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Entrevista concedida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao jornal El País, da Espanha
PEPA BUENO: Presidente Lula, muito bom dia.
LULA: Bom dia.
PEPA BUENO: Bem-vindo à Espanha.
LULA: É um prazer estar na Espanha e um prazer estar falando contigo.
PEPA BUENO: O Senhor veio a um continente que assiste atônito há um ano a uma guerra em seu território. E ainda não se vê uma luz. Por isso qualquer iniciativa que fale sobre o fim da guerra gera muita expectativa. O Senhor lidera uma iniciativa internacional em busca da paz para a Ucrânia. Condenou a invasão à Ucrânia, mas também criticou o envio de armas. Nosso País envia armas à Ucrânia. Quando um país é invadido, Presidente, e o atacado pede ajuda, o que devem fazer os demais países? Devem cruzar os braços e não fazer nada ou ajudar ao agredido?
LULA: A primeira coisa que nós temos que compreender é que essa guerra não tinha que ter começado. Essa guerra começou porque há muito tempo perdeu-se a capacidade de diálogo entre os dirigentes mundiais. O Brasil condenou a invasão da Rússia de forma peremptória, sabe? A Rússia não tinha o direito de invadir o território ucraniano. Ou eu alimento a guerra ou eu tento acabar com a guerra. Não tem ninguém, não tem ninguém... Tem eu falando sobre paz. Fui falar com o Xi Jinping, falei com o Biden, falei com Olaf Scholz, sabe? Falei com o Macron. Ou seja: é preciso construir um grupo de países dispostos a negociar um cessar fogo. Eu quero que a guerra pare. E isso só é possível se os dois estiverem na mesa negociando. Essa é a minha tese e eu acho que a Europa tem um papel de mediadora, a Europa deveria fazer uma espécie de caminho do meio. E ela não fez. Ela se envolveu muito rapidamente. E eu acho que nós temos, então, que encontrar as pessoas que querem conversar sobre paz. Se eu conseguir isso, se a China participar, se a Indonésia participar, se o México participar, ou seja, nós temos que envolver os países que não estão envolvidos diretamente ou indiretamente na guerra, os países que são solidários à Ucrânia, porque são contra a ocupação territorial da Rússia. Eu, na semana que vem, vou voltar a falar por telefone com o Macron. Vou falar outra vez com outros presidentes para saber se a gente costura essa paz. A gente já tem uma guerra contra a extrema direita no mundo inteiro. O fascismo está voltando, o nazismo está voltando. Será que a gente não aprendeu com a 1ª Guerra Mundial, com a 2ª Guerra Mundial, que quanto mais paz, mais produtivo será ao mundo e mais justo ao mundo? Essa é a minha tese e eu vou continuar defendendo essa tese.
PEPA BUENO: Como não compartilhar da busca pela paz, Presidente? É óbvio que temos de tentar parar esta guerra de qualquer maneira (como seja), mas enquanto isso deixamos sozinhos aos ucranianos, sem dar-lhes apoio enquanto o Putin os bombardeia?
LULA: Por exemplo, quando a Alemanha foi ao Brasil, a Alemanha pediu para que a gente vendesse à Alemanha os mísseis que o Brasil tinha de um tanque comprado da Alemanha. Eu disse para o Olaf Scholz que eu não ia vender, porque se um míssil é jogado na Rússia e o russo descobre que o Brasil vendeu, o Brasil entrou na guerra. E quando você entra, você não tem como falar em paz. É só isso que eu quero. Eu quero juntar um grupo de países que não estão diretamente ligados à guerra, para que a gente possa restabelecer a paz. Olha, se isso for possível, eu acho que já estaremos prestando um bom serviço à humanidade. Porque senão a guerra não tem fim. O Putin fica achando que tem razão, o Zelensky, invadido, tem o direito de se defender. E quem vai propor fim à essa guerra?
A minha preocupação é que essa guerra esteja vinculada a interesses políticos eleitorais. Eu sei que o Brasil não é um país que tem participação no Conselho de Segurança da ONU, mas os que têm não estão fazendo nada. A ONU tem uma representação política de 1945. A geopolítica de 1945 não existe mais. É preciso adaptar a ONU à 2023.
PEPA BUENO: Entendo que a isso se refere o Presidente quando fala de uma Ordem Internacional mais justa e equitativa. Mas eu não quero abandonar ainda o tema da Guerra na Ucrânia. Ontem à noite o senhor disse aqui na Espanha que o final da guerra passa pela Ucrânia recuperar sua integridade territorial, seu território, e a Rússia conservar o território russo. A que se refere exatamente, Presidente, com o território Russo?
LULA: A Rússia está na Crimeia já há muito tempo, a Rússia invadiu outro território. Eu não sei o que é que o Zelensky vai aceitar para um acordo. Apenas leigos que estão fora podem ajudar a construir uma engenharia capaz de parar essa guerra. Não me pergunte como, porque primeiro nós temos que sentar na mesa, temos que ver o que cada um está pensando. Porque cada um quer levar vantagem, cada um quer ganhar, e muitas vezes uma guerra não precisa ter um ganhador. Um ganhador é parar, é fazer uma concertação, e todo mundo volta à normalidade. Eu acho que isso é possível. E depois da 2ª Guerra Mundial, além do acordo, a construção da União Europeia é uma demonstração da capacidade, sabe, da inteligência do ser humano. Isso é possível acontecer com a Rússia e com a Ucrânia. Eu acredito e por isso estou tentando fazer a minha parte.
PEPA BUENO: Continuemos. O Senhor não tem como me dizer como vai conseguir a paz, ninguém sabe, ninguém sabe. O Senhor falou com o Zelensky, enviou um comissário para falar com o Putin. Putin tem que parar de bombardear a Ucrânia para começar a falar sobre paz.
LULA: Nós temos que convencê-lo, porque ele não está convencido. Esse é o dilema. Muitas vezes as pessoas começam uma guerra e depois não sabem como parar. Então eu acho que nós precisamos sentar na mesa. Eu fiquei muito feliz com a visita que o presidente Xi Jinping fez à Rússia. Eu enviei o Celso Amorim para ir à Rússia, ele foi à Rússia e conversou com o Putin. Na semana que vem ou na outra, ele vai conversar com o Zelenski. E assim nós vamos construindo os pilares. Eu estou sabendo que o Macron está disposto a entrar no jogo, para que a gente possa construir isso. Parecia impossível ter uma outra guerra na Europa, ela está tendo. Parece impossível encontrar paz. Nós vamos conseguir! O que é preciso é ter gente tentando encontrar paz. Não é só gente colocando lenha na fogueira.
PEPA BUENO: Provavelmente muitíssimos países no mundo aplaudiriam a ideia dessa nova ordem internacional justa e equitativa que o senhor propõe como uma representação da ONU. Que papel devem ter os Direitos Humanos nessa nova ordem internacional, em relação aos Direitos Humanos?
LULA: Ora, veja... A questão dos direitos de humanos para mim é uma coisa, sabe, superior a qualquer outra coisa. Ou seja, a questão do respeito aos direitos humanos, para o Brasil, é uma coisa que não tem negociação que não leve em conta a questão dos Direitos Humanos. Isso está colocado e a guerra já é a quebra dos direitos humanos. Nós achamos que a guerra tem que parar, porque você pode reconstruir uma casa, você pode reconstruir uma ponte, você pode reconstruir uma estrada. Mas você não reconstrói as vidas.
PEPA BUENO: Lhe perguntava sobre a nova ordem internacional, Presidente, pois a China, é evidente que teria de possuir um papel importante em uma nova ordem internacional. Isso é óbvio e não se pode ignorar esta realidade, uma potência desse tamanho. E é um país onde se prendem jornalistas, ativistas, advogados… Ninguém sabe muito bem o que se passa com as minorias no Tibet. Que papel de exigência em relação aos Direitos Humanos deve ser articulado nesta nova ordem internacional que o senhor preconiza e que já se está movendo, de fato, no mundo?
LULA: Nós não poderemos agora achar que a China é o culpado do que está acontecendo no mundo. Bem, mas não é a China? Veja, não é só a China. É os Estados Unidos, é a França, a Inglaterra... São todos os países que fazem parte do Conselho de Segurança, sabe. Por exemplo, eu vou te dar um exemplo do que é que nós precisamos numa governança global: a questão climática...
PEPA BUENO: A Espanha assume a presidência do Conselho da União Europeia no mês de julho e há muitas expectativas de que neste período, nestes seis meses, se possa assinar, por fim, ratificar o acordo comercial entre MERCOSUL e União Europeia. No entanto, há reticências dos dois lados do Atlântico, não somente aqui, mas também na América Latina. Crê que finalmente será possível ratificar este acordo?
LULA: Primeiro, eu estou feliz que a Espanha assuma a presidência da União Europeia. Eu vivi um período como presidente, quando Zapatero assumiu a presidência da UE, e eu achei que seria mais fácil a gente fazer o acordo. Eu estou falando de 2005, 2006, 2007. E nós já estamos em 2023. Existe uma proposta de acordo que não é possível aceitar. Nós vamos fazer um protocolo propondo mudanças e eu pretendo, assim que a Espanha assumir a Presidência da União Europeia, eu pretendo estabelecer com o Mercosul uma conversa para saber o seguinte: quais são os pontos em que há concordância e quais são os pontos em que há discordância. É preciso saber qual é o comportamento da França nesse acordo. A França é a parte dura, sabe, do lado da União Europeia, que não quer fazer nenhuma concessão no que diz respeito à agricultura. Então é importante que a gente saiba: um bom acordo é aquele em que os dois ganham. O Brasil precisa voltar a ser um país industrial. O país tinha praticamente 30% do PIB brasileiro na indústria, agora são 11%. Eu vou trabalhar muito para ver se a gente consegue assinar esse acordo esse ano. Eu acho que da parte da América do Sul, da parte do Mercosul, eu acho que é possível assinar. Eu quero ver da parte da União Europeia.
PEPA BUENO: O senhor em seu primeiro mandato colocou como objetivo que menos brasileiros passassem fome, lutar contra a fome. E conseguiu. Milhões deles deixaram de passar fome. Qual é a prioridade deste segundo mandato, Presidente Lula, qual é a sua prioridade política em seu país?
LULA: Nós estamos longe de criar os empregos que nós necessitamos. Nós ainda temos de 11%, sabe, de desemprego no Brasil, que é muito. Quando a Dilma deixou o governo, a gente tinha 4,3% de desemprego. O meu objetivo é fazer com que a economia brasileira volte a crescer. Nós vamos agora no mês de maio apresentar um conjunto de obras de infraestrutura, para tentar atrair, não apenas empresários brasileiros, mas também empresários de outros países. É uma das razões pelas quais eu estou aqui na Espanha, também para aprender o acordo que foi feito entre o governo, o Congresso Nacional, os sindicatos... as empresas de aplicativo, para gente legalizar a vida funcional do povo que trabalha com aplicativo. Tem 33 milhões de pessoas passando fome no Brasil. Nós precisamos acabar com ela. Nós precisamos gerar emprego de qualidade e nós precisamos levar em conta a necessidade da criação de uma nova relação entre capital e trabalho. Porque, no Brasil, a estrutura sindical foi desmontada.
PEPA BUENO: O Parlamento europeu aprovou a proibição de importar produtos de zonas desmatadas. A Amazônia sofreu muitíssimo nesses anos com o Bolsonaro na Presidência do Brasil. Temos dados de um desmatamento muito grave no primeiro trimestre, e o senhor promete desmatamento zero no ano de 2030. Como irá fazer isso?
