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Discurso na sessão solene da Assembléia-Geral da República Oriental do Uruguai - Palácio Legislativo, Montevidéu, Uruguai, 13 de agosto de 1986
Como Presidente da República, pela primeira vez viajo ao Exterior. Visito o Uruguai. Há trinta anos, membro do Parlamento, que é a minha casa de formação política, volto hoje à Tribuna Parlamentar, como Presidente, mas tendo na vida, na memória, nas palavras e no destino os anos de deputado e senador, os debates, os apartes, os projetos e as emendas. Dentro dos Parlamentos está a maior escola de vida pública. Aqui aprendemos a trabalhar por todos. Lutamos para fazer leis que melhorem a sociedade, obras que jamais desfrutaremos, porque se destinam para as nossas cidades. Escolas onde não estudaremos, estradas onde jamais transitaremos, energia na qual não acenderemos uma lâmpada. Discursos têm a vertigem de um instante, porque se apagam quando os fatos se apagam.
A glória parlamentar vive de instantes. De um aparte, de urna lei, de um momento grave em que a nossa participação evita catástrofes. É uma escola de vida. Onde aprendemos a respeitar a opinião dos outros, onde aprendemos que é possível que não estejamos certos, onde a humildade, a vaidade, o orgulho, o talento, o patriotismo e o desprendimento se mesclam. O Parlamento é o lugar onde a instituição é maior do que a soma de todos. É a base da democracia. Sem parlamento não há democracia; sem democracia não há liberdade, e sem liberdade o Homem é apenas uma aspiração ao jiedonismo. O Parlamento é a casa do diálogo. Das soluções de consenso. As únicas que sobrevivem. Todas as soluções políticas impostas, quer pelas maiorias, quer pelas minorias, tendem a uma deterioração que ao longo dó tempo renova o problema, reacende os impasses, e faz desembocar em catástrofes. Só os parlamentares costuram as soluções duradouras. Por isso eles representam a liberdade. Onde eles são vigorosos e forte sua voz, as instituições são fortes. Por isso mesmo eles são abominados pelos ditadores e pelos autoritários.
Minha homenagem, portanto, ao Parlamento do Uruguai que, como o Parlamento do Brasil, tem suas feridas, mas eles são mais fortes e eternos do que os momentos de eclipse. O Parlamento uruguaio é um instante de resistência permanente na História do País. na defesa de seus interesses, de sua soberania, de suas liberdades.
Rendo minhas homenagens a Vossas Excelências, herdeiros dessa tradição. Todos sabemos que vivemos um momento difícil de nossa História. Estamos atrasados na obrigação de colocar à disposição de nossos povos os instrumentos necessários ao seu bem-estar, à sua qualidade de vida. Todos estão com pressa de recuperar o passado; e o tempo não passa senão depois de o relógio correr as horas. É difícil esperar. Daí as dificuldades de todos nós homens públicos, acuados pela vontade infinita de mudança e abolição das injustiças e pelos limitados meios e tempo de poder fazer. Desse conflito nasce nossa augústia. Que não é só daqueles que reivindicam, mas também nossa, oleiros das reivindicações. Liberdade, salários, justiça social, democracia, desenvolvimento e segurança são palavras que fazem parte da nossa tarefa cotidiana. Elas têm o significado do universo dos problemas com que lidamos. Em busca de uma combinação adequada.
A liberdade não pode ser a filosofia do suicídio, e a segurança o caminho do homicídio. As nossas perplexidades não são monopólio de nosso tempo. Elas existiram ao longo da História e fizeram o desespero de pensadores e líderes que tiveram de moldar instituições. Contudo, em nenhum tempo, como no nosso, tantos, em espaço tão pequeno como é o mundo dos satélites, puderam participar das contradições de todos os homens, ao mesmo tempo, em todos os lugares. A nossa paisagem atual não é a de um mundo em transformação, mas a de um mundo transformado.
A crise da democracia não podia nunca ser debitada a seus valores mas da realização imperfeita deles. Ela não podia ser julgada pelos que a traíram e corromperam, a conspurcaram e a deformaram. A América Latina vive um grande momento. A liberdade abriu suas asas sobre nossas pátrias. Reacendeu suas luzes de esperança, e espera tempos de trajiqüilidade e crescimento. Temos como dragões de fogo ameaçando a estrada do futuro, os monstros da inflação, da recessão e do retrocesso. A inflação tem ameaçado permanentemente a democracia na América Latina. Contra ela devemos estar vigilantes, porque ela não atinge o bolso, atinge a boca, corrói os salários, confisca o trabalho, ameaça a vida, traz a fome.
A recessão significa a abdicação do direito de crescer, gera o desemprego e conduz ao desânimo, espalha a desconfiança, corrói o Governo, estimula os aVentureíros de soluções impossíveis, criando um caldo onde só a demagogia resolve os problemas com milagres falsos. O retrocesso, monstro que sempre nos ameaça, jogando no nosso fracasso, caluniando o poder civil como incapaz de gerir, débil em suas estruturas, divergente e dissoluto, astúcias de argumento para poder voltar, voltar para fracassar, num círculo vicioso que tem feito a triste história das nossas desilusões. Tudo isso solapa a nossa soberania, debilita o nosso poder de entendimento, a nossa vontade de estarmos unidos, juntos, com um só ideal, com um só sentimento, o sentimento de latinidade que está no nosso sangue, na nossa vida, na nossa ambição.
A dívida externa aí está situada. Tenho dito e vou repetir. Não podemos pagar a dívida externa nem com a recessão, nem com o desemprego, nem com a fome, nem com a democracia. Precisamos crescer. Precisamos criar uma nova ordem econômica internacional capaz de gerar momentos de prosperidade e novas perspectivas para nossos países. Precisamos criar cada vez mais vínculos de identidade e de solidariedade. Precisamos reagir contra a baixa cada vez maior dos preços de nossos produtos exportáveis e as barreiras protecionistas que nos condenam a uma dependência vergonhosa e à paralisia e liquidação dos nossos parques produtivos. Precisamos ficar em defesa contra a elevação unilateral dos juros que nos punem sem remissão.
Enfim, precisamos da liberdade de encontrar desobstruídos os canais do livre comércio internacional. Exemplo dos reflexos dessa política temos nas relações com o Uruguai. Brasil e Uruguai foram obrigados a diminuir suas trocas, fazer o seu intercâmbio cair a níveis baixíssimos, para cumprir as obrigações de gerar saldos e superávits em'nossas balanças comerciais. O nosso desejo seria como do nosso interesse intensificar cada vez mais o nosso comércio regional, por todos os motivos. No plano internacional o Brasil irá buscar sua identidade esmaecida, pregando o que fazemos internamente. Buscar a solução pacífica dos conflitos, a nãointervenção, a paz mundial, a autodeterminação dos povos e a defesa intransigente de nossos interesses.
Com o Uruguai, pessoalmente, desejo estabelecer relações as mais estreitas. É um país extraordinário que ao longo de sua história afirmou os seus valores próprios, lutou por eles, viveu com eles e se impõe pela extraordinária força do seu povo. Seus heróis, seus homens públicos, suas tradições, seus escritores e artistas, seus políticos criaram esta grande nação que, pequena em território, é imensa pelos seus valores. Para homenageá-la, na casa do seU povo, eu aqui estou e aqui reverencio o seu passado, o seu presente, e saúdo com segura esperança o seu futuro. Sempre estaremos juntos. Em que o Brasil puder ajudar e contribuir para esse destino, eu direi: presente!
(Texto reproduzido em conformidade com o acordo ortográfico vigente à época de sua publicação original)