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Entrevista coletiva do presidente Lula durante visita à Alemanha
Jornalista Sérgio Utsch (SBT): Presidente Lula, boa tarde. Sérgio Utsch, SBT. Faço a pergunta em nome dos colegas da imprensa brasileira. Eu queria fazer uma pergunta para o senhor sobre o MERCOSUL. O acordo MERCOSUL-União Europeia. O comissário de comércio da União Europeia já anunciou que não vai mais ao Rio de Janeiro. Há alguns sinais contrários a esse acordo, a começar pelo presidente francês, cujas declarações o senhor já comentou. A minha pergunta para o senhor é: realisticamente, diante das novas circunstâncias, qual a chance de haver um anúncio de um acordo MERCOSUL-União Europeia no Rio de Janeiro?
Chanceler, boa tarde, a minha pergunta vai também nesse sentido. Havia uma grande expectativa no Brasil de que esse anúncio seria feito no Rio de Janeiro, mas, agora, as novas circunstâncias, após as declarações do presidente Emmanuel Macron, eu queria saber o que o senhor pensa sobre as declarações dele e se o senhor considera o acordo antiquado, como disse o presidente francês.
Presidente Lula: Apenas para te ajudar a repor a informação correta. Eu tive com a presidenta da Comissão Europeia, em Dubai. Conversamos muito com ela sobre a possibilidade do acordo. Ela nunca disse que ia ao Rio de Janeiro. Ela tinha um compromisso, acho que na China, e ela teve que viajar. Isso ela me comunicou já no começo da semana. Quem pode ir ao Brasil é o presidente da União Europeia, o Pedro Sánchez, que é o chefe de governo da Espanha. Mais informação.
A segunda coisa é a seguinte: depois de eu conversar com a von der Leyen, eu conversei com o Macron. E eu quero só alertar que não é só apenas o Macron. Foi o Macron, foi o Sarkozy, foi todos os presidentes, o Chirac. Foi o nosso companheiro do partido socialista, François Hollande. Nenhum deles se propõe a fazer acordos com o MERCOSUL porque eles têm problemas políticos e financeiros com os produtores franceses. Nós respeitamos a posição deles. O que eu não posso dizer é que a gente ainda não vai assinar. Primeiro, porque, além da posição da França, nós temos uma posição da Argentina, que teve eleições, o novo presidente toma posse dia 10. O Alberto Fernández vai participar da nossa reunião dia 7. Dia 6 haverá uma reunião dos ministros, dos chanceleres, dos países do MERCOSUL, que vão tentar resolver alguma pendência técnica que exista. Quem sabe o Chanceler Olaf Scholz consiga conversar com o nosso companheiro presidente da Argentina, quem sabe consiga convencer o Macron ainda. E eu só posso dizer para você que não vai ter assinatura, hora que terminar a reunião do MERCOSUL que eu tiver ou não.
Enquanto eu puder acreditar que é possível fazer esse acordo, eu vou lutar para fazer. Porque, depois de 23 anos, se a gente não concluir o acordo, eu penso que nós estamos sendo irrazoáveis com as necessidades que nós temos de avançar nos acordos comerciais, políticos e econômicos. Então, eu vou continuar trabalhando, eu estou indo para o Rio de Janeiro direto daqui de Berlim, o Mauro vai direto hoje à noite. Eu tenho reunião com movimento social, com movimento sindical, com os pequenos produtores rurais brasileiros e vou ter a reunião de presidentes.
Eu sou um homem muito crente, eu sou um homem que eu não desisto. Você está lembrado do slogan do meu primeiro mandato: sou brasileiro e não desisto nunca. E eu não vou desistir enquanto eu não conversar com todos os presidentes e ouvir o não de todos. Daí, nós vamos partir para outra. De qualquer forma, isso não mexe uma vírgula na importância do acordo que nós estamos assinando com a Alemanha hoje, que vai ser muito, muito bom para o Brasil, muito bom para a Alemanha, muito bom para a questão ambiental e muito bom para a futura transição energética que nós estamos levando muito a sério no Brasil.
Jornalista do POLITICO: Eu tenho uma pergunta ao presidente Lula. O senhor acabou de dizer que os brasileiros nunca desistem e que você não quer desistir. Será que eu entendi que há uma possibilidade de assinar o acordo, ainda esta semana, no Rio de Janeiro? Poderia também entender por que o presidente Fernández anunciou dificuldades? Acha que poderá convencê-lo a assinar o acordo e acha que se ele não fizer há uma possibilidade de celebrar um acordo já sob a presidência de Javier Milei?
