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Discurso na Assinatura de Acordos de Cooperação Brasil-Uruguai - