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Entrevista coletiva do presidente Lula durante visita à Etiópia
Para mim, essa é uma das viagens mais importantes que eu fiz. E certamente, de todas que farei, essa continua sendo uma reunião extremamente importante, porque eu pude falar para quase que a totalidade dos países africanos de uma única vez. Se eu tivesse que visitar cada país seriam 54 viagens, o que seria impossível fazer até o final do mandato.
E para mim, falar com os presidentes dos países africanos é sempre um motivo de muito orgulho. Primeiro, porque eu tenho claro — e gostaria que o Brasil tivesse claro — de que nós temos que ter uma relação preferencial com o continente africano. Não só porque o continente africano faz parte da nossa história, faz parte da nossa cultura, faz parte do nosso jeito de ser, do nosso jeito de falar, do nosso jeito de cantar, faz parte da nossa cor, mas também porque o continente africano é um espaço extraordinário de futuro para quem acredita que o Sul Global vai ser a novidade do século XXI na nova economia mundial.
Quando nós falamos de clima e quando nós falamos de transmissão energética, quando nós falamos de agricultura de baixo carbono, a gente olha o mapa do mundo e a gente vê dois espaços extraordinários: um é no continente latino-americano, dentro do mapa do Brasil, e o outro é no continente africano, com uma quantidade exuberante de milhões de hectares de terras a serem exploradas para que a gente possa conduzir a agricultura saudável que o mundo necessita, a agricultura de baixo carbono que o planeta precisa e também a possibilidade de fazer com que os países africanos, que durante muito tempo foram explorados...
Eu disse hoje na reunião com um presidente africano que desde a Conferência de Berlim de 1884, quando a África foi dividida para os países do velho continente, para a Inglaterra, para a França, para a Alemanha sobretudo, este continente era um continente autossuficiente na produção dos seus próprios alimentos. Depois do processo de colonização, esses países, muitos deles, deixaram de ser autossuficientes, e hoje dependem de comida que vem dos países colonizadores, o que não tem nenhuma explicação.
Então, vir à África e dizer aos companheiros africanos e as companheiras africanas que o Brasil não tem tudo, mas o pouco que o Brasil tem, a gente quer compartilhar com o continente africano. A gente quer devolver para eles, em forma de benefício, de possibilidade e de desenvolvimento, aquilo que eles nos deram como força de trabalho durante 350 anos, é um compromisso de fé.
É um compromisso que a gente tem que assumir cada vez mais, porque acho que para um país em vias de crescimento como o Brasil, um país com possibilidade extraordinária como o Brasil, a gente tem que olhar apenas o nosso comércio com o chamado mundo rico, para a gente perceber que com a maioria dos países considerados ricos da Europa, o nosso comércio bilateral, o fluxo não ultrapassa 8 ou 9 milhões de dólares. E com os países em via de desenvolvimento, o nosso comércio é muito maior (e as possibilidades são enormes). E por isso eu estou muito agradecido de estar vivo, de ter sido eleito presidente da República para voltar ao continente africano e dizer: “nós vamos recomeçar a fazer a política de entrosamento entre o Brasil e o continente africano”.
Durante séculos, a gente olhou o mapa dos Estados Unidos, a gente olhou para o mapa da Europa e a gente não via nem atrás de nós a América do Sul, nem na nossa frente o continente africano. Era como se pobres não nos interessassem. E como eu estou convencido que os pobres são a solução do mundo contemporâneo, é só dar a eles a oportunidade que eles precisam que a gente vai perceber a sociedade de classe média, que a gente pode criar nesse planeta.
Uma sociedade sem guerra, uma sociedade sem banalismo, uma sociedade sem fake news, uma sociedade sem xenofobia, uma sociedade sem nenhum tipo de preconceito, em que todos nós sejamos tratados em igualdade de condições.
Bem, esse mundo está por ser construído e eu acho que a África é um espaço extraordinário para isso.
Depois, uma coisa extremamente importante, é que não tem explicação para um país do tamanho do Brasil — a gente já teve um fluxo comercial com a Nigéria de 10 bilhões de dólares, hoje esse fluxo é de apenas 1 bilhão e 700 milhões de dólares. Não tem explicação, um país de 200 milhões de habitantes como o Brasil ter relações com a Etiópia de 126 milhões e a gente só tem 23 milhões de dólares de fluxo comercial. Mesmo com o Egito, que é a nossa maior balança comercial na África, são 2 bilhões e 800 milhões de dólares, é muito pouco é muito pouco. Para um país que quer ter voz e vez no mundo, para uns países que querem melhorar o nível de qualidade para os seus filhos, é muito pouco.
Então, eu vou voltar a dizer os companheiros brasileiros que trabalham nas embaixadas brasileiras, aos nossos companheiros que trabalham na área do comércio, de que nós precisamos voltar a ser mascates, viajar esse mundo, conversar com todas as pessoas necessárias para que a gente possa vender aquilo que o Brasil seja capaz de produzir e para que a gente possa comprar aquilo que os outros países precisam vender ao Brasil e o Brasil precisa.
É esse mundo que nós precisamos criar, que eu chamo de Sul Global. É esse mundo novo que está em nossa frente, aos nossos olhos. Não tem explicação que a gente não tenha isso na cabeça para a gente fazer os investimentos necessários.
A questão da transição energética passa pelo Brasil e passa pela África. A questão da produção de alimentos de baixo carbono passa pelo Brasil, pela América Latina e pela África. Então, nós temos que tirar proveito disso para que a gente possa fazer com que o século XXI seja melhor para nós do que foi o século XX. Então a viagem, para mim, ela é muito prazerosa, ela foi muito prazerosa porque a gente pôde saber o prazer e a alegria que as pessoas têm de ver o Brasil voltar a pisar no terreno africano.
Fazia parecer que o Brasil tinha desaparecido e o Brasil voltou, não apenas por causa do samba, não apenas por causa do Carnaval, mas o Brasil voltou por causa da política. Porque agora o Brasil tem um governo que tem, sabe, relação privilegiada com o continente africano. Não só porque o Brasil precisa economicamente, mas porque o Brasil tem dívidas históricas a pagar com solidariedade e com transferência de conhecimento, sobretudo na questão da agricultura. Por isso, eu saio daqui satisfeito.
Obviamente que mais um domingo sem ver o Corinthians jogar, nem sei se vai ganhar ou se vai perder porque é com o Palmeiras hoje. Mas, de qualquer forma, depois de um longo e tenebroso inverno de perder tantos jogos seguidos, já ganhamos dois jogos seguidos. Eu volto pro Brasil na expectativa de que quando eu descer no aeroporto o Corinthians tenha ganhado o jogo. E eu posso ser mais feliz ainda.
No mais, se vocês quiserem fazer uma ou duas perguntas sobre a minha viagem. Se for para perguntar coisa do Brasil, eu queria aconselhar vocês a perguntarem quando a gente retornar para o Brasil. Se for para perguntar coisa da África, pergunte o que quiserem, se não, não vale a pena viajar. A gente viaja para discutir a África e vocês perguntam de São Bernardo do Campo.
Pergunta de jornalista — Carien du Plessis, do The Africa Report (feita em inglês)
Presidente Lula — Por muitas vezes as pessoas pensam que eu estou brincando quando eu falo de boca cheia o nome Sul Global. Porque nós já fomos conhecidos pelo planeta afora como os países pobres, depois como países do terceiro mundo, depois como países em vias de desenvolvimento, depois países semidesenvolvidos. E agora somos os países em desenvolvimento. Não senhor, nós agora somos a economia do Sul Global, que queremos nos dar uma chance para que a gente faça com que o Sul Global, que tem parte do que o mundo precisa hoje, possa ocupar o seu espaço na economia, na política e na cultura mundial. Obviamente que os BRICS são uma oportunidade excepcional. Nós achamos que é possível trazer outros países da África para os BRICS. Nós achamos que é possível outros países da África participarem do G20, mas nós estamos apenas começando. Estamos apenas começando e no G20, no Brasil, uma das coisas que nós queremos discutir são as instituições financeiras que existem desde que foram criadas a ONU, tipo FMI e Banco Mundial.
Se essas instituições vão servir para ajudar a financiar o desenvolvimento dos países pobres ou se essas instituições financeiras vão continuar existindo para sufocar os países pobres. O continente africano, não tenho o número preciso, mas é uma dívida do continente africano da ordem de 860 bilhões de dólares. Ou seja, uma dívida praticamente impagável por vários países. A sugestão nossa é que os fundos que emprestaram esse dinheiro ou as instituições financeiras deveriam levar em conta a necessidade de transformar parte dessa dívida num ativo produtivo para que esse dinheiro, ao invés de voltar para a instituição que emprestou, volte para a construção de uma ferrovia, de uma rodovia, de uma hidroelétrica, de uma termelétrica, ou seja, em alguma coisa que signifique desenvolvimento do continente, que volte para a educação, para uma universidade, um instituto de pesquisa.