Presidente Lula: Eu vou apenas repetir um pouco daquilo que eu disse na primeira resposta que eu dei. Veja, eu vou para uma reunião conversar com as pessoas sobre a possibilidade de fazer um acordo. Eu fiz reuniões com o Macron, fiz com a Von der Leyen, que é a presidenta da Comissão Europeia, e meu ministro das Relações Exteriores vai a Brasília para dia 6 fazer uma reunião. Olha, se eu não acreditasse que é possível, numa reunião, a gente convencer uma pessoa de mudar de posição, de que é possível que as pessoas que vão trabalhar ainda, ajuste técnico nas propostas, possa encontrar solução, eu não precisaria fazer reunião. Eu vou na reunião porque eu acredito. Eu vou na reunião para tentar convencer as pessoas sobre aquilo que eu acredito.
Olha, mas ao mesmo tempo, eu não posso perder de vista que é a sustentabilidade do regime democrático está em você entender que as pessoas não são obrigadas a fazer aquilo que você quer. Se o meu companheiro Alberto Fernández, por alguma razão, não quer fazer o acordo, eu vou entender. Eu entendi o Macron porque não é só o Macron. Eu disse, na questão da França, foi o Macron, foi o François Hollande, foi o Sarkozy, foi o Chirac. Todos com quem eu discuti, eles criaram dificuldade para o acordo. Isso faz 23 anos. Mesmo assim eu ainda estou persistindo, porque se eu não persistisse, eu não teria chegado à Presidência da República do meu país, porque eu perdi três eleições antes de ganhar a primeira. Se eu não persistisse, eu não estaria aqui, porque eu, ao cinco anos de idade, saí do meu estado natal para ir para São Paulo, para não morrer de fome. Se eu não persistisse, eu não tinha sequer criado um partido político dos trabalhadores, porque diziam que trabalhador não nasceu para fazer política, e sim para trabalhar.
Como eu sou a pessoa que acredito sempre e não desisto nunca, eu estou indo para o Rio de Janeiro fazer as reuniões que eu tenho que fazer, na expectativa de que os bons ventos e os corações das pessoas estejam abertos. Ontem, quando eu me despedi do presidente Macron, eu falei pro Macron: "Quando você pegar o avião, que você sentar na sua cadeira de avião, abra o seu coração, converse com a sua esposa e aceite fazer um acordo entre a União Europeia e o MERCOSUL. Ora, se isso não sensibilizou, eu não vou desistir do Macron. Não vou desistir porque nós vamos ter outra reunião, outras necessidades. Eu vou continuar, até um dia eu conseguir. Quando eu era candidato a presidente do Brasil, eu perdi a primeira eleição, perdi a segunda, perdi a terceira. E as pessoas falavam assim: "Lula, desiste, não vai dar para você. Desiste". E eu falava: "Não, não vou desistir. Eu vou provar que vou ganhar". E pronto. Estou aqui. O único presidente que foi eleito três vezes a presidente da República de meu país. Entende por que que eu não posso desistir? Entende por que eu acredito? Por isso, porque eu sou brasileiro e não desisto nunca.
Jornalista Edi Forniti (HedFlow): Boa tarde, presidente Lula. Eu sou Edi Fortini, falo do coletivo HedFlow e também em nome dos meus colegas jornalistas aqui presentes, que conversamos previamente, nos bastidores. Essas consultas governamentais celebram a parceria entre o Brasil e Alemanha, todos nós sabemos, então gostaria de fazer essa pergunta para os dois lados. No sábado, o ministro das Finanças da Alemanha declarou que vai cortar os gastos nas parcerias internacionais como uma das formas de se cortar gastos por aqui. Então, gostaria de saber como que pode se garantir o fluxo de verbas dessas parcerias entre Brasil e Alemanha, neste momento. Obrigada.
Presidente Lula: Queria pedir desculpas, porque não posso responder essa pergunta. Eu não posso comentar a fala de um ministro da Alemanha. Somente o meu amigo Scholz é que pode comentar.
