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Entrevista coletiva concedida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Bruxelas, na Bélgica, após reunião CELAC - União Europeia
Bem, primeiro bom dia para vocês. Bom dia para a imprensa brasileira, para a imprensa estrangeira. Bem, dizer para vocês que foi uma reunião extremamente exitosa. Acho que de todas as reuniões que eu participei com a União Europeia essa foi a reunião mais exitosa de todas elas por uma razão: havia oito anos que não havia reunião da CELAC e havia muitos anos que o Brasil não participava desses encontros internacionais. E o fato de fazermos a reunião entre CELAC e União Europeia com a participação de 60 países demonstrou de forma inequívoca o interesse da União Europeia voltar os seus olhos para a América Latina.
Eu poucas vezes vi tanto interesse político e econômico dos países da União Europeia com os seus interesses para a América Latina. Possivelmente pela disputa entre Estados Unidos e China. Possivelmente pelos investimentos da China na África e na América Latina. Possivelmente pela nova rota da seda. Possivelmente pela guerra. O dado concreto é que a União Europeia demonstrou muito interesse em voltar a fazer investimentos na América Latina anunciando um investimento de 45 bilhões de euros no próximo período.
Certamente esses 45 bilhões já fazem parte de muitos projetos que já estão em andamento. Mas não deixa de ser extremamente importante voltar a reafirmar os investimentos na América Latina. No documento, a União Europeia reafirma a intenção em ajudar a financiar os 100 bilhões de dólares para se combater o desmatamento nas florestas, seja na Amazônica ou seja em outras florestas. Ao mesmo tempo que a União Europeia demonstrou interesse em tentar construir a possibilidade de chegar a ter paz aqui no continente.
Da parte do Brasil é muito importante por dois fatores. Primeiro porque o Brasil está retomando todas as políticas de inclusão social que o mundo inteiro conhecia e que o governo anterior simplesmente aboliu. Segundo porque o Brasil está com decisões tomadas, acertadas, e decisões que nós vamos cumprir, de fazer com que a transição energética seja a possibilidade de um investimento na chamada economia verde.
Ou seja, o Brasil é um país que tem um potencial excepcional. Nós temos 87% da nossa energia elétrica renovável, contra o mundo que só tem 28%. Nós temos, de toda a matriz energética, envolvendo combustível, 50% totalmente renovável contra 15% do resto do mundo. Eu vou dar esses números para dizer para vocês que pouca gente tem autoridade moral para falar em transição ecológica com o Brasil sem levar em conta a realidade brasileira.
Nós temos um compromisso soberano em acabar com o desmatamento na Amazônia. Nós vamos ter dias 8 e 9 de agosto, na primeira vez em 45 anos, uma reunião com todos os países amazônicos para discutir uma estratégia em defesa do território amazônico, ao mesmo tempo levando em conta que na Amazônia da América do Sul tem 50 milhões de seres humanos que precisam ser levados em conta, que precisam ter qualidade de vida. Por isso, é importante pensar numa preservação com desenvolvimento, para a que a gente possa atender aos interesses da população.
Nós estamos convidando para participar desse encontro dos países com floresta a Indonésia e os dois Congos, que são três países com muita reserva de florestas ainda. E nós pretendemos com esse encontro preparar um documento para ser levado para a COP-28, que se realizará no final do ano, nos Emirados Árabes. Eu penso que até a COP-30 no Brasil, em 2025, a gente vai ter definido não apenas pelo Brasil, mas pelo mundo, o verdadeiro compromisso que o mundo vai ter, de preservar a floresta amazônica. É importante que as pessoas levem a sério. A Amazônia é um território soberano do Brasil, no caso dos quase quatro milhões de quilômetros quadrados.
O Brasil tem responsabilidade, mas o Brasil não quer transformar a Amazônia num santuário da humanidade. Nós queremos transformar a Amazônia num centro de desenvolvimento verde. Queremos compartilhar a exploração científica com o mundo que queira participar, porque nós achamos que é possível extrair da grandiosidade do ecossistema da Amazônia e da riqueza da biodiversidade, sabe, coisas importantes para o desenvolvimento de novas indústrias.
Por exemplo, a indústria de fármacos, por exemplo, a indústria de cosméticos. Ou seja, e outras coisas que a gente possa encontrar, porque ainda há uma parte muito grande do território inexplorado. Esse para nós é o grande motivo dessa reunião, porque nós vamos apresentar agora em agosto uma proposta de transição energética e transição ecológica. Ou seja, o Brasil vai mostrar ao mundo que nós vamos definitivamente entrar na chamada bioeconomia, na economia verde, para que a gente possa servir de exemplo para o mundo e para que a gente possa dar a nossa contribuição na questão da preservação do nosso planeta.
No Brasil está ficando cada vez mais claro que não se precisa derrubar uma única árvore para plantar mais soja, para plantar mais milho, criar mais gado. Nós temos mais de 30 milhões de hectares de terras degradadas que podem ser recuperadas para plantar o dobro do que a gente está plantando hoje.
E nós achamos inclusive que essa questão ambiental, é uma sugestão minha para o meu ministro da educação, que a questão do clima comece a ser currículo escolar. Para que as nossas crianças comecem a aprender na escola a necessidade de a gente cuidar do espaço que a gente vive. Quem sabe através das crianças a gente consiga politizar e conscientizar os pais. Quem sabe através do ensino fundamental a gente possa fazer uma revolução conceitual no Brasil com relação à questão do clima.
Então eu estou feliz pela reunião. Fiz dez bilaterais, sabe, com muitos países. Todos interessados em visitar o Brasil. E eu também interessado em visitar alguns países, porque é importante que o Brasil se abra. Eu quero promover muitas reuniões entre empresários brasileiros e empresários da União Europeia. É importante. Marcamos para o final do ano uma reunião com os empresários brasileiros e os empresários alemães em Berlim. E nós vamos tentar fazer com todos os outros países.
Todas as pessoas que eu convidei para ir ao Brasil e todas as pessoas que me convidaram a ir aos seus países, a gente estabeleceu a necessidade de uma reunião empresarial. Pelo simples fato de que o papel do governo é abrir portas e quem sabe fazer as negociações dos investimentos são os investidores.
E eu acho que o Brasil está vivendo um outro momento. O Brasil está recuperando o prazer de fazer política internacional. O Brasil está voltando a ocupar o seu papel de protagonista. E, quando se trata da questão da bioeconomia, quando se trata da questão da mudança na matriz energética, o Brasil é imbatível, o Brasil é levado muito a sério e nós não vamos jogar fora essa oportunidade. Portanto, eu regresso, depois das perguntas de vocês.
Eu vou passar em Cabo Verde porque a gente tem que fazer uma parada técnica para encher o tanque do avião. E aí o presidente de Cabo Verde pediu, ao invés de eu parar na Ilha do Sal, e ele ter de ir da cidade de Praia, que é a capital, até a Ilha do Sal, ele está sem transporte, então que eu poderia parar na capital para ter uma hora de conversa com ele. E depois nós vamos para o Brasil para começar a discutir os nossos problemas internos, que também são muito importantes.
Agora eu estou à disposição de vocês.
PERGUNTAS
Marcos Uchôa, TV Brasil
Presidente, nessas reuniões bilaterais a gente está vendo uma Europa que também politicamente está mudando. Tem alguns países já com a extrema direita dentro do Governo, inclusive a Suécia por exemplo. A gente tem uma eleição na Espanha domingo que vem. O Pedro Sanchez está disputando, possivelmente pode ganhar ou pode perder. E se ele perder possivelmente a extrema direita vai entrar na Espanha também. Como é que o senhor vê, nessas reuniões bilaterais, se esse tema entrou na conversa, o quanto que afeta essa aproximação da União Europeia com a América Latina e com o Caribe essa Europa, que politicamente está indo, ou pelo menos caminhando um pouco para a extrema direita também.