Porque se a gente não mudar, essa será uma grande discussão que nós queremos fazer no G20. As pessoas precisam saber que nós queremos discutir muito o funcionamento das instituições financeiras, e eu estou muito à vontade para falar isso porque quando eu cheguei na Presidência do Brasil, todos vocês são muito jovens, mas se lembram a vergonha que a gente passava quando todo santo ano desciam dois técnicos do FMI para fazer vistoria na contabilidade brasileira. Todo ano.
Ou seja, um país que era a 12ª economia mundial receber todo ano dois fiscais para saber se a gente estava fazendo as coisas direito ou não. Então vocês sabem que quando eu cheguei a gente devia 30 bilhões para o FMI, a gente não tinha dinheiro para pagar as nossas exportações. Nós em apenas três anos resolvemos isso. Nós pagamos a conta para o FMI, nós reduzimos a credibilidade do Brasil junto às instituições financeiras, que essa é uma discussão que nós temos que fazer. Essas agências de avaliação, é preciso a gente criar uma agência para fazer a agência e para fazer a avaliação dessas agências de avaliação, para ver como elas avaliam os países, para ver qual é a credibilidade delas, qual é a seriedade delas na avaliação que elas fazem dos países, ou a quem que elas estão servindo quando elas fazem determinada avaliação negativa.
Então, graças a isso, vocês se lembram que em 2005 a China (a Índia) atingiu, pela primeira vez na vida, a reserva de 100 bilhões de dólares. E quando eu vi que a China (que a Índia) tinha feito uma reserva de 100 bilhões de dólares, eu fiquei pensando: “no dia que o Brasil conseguir fazer uma reserva de 100 bilhões de dólares a gente vai estar muito, muito, muito bem colocado na fotografia”. Chegamos a fazer 370 bilhões de dólares de reserva. O Brasil chegou a ser a quarta reserva internacional do mundo.
Isso permite que o Brasil seja como o Brasil é hoje. Um país que mesmo desgovernado, como foi nos últimos quatro anos, mesmo desgovernado, abandonado, o país tinha sustentação, porque tinha um colchão que dava segurança, àqueles que ainda queriam acreditar para investir no Brasil.
Então nós queremos discutir isso no G20, nós queremos fazer essa discussão. Vamos convidar os economistas mais importantes do mundo para fazer essa discussão, porque nós precisamos disso. Além disso, nós queremos discutir o funcionamento das Nações Unidas, porque do jeito que está hoje, efetivamente a ONU não representa mais as razões pelas quais ela nasceu, ou seja, ela não consegue resolver nenhum problema e os membros do Conselho de Segurança são os maiores produtores de armas, são os que detém as armas nucleares, são os que têm direito de veto e são os que não cumprem nada do Conselho de Segurança, porque não se submetem ao Conselho de Segurança. Então, se a gente não aproveitar esse momento histórico e discutir esses assuntos, nós nunca vamos discutir.
Ou seja, eu tenho dito aos companheiros presidentes, que eu tenho conversado, que a gente não tem que esperar a boa vontade de alguém que é fixo hoje no Conselho de Segurança, entender que é hora da gente entrar no Conselho de Segurança. Quem está não quer que ninguém mais entre. Ou seja, quem tem que brigar para entrar somos nós que estamos de fora que queremos construir uma nova geografia mundial balizada na realidade local. A geopolítica é outra diferente de 1945, diferente de 1948, diferente de 50.
O mundo é outro, então nós precisamos fazer com que haja uma representação mais robusta de mais países.
Por isso aqui nós defendemos a entrada, pode ter três países da África, pode ter dois da América Latina, pode ter a Índia, pode ter a Alemanha, pode ter o Japão. Nós precisamos colocar mais gente e acabar com o direito de veto na ONU, porque não é possível que um país sozinho possa vetar a aprovação de uma coisa aprovada por todos os membros.
Então nós estamos construindo um novo mundo, vocês estão lembrados que a gente em 2003 a gente dizia que um outro mundo era possível, outro Brasil era possível. Eu estou acreditando que é possível construir outro mundo. A África é uma parte do mundo que pode crescer muito. Os países ricos precisam acreditar no investimento, que tem que fazer no continente africano.
E o Brasil, humildemente, quer trazer para a África aquilo que nós podemos trazer, a experiência do sucesso da agricultura brasileira, não é só o sucesso do agronegócio brasileiro. Quando a gente fala do agronegócio brasileiro, a gente tem que lembrar que o Brasil tem 4 milhões e 600 mil propriedades com menos de 100 hectares de terra, que são responsáveis pela produção de quase 80% das coisas que nós consumimos. E é uma agricultura de muita qualidade.