Pergunta do jornalista alemão: O Brasil tem assumido um papel diferente ao lidar com o conflito entre Israel e Hamas, senhor presidente. O senhor é a favor de uma trégua permanente, um cessar-fogo permanente. A Alemanha está do lado de Israel de forma decisiva. Eu quero lhe perguntar o que espera da Alemanha em relação a esse conflito. A seu ver, qual é o papel que a Alemanha deveria desempenhar. Falando agora da agressão russa à Ucrânia, eu quero lhe perguntar até que ponto vai utilizar a presidente brasileira do G20 para chegar a uma solução negociada. Eu quero saber se deseja que o presidente russo participe na Cúpula do Rio de Janeiro no ano que vem. Foram feitas declarações contraditórias da sua parte e não sabemos como é que vai lidar com esse mandado de captura internacional. Será que o senhor Putin poderá ir ao Brasil sem recear ser preso.
Senhor chanceler federal, o fato de haver diferenças consideráveis entre a Alemanha e o Brasil ao lidar com dois temas de política externa. Pois bem, apesar disso considero o Brasil um parceiro em matéria de segurança internacional, como um parceiro confiável, como já falou da política ambiental do Brasil e a crise orçamentária, senhor chanceler? Eu quero perguntar se está confiante de que será possível chegar a um acordo até quarta-feira para que o orçamento de 2024 possa ser aprovado antes do final do ano. E qual é a sua opinião em relação ao fato de alguns participantes das negociações já terem estabelecido linhas vermelhas em matéria de negociação.
Presidente Lula: A pergunta do nosso companheiro jornalista é uma pergunta intrigante. Porque, deixa eu lhe falar uma pequena história para você entender o que vou responder. Eu entrei na política em 1970 pela mão do meu irmão mais velho que era um militante do Partido Comunista Brasileiro. Eu era militante do sindicato e militante de comunidade de base da Igreja Católica. E eu tinha muita divergência com meu irmão. E a gente se encontrava quando a gente ia visitar a minha mãe ou quando a gente ia fazer encontro de família. E eu dizia pro meu irmão frei Chico: “Se a gente quiser viver bem, a gente nunca vai ter que discutir as nossas divergências quando a gente tiver numa reunião de família discutindo outros assuntos. Veja, eu não vim aqui para discutir nem Faixa de Gaza, nem para discutir Ucrânia nem Rússia. Eu tenho uma posição a respeito, que é a posição do meu país. Primeiro, a gente respeita a decisão da carta da ONU, que define que nenhum país tem o direito de invadir a integridade territorial de outro país. Pronto. Isso não me obriga a ter um lado. Isso me obriga a tentar continuar brigando pela paz. E é o que estou fazendo.
Tento, cada vez mais, com cada presidente que eu converso, eu continuo acreditando que a gente só tem um lado pra gente ficar. É o lado de convencer a nossa querida Assembleia das Nações Unidas a ajudar decidir as soluções de controvérsias que existem no mundo. É para isso que a ONU foi criada. Então, se cada vez que tiver uma guerra a gente ficar discutindo “tô com quem, tô com quem”, não vai ter paz. Eu estou do lado daqueles que querem construir a paz. Já conversei com muita gente, vou continuar conversando com muita gente porque haverá um momento em que vai ter que se pensar na paz.
Eu acompanho as divergências entre palestinos e judeus há muitos anos, muitas décadas. Essa é a única vantagem que eu tenho de ser mais velho. É porque são muitos anos de militância, de ver conflito, de ver divergência, de ver ataque, de ver desaforos, de ver agressões. Eu sou presidente de um país que tem uma grande comunidade judaica e tem uma grande comunidade árabe. Nós temos, praticamente, 20 milhões de árabes, descendentes de libaneses, sírios e de todos os países. E a gente vive em paz. É esse modelo de paz que eu gostaria que tivesse em Israel.
O dado concreto é que houve, efetivamente, por parte do Hamas, um ato terrorista. Além de terrorista, irresponsável, porque quem está pagando o preço é o povo palestino inocente. São mulheres, são crianças. Já são 15 mil mortos, dos quais, quase 7 mil crianças e 80% crianças e mulheres, além de 7 mil desaparecidos. Aí, esqueça a minha condição de presidente do Brasil. A minha condição de humanista é de que não há por que haver essa guerra. Não há por que. A desgraça foi feita no primeiro atentado. A ONU deveria intervir para que encontrasse uma solução. O Brasil era presidente do Conselho de Segurança, o Brasil apresentou uma proposta para que houvesse uma trégua humanitária, para que parasse o bombardeio para que retirasse criança, para que retirasse da zona de perigo. Inclusive, para nós buscarmos os brasileiros que estavam lá.
