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Entrevista coletiva do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos)
Presidente Lula — Vocês começam fazendo pergunta. Eu só queria introduzir meia dúzia de palavras para dizer o seguinte. Essa viagem mostrou aquilo que pode acontecer com o Brasil se o Brasil levar a sério o protagonismo internacional que ele pode criar. Nossa visita à China foi extraordinária. Fizemos acordos que somam R$ 50 bilhões de reais. Aqui nos Emirados Árabes Unidos fizemos acordos que somam R$ 12,5 bilhões de reais.
E o que é mais importante do que a soma do dinheiro é a possibilidade de novos acordos que podem ser feitos, não apenas do ponto de vista comercial, mas do ponto de vista cultural, do ponto de vista digital, do ponto de vista educacional, porque nós queremos mais estudante estrangeiros estudando no Brasil e mais brasileiros estudando fora para que a gente possa universalizar melhor a nossa política cultural.
Eu convidei o xeque para visitar o Brasil. Ele disse que vai visitar o Brasil porque tem muitos interesses econômicos no Brasil. Convidei o presidente Xi Jinping para visitar o Brasil e há amplas possibilidades de ele também visitar o Brasil.
Eu regresso para o Brasil com a certeza de que nós estamos voltando à civilização. Ou seja, o governo está fazendo aquilo que é sua obrigação: se abrir para o mundo e, ao mesmo tempo, convencer o mundo a se abrir para o Brasil.
E o Brasil tem uma extraordinária vantagem comparativa na relação a outros países, que é a questão climática. O Brasil tem uma matriz energética muito limpa, tem potencial eólico muito grande, um potencial de energia solar ainda maior. O Brasil está em vários estados do Nordeste trabalhando a questão do hidrogênio verde, além da nossa política de biodiesel, de etanol, além da biomassa, que são alternativas que o Brasil tem para oferecer ao mundo como parceria de aumentar a capacidade produtiva do Brasil.
Além do que, em maio, vamos discutir outra vez com governadores brasileiros as principais obras de infraestrutura do país. Nós queremos apresentar esse projeto de obras de infraestrutura a outros países para que empresários que queiram investir tenham opções certas de investimento, porque o Brasil é um país que tem estabilidade jurídica, estabilidade política e vai se transformar num país de estabilidade econômica.
Nós temos um governo que tem credibilidade na sociedade e em outros países do mundo. Nós garantimos a estabilidade social no país e somos um governo de muita previsibilidade. Ou seja, as coisas no Brasil nunca mais acontecerão por acaso. Elas serão planejadas e executadas corretamente.
Nós vamos contar com apoio do Congresso brasileiro, daí a importância da presença do presidente do Senado nessa viagem. A presença do nosso querido líder do governo no Senado, senador Jaques Wagner. E a presença do nosso querido Jerônimo, governador da Bahia, que foi o grande premiado nessa viagem aos Emirados Árabes.
Eu ainda assumi o compromisso com ele de que a ponte que liga Salvador a Itaparica, que tem 12 km. É uma ponte muito cara e nós vamos precisar de parceiros internacionais para construir aquela ponte, que vai favorecer muito o desenvolvimento da Bahia. Por isso que ele, dentre nós, é o que está mais feliz. E ainda trouxe uma camisa do Bahia para entregar ao xeque. Porque os [trecho inaudível] que compraram o Bahia. E eu estou tentando aqui também ver se eles querem comprar o Corinthians. Mas a Janja é flamenguista e já quis vender o Flamengo. Ou seja, o Pacheco já quis vender o Atlético Mineiro. Então, é muito time. É melhor ficar quieto e deixar que eles escolham por conta própria.
Bem, vamos ao que interessa, às perguntas.
Jornalista (France Press) - [questão associada ao tema da guerra na Ucrânia, apresentada diretamente ao presidente pelo tradutor]
Presidente Lula — Eu penso que a construção da guerra foi mais fácil do que será a saída da guerra. Porque a decisão da guerra foi tomada por dois países. E agora, o que nós estamos tentando construir? Nós estamos tentando construir um grupo de países que não têm nenhum envolvimento com a guerra, que não querem a guerra, que desejam construir paz no mundo, para conversarmos tanto com a Rússia quanto com a Ucrânia.
Mas, também, nós temos que ter em conta que é preciso também conversar com os Estados Unidos e com a União Europeia. Ou seja, nós precisamos convencer as pessoas de que a paz é a melhor forma para se reestabelecer qualquer processo de conversação.
E eu acho que é isso que nós temos interesse em fazer. O Brasil, a China. Eu quero envolver outros países da América Latina. Esse assunto já conversei com o presidente Biden, já conversei com o chanceler alemão, já conversei com o Macron, conversei com o Xi Jinping, conversei com presidentes da América do Sul.
E eu acho que é uma tentativa que nós vamos fazer, porque do jeito que está a coisa, a paz está muito difícil. O presidente Putin não toma iniciativa de parar. O Zelensky não toma iniciativa de parar. A Europa e os Estados Unidos terminam dando uma contribuição para a continuidade dessa guerra. E eu acho que temos que nos sentar numa mesa e dizer “chega”.
Vamos conversar porque a guerra nunca trouxe e nunca trará benefício para a humanidade. Eu fiquei muito feliz com a visita do presidente Macron para conversar com o Xi Jinping e é muito importante que as pessoas comecem a discutir a questão de paz.