Olha, uma coisa que precisa ser levada a sério é que quando você está participando de uma reunião como Chefe de Estado você não leva em conta a que partido pertence o governante que você está conversando. Você leva em conta que ele é chefe de um Estado igual a você. Não é preciso ter concordância ideológica. Isso não é assim. Ou seja, concordância ideológica serve para você convidar o cara para tomar uma cerveja. Mas para discutir interesses do Estado Brasileiro ou do Estado de qualquer país europeu, o que importa é que ele tenha representatividade do povo para exercer a função dele. Nós percebemos, Uchôa, que há uma guinada conservadora em vários países do mundo. Nós não estávamos habituados à guinada à direita fascista que o Brasil teve em quatro anos. A gente estava habituado a ter direita, a ter conservadores, a ter sociais democratas, gente mais à esquerda, mas era uma política que você fazia de forma civilizada. Você discordava, você debatia as ideias, mas você não fazia da eleição uma fábrica de mentiras. Você não fazia da eleição uma fábrica de distribuição de ódio. Você não ficava pregando a discordância como acontece hoje. Poderíamos pegar dois grandes países como exemplo, como Estados Unidos e Brasil. Na União Europeia, nós sabemos que tem várias correntes de direita, sabe, mas ainda mantêm-se vários partidos importantes, partidos seculares, que são partidos conservadores que fazem a política da forma mais razoável possível. É o caso da Espanha. Ou seja, a disputa não se dará entre o PSOE e o VOX. Se dará entre PSOE e o PP. O que demonstra que ainda existe civilidade na discussão política.
O que eu espero na verdade é o seguinte: havia muito tempo a União Europeia estava um pouco afastada da América Latina. Só para vocês terem uma ideia, nós estamos há 22 anos para concluir o acordo do Mercosul e a União Europeia e não conseguimos concluir. Porque não havia muito interesse. No caso do Mercosul, nós temos interesse em ter a possibilidade de recuperar a possibilidade de nos reindustrializar. Ou seja, por isso que nós fazemos a exigência de reindustralização para que a gente possa poder ser exportador de manufaturados, de coisas com maior valor agregado, gerar empregos mais qualificados. Por isso é que nós não abrimos mão das compras governamentais. As compras governamentais são um instrumento de desenvolvimento interno. Os Estados Unidos fazem isso. A Europa faz isso. A Alemanha faz isso. E o Brasil tem o direito de fazer isso.
Quando nós recuperamos a indústria naval no primeiro mandato meu, a gente estabeleceu o componente nacional de 65%. Se criaram 65 mil empresas no Brasil. É assim que a gente consegue incentivar o médio e pequeno empreendedor, que a gente consegue incentivar o pequeno e médio empresário a sobreviver e a crescer.
Vamos pegar a área da saúde. Um país que tem um sistema de saúde como o Brasil. É importante vocês sempre terem em conta que não tem nenhum país no planeta Terra com mais de 100 milhões de habitantes que tenha um programa de saúde universal como o SUS. Portanto, a gente tem que aproveitar um programa dessa magnitude, a gente tem que aproveitar o potencial de compra que tem o SUS para que a gente possa desenvolver internamente no Brasil uma indústria da saúde. A gente pode produzir tudo o que a gente precisa, inclusive na produção de remédios. Tem vários remédios que a patente já venceu que a gente pode produzir genéricos no Brasil, a partir de laboratórios brasileiros. Então eu acho que isso está mais claro.
A Europa tinha feito uma carta agressiva. A carta que a Europa fez para o Mercosul era uma carta que ameaçava com punição se a gente não cumprisse determinados requisitos ambientais. E a gente disse para a União Europeia que dois parceiros estratégicos não discutem com ameaças. A gente discute com propostas. Nós fizemos a resposta brasileira, a resposta brasileira está sendo discutida com os quatro países e depois nós vamos, daqui a duas ou três semanas entregar definitivamente a proposta para a União Europeia.
Então é importante vocês terem em conta que o problema da dificuldade não é só por conta dos países da América Latina. Você pega um país como a França. A França é muito ciosa da produção de seus produtos agrícolas, da sua pequena e média agricultura, do seu frango, da sua verdura, do seu queijo, do seu leite, do seu vinho. Então da mesma forma que a França tem essa primazia de defender a unhas e dentes o seu patrimônio produtivo, nós temos interesse de defender o nosso.
A riqueza da negociação é que alguém tem que ceder. Sabe, um quer 100%, só vai ficar com 90%. O outro quer 90%, pode chegar a 95%. É isso que significa negociação. E é isso que o Brasil está preparado.
E essa reunião da CELAC me deu a demonstração. Eu vou repetir: pela primeira vez eu senti, definitivamente, a União Europeia interessada em voltar de verdade para a América Latina. Primeiro pela questão do clima. Segundo pela questão energética. Ou seja, a parte do mundo que pode produzir o hidrogênio verde que a Europa precisa é exatamente a nossa querida América do Sul. Então eu acho que nós temos de aproveitar essa oportunidade. Eu saio daqui feliz, volto para o Brasil feliz porque acho que conseguimos o intento muito grande que foi restabelecer de forma madura as negociações com a União Europeia.
Bianca Rothier, Globo, Globo News.
Eu gostaria de aproveitar que o senhor estava falando. Eu tenho várias perguntas que eu gostaria de fazer para o senhor, mas já que o senhor estava falando em acordo entre Mercosul e União Europeia, vamos nesse ponto. Ontem eu consegui perguntar para o Macron sobre essa questão e essas suas declarações, dizendo que são uma ameaça essas novas exigências da União Europeia. O Macron disse que não, que não são ameaças, que tem um respeito, mas ao mesmo tempo parece que eles não querem ceder. O próprio Macron citou o exemplo dos acordos com Chile e com Nova Zelândia que seguiram essa linha. Então parece que eles não estão dispostos a ceder nessa questão ambiental. E ao mesmo tempo, o senhor trazendo um fator novo para as negociações, que é essa questão das compras governamentais, o que a gente sente um pouco nas conversas é que isso pode dificultar muito ainda esse acordo. Então, são duas perguntas: se eles não cederem, não tem acordo. E parece que eles estão irredutíveis no ponto da questão ambiental. E esse fator novo: o senhor não teme que a gente possa ter de esperar anos ainda depois desses 22 anos que o senhor citou, esperar ainda muito, muito tempo por um acordo?
Deixa eu dizer uma coisa. Num acordo que tem uma quantidade de itens, uma quantidade de interesses, se um item não for possível ser acordado, que se faça acordo sobre o restante das coisas. Veja, é importante que as pessoas saibam a importância das compras governamentais. É muito importante. Porque tem gente que não leva muito a sério isso. A compra governamental é um instrumento de política industrial soberano de cada país. Isso vale para os Estados Unidos. Isso vale para a China. Isso vale para a Alemanha. Isso vale para a França. E vale para a Bélgica. Esse é um instrumento importante que nenhum país pode abrir mão.
Por que um país que tem o tamanho do Brasil, que tem as possibilidades do Brasil, vai abrir mão? Para matar nossas pequenas e médias empresas? Para matar a possibilidade de surgimento de novos empreendedores? Não. E eles sabem disso porque na França as compras governamentais são uma questão de soberania. A Alemanha sabe disso porque, para a Alemanha, as compras governamentais são uma questão de soberania. Ora, se as compras governamentais é uma coisa importante para eles, por que não pode ser importante para nós e não deve ser importante para nós? É apenas isso. Ou seja, tem setor que defende mais o lado agrícola. Tem setor que se incomoda com a capacidade produtiva do país na questão de grãos. Mas paciência. A gente vai ter que aprender que em negociação a gente não ganha tudo o que a gente quer, mas também a gente não cede tudo o que o adversário quer. A gente faz o acordo sobre o possível. É isso que estou disposto, é isso que o Mercosul está disposto, e é isso que vai acontecer.
É importante lembrar que no caso do Brasil a gente já teve o PIB industrial que era 30%. A indústria significava 30% do nosso PIB. Hoje a gente está por volta de 11%. Na Argentina também desapareceu a indústria. Então é normal que a Argentina também queira se reindustrializar. E isso é apenas motivo de colocar na mesa com a vontade que nós estamos agora. Porque eu já fui presidente oito anos. Já sentei na mesa de negociação. Mas desta vez é a vez que eu sinto mais vontade de negociar da União Europeia. Eu acho que possivelmente porque as pessoas estão percebendo que ninguém está mais deserdado no mundo, ninguém está mais abandonado no mundo. Se os Estados Unidos não querem fazer investimento, tem gente que quer. Se a Europa não quer fazer investimento, tem gente que quer. Então, como nós estamos na era da competitividade, as pessoas precisam entender que é preciso disputar. E a América Latina é um mercado muito importante para a União Europeia.