Então tudo isso a gente pode trazer. Nós aprovamos o nosso programa Mais Alimentos. Nós vamos discutir para ver se a gente pode estender o programa Mais Alimentos para o continente africano, para o continente latino-americano, ou seja, para que os países pobres possam comprar máquinas e implementos agrícolas mais barato, com o financiamento mais longo, para que a gente possa aumentar a produção agrícola dos pequenos e médios produtores.
Então, é isso.
E eu acho que, a cada vez que eu venho a África, a cada vez que eu converso com um presidente da África. Eu estava conversando com o presidente da Nigéria. Eu não sei se vocês sabem, no final do século XVI, Lagos tinha 10 mil brasileiros que moravam na cidade de Lagos. Dez mil brasileiros. Tem rua com o nome de coisa do Brasil. O Brasil se afastou da Nigéria. Ou seja, 10 bilhões de comércio, caiu para 1,7 bilhões. 180 bilhões de habitantes lá, 200 no Brasil. E a gente não tem um voo. Não tem um avião que transite entre Lagos e São Paulo. Então nós vamos ter que discutir no Brasil internamente e na África a nossa geopolítica, pra gente não ficar dependendo de alguém que, para ir à Nigéria, ir à Europa para depois descer para a Nigéria, não tem nenhum sentido.
A Etiópia tem um avião para o Brasil, mas no Brasil não tem avião para a Etiópia. É um contrassenso porque quem deveria ter mais interesse era exatamente o país que pode ter mais indústria, que tem mais tecnologia, sabe, mas lamentavelmente a cabeça do nosso país ainda é uma cabeça muito elitista, muito subordinada à cultura europeia e aos Estados Unidos e não pensa no mundo. Nós queremos pensar, abrir esse mundo para que todos possam participar. É isso.
Pergunta de jornalista — Boa tarde, senhor presidente. Sou Américo Martins, da CNN Brasil. Eu queria fazer uma pergunta de política internacional. O principal tema neste momento discutido no mundo, é a morte do líder opositor russo Alexei Navalny numa prisão no Círculo Polar Ártico lá na Rússia. Essa foi uma morte que está sendo muito criticada por muitos governos, porque é muito suspeita devido, obviamente, ao histórico de direitos humanos, desrespeito aos direitos humanos e autoritarismo do governo do presidente Putin. Eu queria saber por que o governo brasileiro não se manifestou sobre essa morte até agora e se o senhor avalia que pode sim ser uma morte suspeita ou não.
Presidente Lula — Eu acho que é uma questão de bom senso. Você acabou de falar. Ou seja, se a morte está sob suspeita, nós temos que primeiro fazer uma investigação para saber porque o cidadão morreu. Vamos acreditar que os médicos legistas vão dizer “o cara morreu disso, daquilo” para você fazer um pré-julgamento. Porque se não você julga agora que foi não sei quem que mandou matar e não foi e depois você vai pedir desculpas. Para que essa pressa de acusar alguém? Sabe quando anos estou esperando o mandante do crime da Marielle. Seis. E não tô com pressa de dizer quem foi, mas eu quero achar. Quando eu achar vou dizer “foi fulano de tal”. Não quero especulação.
Então, o cidadão morreu numa prisão, eu não sei se ele estava doente, eu não sei se ele tem algum problema, como morreu um cidadão no avião que veio para Etiópia trazer a delegação brasileira. Vocês sabem que um rapaz morreu dentro do avião. A gente vai culpar quem? Tem que fazer a perícia para depois para depois saber o seguinte: “olha, esse cara teve tal coisa e morreu”. Porque se não, é banalizar uma acusação. Eu até compreendo os interesses de quem acusa imediatamente: “foi fulano”. Não é o meu mote. Eu espero que o legista aqui vá fazer o exame diga do que o cidadão morreu. É só isso.
Pergunta de jornalista — Bom dia, presidente, tudo bem? Renato, da Folha de São Paulo. Presidente, eu preciso perguntar sobre a fuga dos presos de Mossoró. Só queria saber uma avaliação do senhor e se o senhor considera que houve falhas e de quem.
Presidente Lula — Eu não queria responder sobre o Brasil, mas eu vou responder. Primeiro, a primeira pessoa que disse que estaria fazendo uma sindicância para apurar se houve participação de alguém que trabalhava no presídio de segurança máxima foi o ministro Lewandowski. Dito isso, nós estamos à procura dos presos, esperamos encontrá-los e, obviamente, queremos saber como é que esses cidadãos cavaram um buraco e ninguém viu. Só faltaram contratar uma escavadeira. Eu não quero acusar, mas teoricamente parece que teve a conivência com alguém do sistema lá dentro.