Todo mundo sabe que eu já propus a criação de uma espécie de G20 da paz. Quando houve a crise econômica de 2008, rapidamente nós criamos o G20 para tentar salvar a economia. Agora é importante criar um outro G20 para acabar com a guerra e estabelecer a paz.
Essa é a minha intenção e eu acho que nós vamos conseguir um intento muito grande. Ontem eu conversei com o xeque sobre a guerra, conversei com o Xi Jinping sobre a guerra e eu acho que nós estamos encontrando um conjunto de pessoas que preferem falar em paz do que em guerra. Eu acho que vai dar certo.
Jornalista Bianca Rothier (TV Globo / GloboNews) --- presidente, obrigado por ter acordado mais cedo para falar com a gente, a gente está acompanhando a sua viagem desde Xangai, sei que está muito cansado, mas eu gostaria de retomar aquele assunto da extradição do Tiago Brennand, empresário brasileiro que está aqui nos Emirados Árabes, acusado de agressão e estupro; eu gostaria de saber se o senhor tem detalhes agora sobre a aprovação desse pedido de extradição, e se o senhor não reconhece que mesmo que o senhor não tenha conversado com o presidente sobre o assunto, isso não é um gesto de boa vontade, né (do governo dos Emirados Árabes com o senhor e com o Brasil)? Muito obrigado.
Presidente Lula — Na verdade, não foi um assunto tratado com a Sua Alteza o xeque Mohammed. Mas eu fiquei sabendo por você, quando eu cheguei aqui, e depois eu fiquei sabendo que os Emirados Árabes vão fazer a extradição.
Quando vai acontecer é uma questão da justiça e da polícia. A única coisa que eu sei é que se no mundo existe um milhão de cidadãos como esse, todos merecem ser punidos. Porque não é humanamente aceitável que um brutamontes desse seja um agressor de mulheres. Eu acho que ele tem que pagar.
Jornalista (Sky News) - [questão associada ao tema dos BRICS e nova moedas para o comércio internacional, apresentada diretamente ao presidente pelo tradutor]
Presidente Lula — Eu não quero criar movimento separado do G7. O G7 não depende do Brasil para existir. Aliás, quando o Brasil era a sexta economia do mundo, ele não era convidado como a sexta economia do mundo. Era convidado como uma espécie de gratidão do país que realizava o G7.
É impossível você fazer uma reunião do G7 e a segunda com a primeira economia do mundo, dependendo como você analisa, e não ser convidado. O Putin era convidado até outro dia. O Brasil China, Rússia e Índia eram convidados. O que eu acho é que, quando nós criamos o G20, era porque o G7 tinha entendido que ele já não tinha o tamanho necessário para discutir a crise de 2008.
O G20 é uma coisa muito mais importante. Participa além das sete, mais 13 economias do mundo. Então a gente poderia neste instante estar convocando o G20 para discutir a questão da inflação no mundo, para discutir a questão da taxa de juros no mundo, para discutir a questão da violência no mundo, porque a violência é uma coisa muito grave hoje, e em muitos países do mundo.
No Brasil, nós estamos tendo violências nas escolas, em creches e nós precisamos discutir no G20 como é que a gente vai cuidar dessas plataformas digitais que não têm nenhuma responsabilidade com fake news, com a transmissão de ódio, com verdadeiras práticas terroristas através de uma rede digital (que de social tem muito pouco hoje).
Então, a minha inquietação é que a gente faça uma reunião estabelecendo uma relação de temas que estão na ordem do dia. A ordem do dia é fortalecer a democracia no mundo. A ordem do dia é respeitar as instituições democráticas. A ordem do dia é acabar com a disseminação do ódio em todos os países através da rede social. A ordem do dia acabar com a fome no mundo. Acabar com a desigualdade.
Esses temas que eu acho que têm que ser discutidos, se não, não vale a pena. Essa é a minha preocupação. Eu respeito todos os países. Respeito todas as reuniões que cada um quiser fazer. Respeito a autodeterminação dos povos, mas o que eu quero dizer é que o Brasil tem pensamento próprio e o Brasil quer voltar a ser um ator protagonista de muita influência, sobretudo nesta questão do clima.
Poucas, poucas nações no mundo têm autoridade política e moral que o Brasil tem de discutir isso, e nós queremos discutir com muita profundidade. Porque, muitas vezes, algumas nações ricas acham que tudo se resolve propondo a criação do Fundo, e eu acho que as coisas, para se resolverem, tem que ter atitudes. Até hoje o protocolo de Kyoto não foi assinado por alguns países. Até hoje o Acordo de Paris não foi cumprido por muitos países.
E o que que eu estou defendendo na verdade? Eu estou defendendo uma governança nacional global mais forte. As Nações Unidas precisam ter mais gente no Conselho de Segurança. Precisa ter mais representatividade. A realidade política de 1945 não é a mesma de 2023. Então nós queremos mais países participando. Nós queremos países da América Latina; nós queremos países da África; nós queremos mais países do mundo Árabe; nós queremos a Alemanha. Ou seja, queremos a Índia.
Quando você tiver mais representatividade nessa governança global, a gente pode tomar decisão sobre a questão do clima e ela ser obrigada a ser cumprida por todos os países e não ficar para a decisão do estado nacional.
É simples. O que nós não podemos é continuar fazendo no meio do século XXI aquilo que a gente fazia no meio do século XX. Nós falamos em inovação, inovação, inovação, inovação, mas a inovação também estará no gestos, nas atitudes e aí isso que nós queremos e eu acho que nós vamos conseguir.
Agora eu tenho uma viagem muito longa. Muito obrigado.