Afinal de contas, todos nós temos origem europeia. A nossa origem, sabe, depois que tomaram de assalto Espanha a América Espanhola e a portuguesa dos índios, é europeia. Então essa gente é importante, tem uma cultura europeia no Brasil. O povo brasileiro é resultado dessa miscigenação, uma mistura de índios, negros e europeus. Então as pessoas estão sempre em casa. É importante levar em conta essa necessidade.
Eu estou otimista. Estou muito otimista. Pela primeira vez estou otimista de que a gente vai concluir este acordo ainda este ano. Estou tão otimista que já estou dizendo ‘ainda este ano’. E seria muito bom se a gente pudesse terminar este acordo na presidência da Espanha. O que não foi possível fazer em 2010 a gente pode fazer agora em 2023. E também na minha Presidência do Mercosul. Esqueci de dizer que eu sou presidente do Mercosul
Renata Varandas, TV Record
Bom dia, presidente. O senhor falou que sai daqui muito feliz e que volta para o Brasil tendo que resolver alguns problemas internos. Então eu vou para a parte dos problemas internos. Ontem o líder da Câmara, José Guimarães, disse que o PP e o Republicanos vão ser incorporados no seu governo. O senhor precisa abrir espaço para ministérios. Foi ventilada também uma possibilidade de abertura de espaço para ministérios. Seria o ministro da Casa Civil, Rui Costa, ir para a Petrobras. A minha pergunta é nesse sentido: existe alguma previsão de abrir espaço na Casa Civil para esses partidos, ou uma reacomodação ali para que esses partidos também façam parte do governo?
Não existe. Não existe. Estou te dizendo, sabe, com todas as palavras. Não existe possibilidade. Obviamente que na medida em que você tenha partidos que queiram participar da base, nós temos interesse em trazer esses partidos para dar tranquilidade à nossa governança dentro do Congresso Nacional. Mas quem discute ministro é o presidente da República. Não é o partido que pede ministério, é o presidente da República que oferece. Então, no momento adequado, que eu voltar, quando terminarem as férias dos deputados, sem a pressa dos líderes, mas com a tranquilidade de quem tem a responsabilidade de presidir um país importante como o Brasil, eu chamarei as pessoas para conversar. Então irei oferecer aquilo que eu acho que é necessário oferecer para construir a tranquilidade no Congresso Nacional que nós precisamos.
Os líderes são mais motivados porque estão na linha de fogo todo dia. Estão dentro do Congresso Nacional. Eu compreendo isso. Mas a gente não pode ir com muita sede ao pote. A gente tem que ir devagar para fazer um acordo maduro, que seja duradouro e que permita a gente fazer as coisas certas. Com muita tranquilidade, com muito respeito ao Congresso Nacional. Nós vamos conversar com todas as forças políticas e vamos fazer aquilo que é necessário fazer para que a gente faça as mudanças legislativas que o Brasil precisa.
Eu estou muito feliz com a aprovação da Reforma Tributária pela Câmara. Eu estou muito feliz pela aprovação do Carf, ou seja, da mudança na regra de resolver litígios entre os devedores e a Receita Federal, em que o Governo só perdia. O que está parecendo é que existe uma vontade majoritária das pessoas de que o ódio surgido durante o processo eleitoral tem que ser extirpado. Ninguém consegue viver azedo todo dia. Ninguém consegue viver amargurado todo dia.
Nós precisamos punir severamente pessoas que ainda transmitem ódio, como o cidadão que agrediu o ministro Alexandre de Moraes no Aeroporto de Roma. Um cidadão desses é um animal selvagem, não é um ser humano. O cidadão pode não concordar com a pessoa, mas ele não tem que ser agressivo, ele não tem que xingar, ele não tem que desrespeitar. Ou seja, é possível a gente voltar à civilização. Sempre foi assim. Então, essa gente que renasceu no neofascismo colocado em prática no Brasil tem que ser extirpada. E nós vamos ser muito duros com essa gente para eles aprenderem a voltar a ser civilizados. Nós queremos paz, trabalho, emprego, educação, saúde e viver bem. É isso que o Brasil quer, é isso que o Brasil simboliza e é isso que vai acontecer no Brasil.
Marieta, Bloomberg.
Minha pergunta: ontem o presidente do Chile, Gabriel Boric, disse que foi triste que os líderes latino-americanos ficaram dois dias debatendo se a guerra era na Ucrânia ou contra a Ucrânia. Ele também disse que hoje é a Ucrânia, mas talvez amanhã poderia ser conosco. Você compartilha dessa visão dele sobre a reunião? Você entende que foram dois debatendo essa questão?
Primeiro não se passou dois dias discutindo a Ucrânia. Sabe, todos nós sabemos o que pensa a Europa do que está acontecendo entre Ucrânia e Rússia. Todos nós sabemos o que pensa a América Latina. Eu não tenho porque concordar com o Boric. É uma visão dele. Eu acho que a reunião foi extraordinária. Foi extraordinária a reunião. Possivelmente, sabe, a falta de costume de participar dessas reuniões faça com que um jovem seja mais sequioso. Mais apressado. Mas as coisas acontecem assim. A reunião foi, do meu ponto de vista, extraordinária. A mais madura reunião que eu participei entre Mercosul e União Europeia. Entre América Latina e União Europeia. Foi a mais importante reunião que eu participei. Mais madura. Onde se discutiu os temas que precisava se discutir. E se chegou a um documento que foi extremamente razoável, de interesse de todo mundo.
Eu já tive a pressa do Boric. Eu, no meu primeiro ano de mandato, ia para uma reunião do G7, que eu fui convidado em Évian. E eu queria que as coisas fossem decididas tudo ali naquela hora. Não, tem que decidir porque o Brasil precisa. Tem que decidir. Mas ali não é só interesse do Brasil. Ontem a gente estava discutindo a visão de 60 países. E, portanto, a gente tem que compreender que nem todo mundo concorda com a gente, nem todo mundo tem a mesma pressa, tem a mesma visão sobre qualquer coisa. Então eu acho que a reunião foi muito importante. Eu acho que a reunião sobre a Ucrânia foi, sabe, no momento certo, no tempo certo, não teve nada que a gente já não soubesse. Eu, sinceramente, possivelmente, porque deve ter sido a primeira reunião do Boric numa reunião com União Europeia e América Latina, ele tenha um pouco mais de ansiedade do que os outros. Só isso.
Isabel da Silva, Euronews
Bom dia, senhor presidente. Queria voltar à questão da carta que o Brasil está a preparar com respostas às exigências ambientais da União Europeia. Vai discutir detalhes com seus homólogos na reunião dos oito países da região amazônica? E quais seriam os pontos centrais para o Brasil nessa carta?
Veja, primeiro que nós não aceitamos a carta adicional da União Europeia. É impossível você imaginar que entre parceiros históricos como nós alguém faça uma carta com ameaças. Nós não temos problemas. Nós fizemos uma carta-resposta e achamos que a União Europeia vai concordar tranquilamente com a nossa resposta. Eu acho que a carta adicional da União Europeia foi possivelmente alguém querendo achar que fazendo pressão a gente ia ceder. Não, a gente não vai ceder, porque primeiro é o seguinte. Eu vou repetir: pouca gente no mundo pode falar de questão de energia limpa, de preservação do que nós. Pouca gente. Nós temos um compromisso que não depende de acordo interpartido. Temos um compromisso histórico, de campanha, assumido por mim na COP-25, de que nós vamos até 2030 acabar com o desmatamento na Amazônia.
Esse é um compromisso do Governo Brasileiro. Nós não precisamos da União Europeia, não precisamos da China, dos Estados Unidos. É um compromisso nosso. Agora, eles têm a obrigação de cumprir com o compromisso de fazer a doação de 100 bilhões de reais para que os países possam no mundo inteiro se autocuidar, se preservar, para que a gente evite a destruição de algumas ilhas no Atlântico e no Pacífico.
E nós queremos cuidar da nossa floresta porque nós gostamos de nós. Nós gostamos do nosso povo que mora na Amazônia. Nós queremos que os indígenas sejam bem tratados. Nós queremos que os ribeirinhos sejam bem tratados. Nós queremos que as pessoas que vivem de trabalho na Amazônia e na floresta sejam bem tratadas. Por isso que nós assumimos esse compromisso. E quem quiser contribuir com o Fundo Amazônico será bem-vindo. E esse dinheiro será bem utilizado para que a gente possa fazer mais do que aquilo que a gente pode fazer sozinho.
Sérgio Utsch, SBT, SBT News
A gente viu na resolução final vários avanços da CELAC. Vários pontos que são importantes para o Brasil, para os outros países latinos e caribenhos na resolução final, mas eu queria tocar num ponto sobre a Ucrânia. Aqui na Europa, as coisas são vistas muito como preto no branco. A neutralidade às vezes é entendida como uma posição pró-Rússia. O senhor acha que esse assunto tomou um espaço além do necessário, além do que deveria ser tomado nas discussões? O senhor acha que hoje a União Europeia tem uma compreensão melhor da posição da América Latina nesse sentido?
Eu acho que tem. Acho que tem muita gente que estava muito nervosa e muito afobada há seis meses que agora está precisando encontrar alguém que signifique a possibilidade de encontrar o caminho da paz. O Brasil tem feito isso desde o começo. Nós temos conversado com a China, temos conversado com a Indonésia, temos conversado com parceiros nossos da América Latina. É preciso que a gente construa um grupo de países capaz de, no momento certo, convencer a Rússia e a Ucrânia de que a paz é o melhor caminho.
Obviamente que não posso perder de compreender o nervosismo da União Europeia, afinal de contas você tem países que têm fronteiras com a Ucrânia. Eu pedi para o Celso Amorim fazer uma viagem como enviado especial à Rússia e à Ucrânia... Para ir à Ucrânia ele teve que descer, andar 12 horas de trem para ir, 12 horas para voltar. E as pessoas assustadas. É normal que as pessoas que estão ali tenham uma preocupação maior do que a minha que estou a 14 mil quilômetros de distância. Mas é exatamente pelo fato de a gente estar distante que a gente pode ter a tranquilidade de não entrar no clima que estão os europeus e tentar criar um clima de que: olha, vamos construir a paz. Por enquanto, nem o Zelensky nem o Putin querem falar em paz, porque cada um deles pensa que vai ganhar. Mas está havendo um cansaço. O mundo começa a cansar. Os países começam a cansar. Então vai chegar o momento em que vai ter paz. E aí vai ter que ter um grupo de países capaz de conversar com a Rússia e com a Ucrânia.
Eu acho que a reunião não tomou tempo demais nenhum. Tomou o tempo necessário. Nós precisamos, quando a gente vai para uma reunião, a gente tem que estar preparado para discutir os temas que interessam a outros partidos, ou seja, a outros países. Tem muitos interesses. Nós fizemos uma reunião sobre a questão da Venezuela, sabe, entre o Macron, a Argentina, o Brasil, os dois representantes da Venezuela, a vice-presidenta, o Petro da Colômbia. E qual é a conclusão que nós chegamos? A conclusão que nós chegamos é que a situação da Venezuela vai ser resolvida quando os partidos na Venezuela, junto com o governo, chegarem à conclusão da data da eleição e chegarem à conclusão das regras que vão estabelecer as eleições.