LULA: Esse é um compromisso que eu assumi durante a campanha, é um compromisso que nós vamos cumprir. O Brasil tem 30 milhões de hectares de terra degradadas. Você não precisa derrubar uma única árvore no Brasil para você dobrar a produção agrícola brasileira. O Brasil é o maior produtor de proteína animal do planeta. Então, para nós, cuidar do meio ambiente, cuidar das reservas florestais, dos parques, cuidar das terras indígenas, é obrigação moral, política, ética e ambiental.
PEPA BUENO: Acabas de chegar de Portugal, onde realizou uma visita de Estado de reencontro entre Portugal e Brasil e ontem viveu a intolerância da extrema direita quando se dispunha a intervir na assembleia da república em um dia tão especial como o 25 de abril, aniversário da Revolução dos Cravos. Seu País sofreu, uma semana depois que tomou posse na presidência, um ataque golpista. A democracia no Brasil está a salvo?
LULA: Não é democracia do Brasil que está a salvo. O que nós precisamos é salvar a democracia no mundo, com o melhor modelo de governo que se pode colocar em prática. Porque aqui na Espanha também existe extrema direita. Em Portugal existe extrema direita. Na Alemanha existe extrema direita, na França existe extrema direita. Somente na democracia que a gente pode garantir às pessoas o direito de ir e vir. Somente na democracia um operário metalúrgico pode ser presidente da República. A Espanha sabe o que é o autoritarismo. Portugal, por exemplo, tinha oito pessoas. Oito, oito pessoas batendo. Toda vez que se nega a política, e a extrema direita nega a política toda hora, o que vem depois da política é a barbárie. Foi assim com Hitler, foi assim com o fascismo e será assim em qualquer país do mundo.
PEPA BUENO: Hoje, creio, depõe o Bolsonaro, por sua presumida responsabilidade naqueles atos, naquele ataque golpista. Qual responsabilidade o senhor acha que ele tem, Presidente?
LULA: Eu não tenho dúvida de que ele tentou dar um golpe. Possivelmente ele estivesse pensando em dar o golpe no dia 1º, no dia da minha posse. Mas como tinha muita gente e foi uma posse muito bonita, ele esperou uma semana. Quando eu vi 15h30 na televisão, 16h, a tentativa de ocupar o Palácio. Ou seja, e eles ocuparam o Palácio. Houve negligência, sabe, de quem deveria tomar conta do Palácio. Conseguiram entrar dentro do Palácio, do Congresso e da Suprema Corte. Nós já prendemos mais de 1.600 pessoas, nós agora queremos buscar quem é que financiou.
Quem é que foi? Quem é que pagou os ônibus? Nós temos o secretário de Segurança de Brasília, que está preso até hoje, e nós temos consciência que aquilo era uma organização feita pelo Bolsonaro e pela equipe dele. Tem 34 processos até agora, e vai ter muito mais. Eu acho que ele vai ter, inclusive, processo a nível internacional, porque ele está sendo acusado pela morte de mais de 300 mil pessoas. Porque é das 700 mil pessoas que morreram de COVID, metade é da responsabilidade dele, que negou a vacina, não comprou na hora certa e estava oferecendo remédio que não servia para nada.
PEPA BUENO: Depois do Biden, vai anunciar sua reeleição? Sua candidatura à reeleição?
LULA: Olha, eu não posso pensar nisso agora. Eu estou com quatro meses de mandato. Espero que em 2026 eu consiga entregar para o povo brasileiro um Brasil mais democrático, um Brasil com mais distribuição de riqueza, um Brasil com mais emprego, um Brasil com mais educação, um Brasil mais feliz. E é isso o que eu pretendo fazer. E peço a Deus todos os dias que me ajude a fazer com que o amor...
PEPA BUENO: Sorte nesta tarefa, Presidente, obrigada.