Nós já tiramos 32 brasileiros e vamos buscar, ainda, 102 brasileiros que estão na Faixa de Gaza. Como pegamos 1.400 que estavam em Israel. Então, essa nossa decisão na ONU foi aprovada por 12 países que faziam parte do Conselho de Segurança. Teve duas abstenções, que foi Reino Unido, que foi a Rússia, e teve um voto contra e um veto, que foi dos Estados Unidos. Quem sabe se tivesse votado na posição do Brasil a gente teria tido a trégua bem antes, teria morrido bem menos gente e a gente só pode encontrar paz e discutir paz se a gente sentar numa mesa de negociação. Esse era o papel das Nações Unidas, que não está fazendo. Então, obviamente, que eu respeito a posição de cada paz e eu acho que eu continuo defendendo, historicamente, desde que eu assumi o entendimento do que significa a criação dos dois países, que eu tenho certeza que a única solução para os conflitos entre Israel e Palestina é a consolidação de dois países para viver nos seus territórios, pacificamente, harmonicamente.
E é preciso ter vontade. Eu já conversei com muitos presidentes de Israel sobre isso, já conversei com muita gente palestina sobre isso. Mas, me parece, que tem gente que não quer paz. Me parece que tem gente que não quer dois países. Eu posso dizer para vocês que não é por parte do povo, o povo quer. Quem não quer é porque tem outros interesses. Lamento profundamente. Lamento, porque nunca vi uma guerra em que a preferência da morte são crianças, mulheres, inclusive mulheres antecipando parto, fazendo cesariana para não verem seus filhos morrerem. Se isso não toca a direção da ONU, se isso não toca as pessoas que têm responsabilidade de construir a paz, eu sinceramente não sei o que toca a sensibilidade do ser humano.
Eu, às vezes, tenho a impressão que nós estamos deixando de ser humanistas, de que nós estamos abrindo mão de fraternidade. Nós estamos abrindo mão da solidariedade, sabe, esquecendo que o ser humano nasceu para viver em paz. É assim que é a minha vida, é assim que eu acredito e é assim que eu brigo. Continuo acreditando. No caso de Gaza, eu falei com doze presidentes da República. Com doze. Inclusive, três vezes com o presidente de Israel, para ver se a gente tenta encontrar uma solução. Lamentavelmente, não consegui. E me parece, me parece, que está longe o fim dessa briga. Eu lamento. Lamento como ser humano. Lamento como presidente do Brasil e lamento como humanista que eu sou, que tenho amor à vida e acho que ninguém deve morrer por irracionalidade de chefes de governo, de grupos. Ninguém deve ser vitimado pela irracionalidade.
E eu acho que a guerra é um gesto inumano do ser humano. É quando ele perde totalmente o senso de humanismo. Então, meu caro, termino dizendo para você: lamento que a gente tenha que assistir essa violência e que me parece que não tem solução de curto prazo. No G20, a gente vai discutir isso. A gente vai discutir, porque a gente não pode abrir mão de discutir esses assuntos que me parecem que são necessários de ser discutidos. E eu queria terminar dizendo que só vão ser resolvidos se a ONU mudar a sua representação. É preciso mais gente. É preciso entrar a Alemanha no Conselho de Segurança, é preciso entrar o Brasil, é preciso entrar o Japão, é preciso entrar a Índia, é preciso entrar dois ou três países do continente africano. É preciso entrar mais gente da América Latina. Ser do Conselho de Segurança não é um privilégio de apenas cinco países. A geopolítica de 1945 não é a geopolítica de 2023. Muita coisa mudou no mundo. Só não mudou a irracionalidade dos irracionais.
É isso. Se o Putin vai ou não, meu caro, o Putin vai ser convidado. Se ele vai ou não, ele tem um processo, ele tem que aferir as consequências. Não sou eu que posso dizer. É uma decisão judicial e um presidente da República não julga as decisões judiciais. Ele cumpre ou não cumpre. E, portanto, o Putin está convidado para o G20 no Brasil e para os BRICS no Brasil e, se comparecer, ele sabe o que vai acontecer. Pode acontecer e pode não contecer. Ele não faz parte desse tribunal, ele não é assinante desse tribunal. Os Estados Unidos também não é. O Brasil é. Como o Brasil é signatário, o Brasil tem responsabilidade.