano e foi também no nosso governo que nós fizemos na primeira reunião entre os países árabes com os países da América do Sul. Obviamente que o Brasil tem interesse de participar da OCDE. O que nós queremos é saber qual é o papel do Brasil na OCDE. Qual é o papel? Você não pode participar, em qualquer organismo internacional, sendo um cidadão menor, inferior, ou seja, como se você tivesse sendo observador. Nós temos que discutir, no meu primeiro mandato eu não tinha interesse de participar, várias vezes dissemos que não ia participar, agora já fazem 12 anos que eu deixei meu primeiro mandato, nós estamos dispostos a discutir outra vez e saber quais são as condições de uma entrada de um país do tamanho do Brasil na OCDE. E outra, eu até disse ao chanceler Olaf Scholz que eu estava propondo a criação, falei com o presidente Macron e com o chanceler Olaf Scholz, nós temos que criar um outro organismo da mesma forma que nós criamos o G20, quando aconteceu a crise econômica de 2008 (porque o G20 foi criado para tentar resolver o problema da crise), nós queremos propor um G20 para discutir a questão do conflito, sabe, Rússia e Ucrânia. Né? Não interessa para ninguém aquela guerra, não interessa para nenhum outro país, eu nem sei se ela interessa mais para a Rússia ou se interessa para a Ucânia, porque essas coisas, de vez em quando, acontecem assim: as pessoas começam, depois até querem parar, mas não sabem como parar. Ou seja, o Brasil está disposto a dar uma contribuição, sabe? Acho que a China joga um papel importante, acho que a Índia pode jogar um papel importante, acho que a Indonésia pode jogar um papel importante, de a gente tentar criar, sabe? A gente criar um clube ecológico e a gente criar um clube das pessoas que vão querer construir a paz no planeta. Eu sei do esforço do chanceler, sei do trabalho que a Alemanha fez para tentar evitar essa guerra, não conseguiu, sei do trabalho que outros presidentes fizeram. Agora a guerra chegou numa situação, sabe? que acho que mesmo os dois países que estão em guerra estão preocupados: “quando é que isso vai terminar?” Porque chega uma hora que ninguém quer ceder um milímetro, e chega uma hora que os interlocutores que estão participando também já não tem mais nada novo para criar. A minha sugestão é que a gente crie um grupo de países que tente sentar na mesa com a Ucrânia e com a Rússia para tentar encontrar a paz. Para tentar chegar ao momento deles pararem com a guerra e o Brasil vai fazer o esforço, eu já falei com o Macron, falei com o chanceler Scholz, vou falar com outros presidentes — dia 10 eu vou aos Estados Unidos e vou falar com o presidente Biden — depois vamos procurar outros presidentes para conversar da ideia de criar um grupo de pessoas uma instituição multilateral, sei lá, se G20, G10 ou G15, mas alguma coisa para tentar sentar com a Rússia e com a Ucrânia e encontrar paz, porque o mundo tá precisando de paz. Ou seja, não é possível, no século 21, a gente estar vendo uma guerra que a gente não sabe nem porque essa guerra existiu. Ou seja, uns dizem que é por causa da OTAN, outros dizem que por causa da entrada na União Europeia, outros dizem que é por causa de um terreno da Ucrânia que a Rússia quer ocupar. Então, é preciso ter alguém na mesa de negociação — e aí eu acho que os nossos amigos chineses têm um papel muito importante, muito importante — eu, se for a março na China, como está previsto, uma viagem, esse é um dos assuntos que eu quero conversar com o presidente Xi Jinping, sabe? Porque tá na hora da China colocar a mão na massa e tentar ajudar a encontrar a paz entre Rússia e Ucrânia, tá? Só pra dizer que eu gosto muito de instituição multilateral, gosto de participar, gosto de criar, e vamos discutir com a OCDE para ver o quanto é bom e o quanto o Brasil pode tirar proveito de passar na OCDE e o quanto que o Brasil pode dedicar de esforço para fortalecer a OCDE.