Como eu não posso acusar ninguém. Eu sou obrigado a acreditar que uma investigação que está sendo feita na polícia local e pela Polícia Federal nos indica amanhã ou depois de amanhã o que aconteceu no prédio de Mossoró. Nós construímos esses presídios desde 2005, é a primeira vez que fogem as pessoas de um presídio. Isso significa que pode ter havido relaxamento e nós vamos saber de quem. Só isso.
Pergunta de jornalista — Tudo bem, presidente, Lúcia Müzell, da Rádio França Internacional para o Brasil. No Egito o senhor prometeu uma nova ajuda para a agência de refugiados palestinos em Gaza. A gente gostaria de saber de quanto vai ser esta ajuda, quando vai ser e também qual o objetivo do Brasil anunciando esta medida num contexto em que vários países estão suspendendo a ajuda por suspeita de conexões entre funcionários da agência e o grupo Hamas. O senhor criticou inclusive no Egito esta suspensão. Num contexto também que eu gostaria de talvez relacionar com o contexto da Venezuela em que a agência de direitos humanos da Venezuela, da ONU na Venezuela, funcionários estão sendo expulsos de lá, 72 horas para eles saírem. Eu gostaria de saber se o senhor se pronuncia sobre isso também.
Presidente Lula — Eu não tenho as informações do que está acontecendo na Venezuela, da briga da Venezuela com a ONU. Eu posso responder essa pergunta com precisão quando eu chegar ao Brasil e tiver uma reunião com a política externa brasileira e saber. Mas veja, é muito engraçado! É muito engraçado. Quando eu vejo o mundo rico anunciar que está parando de dar contribuição para a questão humanitária aos palestinos, eu fico imaginando qual é o tamanho da consciência política dessa gente? E qual é o tamanho do coração solidário dessa gente, que não está vendo que na Faixa de Gaza não está acontecendo uma guerra, mas um genocídio! Porque não é uma guerra entre soldados e soldados. É uma guerra entre um exército, altamente preparado, e mulheres e crianças.
Olha, se teve algum erro nessa instituição que recolhe dinheiro, puna-se quem errou, mas não suspenda a ajuda humanitária para um povo que está há quantas décadas tentando construir o seu Estado. O Brasil não apenas afirmou que vai dar contribuição — eu não posso dizer quanto porque não é o presidente que decide, é preciso ver quem é que cuida disso no governo, para saber quanto é que vai dar — como o Brasil disse que vai defender na ONU a definição do Estado palestino ser reconhecido definitivamente como Estado pleno e soberano.
É importante lembrar que em 2010 Brasil foi o primeiro país a reconhecer o Estado palestino. Eu preciso parar de ser pequeno quando a gente tem que ser grande. O que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não existe um nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu, quando Hitler resolveu matar os judeus. Então não é possível que a gente possa colocar um tema tão pequeno. Você deixar de ter ajuda humanitária. Quem vai ajudar a construir aquelas casas que foram destruídas? Quem vai restituir a vida de 30 mil pessoas que já morreram? 70 mil que estão feridos? Quem vai devolver a vida das crianças que morreram, sem saber porque estavam morrendo? Isso é pouco para mexer com o senso humanitário dos dirigentes políticos do planeta?
Então, sinceramente, ou os dirigentes políticos mudam o seu comportamento com relação ao ser humano, ou ser humano vai terminar mudando a classe política. O que está acontecendo no mundo hoje é falta de instância de deliberação. Nós não temos governança! Eu digo todo dia: a invasão do Iraque não passou pelo Conselho de Segurança da ONU. A invasão da Líbia não passou pelo Conselho de Segurança da ONU. A invasão da Ucrânia não passou pelo Conselho de Segurança da ONU. E a chacina de Gaza não passou pelo Conselho de Segurança da ONU.
Aliás, as decisões tomadas pelo Conselho não foram cumpridas e tampouco foi cumprida a decisão penal tomada agora no processo da África do Sul. O que nós estamos esperando para humanizar o ser humano? É isso que está faltando no mundo. O Brasil continua solidário ao povo palestino. O Brasil condenou o Hamas, mas o Brasil não pode deixar de condenar o que o Exército de Israel está fazendo na Faixa de Gaza.
Gente, boa viagem para vocês.