E, com base nisso, o compromisso de que as punições impostas pelos Estados Unidos comecem a cair. Sanções absurdas, em que a Venezuela não pode mais lidar com dinheiro seu que está nos bancos de outros países. Então, o que eu sinto: sinto que depois de tanto tempo de briga, todo mundo está cansado. Todo mundo. Eu sinto que a Venezuela está cansada. O povo quer encontrar uma solução. Porque é bom você brigar um mês, dois meses, três meses, dois anos, três anos, quatro anos, mas a vida inteira? Então eu acho que nós estamos chegando nesse clima. Eu gostei da reunião. Eu não esperava resultado da reunião. Eu esperava que a gente tivesse a compreensão de que a solução dos problemas da Venezuela é uma questão do povo venezuelano. Se eles se entenderem com relação às regras e às datas das eleições, eu acho que nós temos autoridade moral de pedir o fim das sanções. É isso. Mas foi também numa boa, em que não houve nenhum problema maior que pudesse trazer qualquer nervosismo na reunião. Eu sei que as pessoas que estavam lá saíram felizes com o resultado da reunião.
Identificação do repórter e veículo inaudível
Você falou sobre a necessidade de paz tanto para Ucrânia quanto para Rússia, mas na declaração que você assinou ontem ressalta a necessidade de soberania e integridade do território de todos os Estados. Você concordaria que a Rússia primeiro teria que retirar suas tropas antes que um acordo de paz possa ser discutido? Zelensky argumenta que é difícil agora um diálogo sobre paz enquanto a Rússia segue ocupando uma boa parte do território ucraniano. Você pensa que a Rússia primeiro teria de se retirar de lá? E se eu puder acrescentar algo sobre o acordo entre Mercosul e União Europeia: o senhor falou bastante sobre compras governamentais. Depois do seu encontro com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, o senhor se sente mais otimista que a União Europeia vai fazer concessões para que esse acordo ocorra?
Bom, primeiro que não tem concessão minha. O acordo é com o Mercosul. Envolve quatro países. E o Brasil é apenas um deles. O que nós precisamos é que a decisão do Mercosul seja compreendida pela União Europeia. E eu acho que vai ser. A segunda coisa é que o que você perguntou da Rússia já faz parte do acordo de paz. Veja, o Brasil assinou um documento no seu voto na ONU condenando a invasão territorial da Ucrânia nos primeiros dias da guerra. Isso não é nenhuma novidade. O que o Brasil quer é... A guerra começou. E se a guerra começou, alguém precisa tentar chamar a atenção dos dois países para discutir a questão da paz. E a retirada faz parte do acordo de paz. É preciso sentar na mesa. O que nós queremos é que pare a guerra. Depois que parar a guerra, senta-se numa mesa e discute-se. É isso que nós queremos. E nós nem sabemos se vamos participar de acordo, não sabemos quem serão os mediadores. O dado concreto é que a condição sine qua non para se discutir a paz é parar a guerra. Enquanto tiver tiro, não tem conversa. É isso que está acontecendo.
Ana Matos, da Agência Lusa
Queria saber o que o senhor conversou com o primeiro-ministro António Costa nesses encontros que teve nesses dias? Se se sente confortável com a omissão da Rússia na declaração final da cúpula. O que espera também da cimeira dos BRICS em agosto? Esta cimeira será presencial apesar do mandato internacional contra Putin? O que nos pode dizer sobre isso?
Sinceramente, eu não entendi a primeira parte da pergunta.
Talvez em inglês seja melhor: o que o senhor discutiu com o primeiro-ministro de Portugal, António Costa, nesses dias? Vocês mencionaram a Ucrânia? E se você fica confortável por não mencionar a Rússia na declaração final.
Olha, eu não conversei sobre a guerra com o António Costa. Aliás, eu não tive bilateral com o António Costa. Eu tinha tentado marcar uma conversa com o António Costa ontem à noite, para a gente conversar outros assuntos e aprimorar nossa relação, mas ele teve que sair mais cedo. Então não foi possível conversar. Eu não discuti a guerra com o António Costa. Aliás, o Brasil vive um momento excepcional na sua relação com Portugal. Acho que, se em 1.500 Portugal descobriu o Brasil, em 2023 o Brasil descobriu Portugal. Ou seja, a quantidade de brasileiros que tem em Portugal hoje, daqui a pouco será maior do que a população portuguesa. Mas não discutimos nada.
Pronto. Gente. Tenho que voar. Peço desculpas a vocês. Até a próxima entrevista.