3ª resposta à imprensa — Olha, a primeira coisa que eu queria falar, é sobre a questão das munições. O Brasil não tem interesse em passar as munições, para que elas não sejam utilizadas na guerra entre Ucrânia e Rússia. O Brasil é um país de paz, o último contencioso nosso foi na guerra do Paraguai, e, portanto, o Brasil não quer ter qualquer participação, mesmo que indireta, porque eu acho que nesse instante do mundo, nós deveríamos estar procurando quem é que pode ajudar a encontrar a paz entre Rússia e Ucrânia. Nós precisamos encontrar alguém, porque até agora, a palavra paz é muito pouco utilizada. Até agora, a palavra paz, eu lembro que quando o chanceler Scholz, ele foi muitas vezes à Rússia para tentar conversar, sabe? Mas de qualquer jeito, a Europa, ela passa a ser vítima dessa guerra também, né? Porque ela sofre os percalços dessa guerra, a questão da energia, ele disse na reunião que a Alemanha voltou a utilizar carvão. Ou seja, então, o Brasil tomou a decisão, sabe? De não passar as munições, porque nós não queremos que essa munição seja utilizada na guerra contra a Rússia. É isso! Qual foi a primeira pergunta que você fez?... A jornalista fez uma primeira pergunta... Entendi agora! Veja, naquela época, eu disse uma coisa que eu consegui ouvir a vida inteira: “quando um não quer, dois não brigam”. Até aquele momento, para quem não vive na região, sabe? Não entendia muito bem porque que aquela guerra tava existindo. Uns diziam que era por conta da OTAN se instalar na divisa com a Rússia. Eu lembro de um discurso do Papa Francisco, dizendo que as pessoas não podiam esperar que os russos ficassem quietos de colocar um cão latindo na sua fronteira. Hoje, eu tenho mais clareza da razão da guerra, e eu acho que a Rússia cometeu o erro clássico de invadir, sabe? O território de outro país. Portanto, a coisa tá errada. Mas, eu continuo achando que quando um não quer, dois não brigam, é preciso que queiram paz. E até agora eu, sinceramente, tenho ouvido muito pouco sobre como encontrar paz para a guerra. Eu tenho ouvido muito pouco, e por isso que eu tenho proposto a criação de um outro organismo qualquer, para ver se consegue encontrar a paz entre a Rússia e a Ucrânia. Eu sei que não é fácil, porque se fosse fácil eles já tinham parado, né? Mas, ao mesmo tempo, eu sei que eles começam uma coisa e depois não sabe como termina. Eu tava lembrando ao chanceler Olaf Scholz, que o Iraque, o Saddam Hussein permitiu a destruição do Iraque por conta de uma mentira. Ele enganou o povo durante anos, dizendo que ele tinha capacidade de enfrentar os Estados Unidos, que ele tinha armas químicas, sabe? A gente tinha o embaixador brasileiro, que era o diretor da agência, depois o Saddam Hussein não tinha arma nenhuma, o Bush sabia que ele não tinha arma nenhuma, mas era preciso a guerra. E o Bush então invadiu o Iraque, destruiu o Iraque, Saddam Hussein foi enforcado, e até hoje não se achou a tal das armas químicas que foram a razão da guerra, tá? Eu acho que a razão dessa guerra entre Rússia e Ucrânia precisa ficar mais clara, se é por causa da OTAN, se é por causa do território, se é por causa da entrada na União Europeia, coisas que o mundo tem poucas informações. A única coisa que eu sei, é que se eu puder ajudar, eu vou ajudar. Como, eu não sei. Mas se for preciso conversar com o Putin, se for preciso conversar com o Zelensky, eu não tenho nenhum problema de conversar na tentativa de encontrar paz. O que é preciso é constituir um grupo, com força suficiente, que seja respeitado numa mesa de negociação, e sentar com os dois. Porque, sabe? Eu não sei quando é que essa guerra vai parar se continuar nessa inanição que nós estamos vivendo. É isso!
4ª resposta à imprensa — Primeiro, o Estado brasileiro, quando ele quer tomar decisão, ele toma e acontece. Já tiramos gente, já houve um tempo que tiramos garimpeiros de determinados locais que eles não podiam invadir. Hoje eu assinei um decreto, dando poderes, sabe? Às Forças Armadas, ao Ministro da Defesa, ao Ministério da Saúde. Nós vamos tomar todas as atitudes para acabar com o garimpo ilegal, tirar todos os garimpeiros de lá, e vamos cuidar do povo Yanomami, que precisa ser tratado com respeito. Ou seja, não é possível que alguém veja aquelas imagens que se viu - e que eu tive a oportunidade de ver sábado passado - e ficar quieto. Não é possível! Na verdade, nós tivemos um governo que poderia ser tratado como um governo genocida, porque ele é um dos culpados por aquilo acontecer. Ele que fazia propaganda que as pessoas tinham que invadir garimpo, que podia jogar mercúrio, tá cheio de discurso dele dizendo isso. Então nós resolvemos tomar uma decisão, parar com a brincadeira, não terá mais garimpo! Se vai demorar um dia ou dois eu não sei, pode demorar um pouco, mas que nós vamos tirá-los, vamos. Não vai ter mais sobrevoo, nós vamos proibir as barcaças de transitar com combustível, sabe? E vamos tirá-los de lá, porque os Yanomamis, sabe, conquistaram aquela terra. Era deles antes da gente existir como brancos, antes de português entrar aqui. Eles conseguiram a demarcação e nós vamos dar a eles qualidade e condições de vida, porque do jeito que eles estão vivendo é uma coisa mais do que desumana. Então, pode escrever aí, meu caro, que o governo brasileiro vai tirar e acabar com o garimpo em qualquer terra indígena a partir de agora. E mais ainda: não haverá por parte da Agência de Minas, sabe? Ligada ao Ministério de Minas e Energia, que vá conceder autorização para alguém fazer pesquisa em qualquer área indígena. Ou seja, o Brasil vai voltar a ser um país sério, um país respeitado, e ao mesmo tempo, sabe, um país que respeita a Constituição, respeita as leis, mas — sobretudo — respeita os seres humanos.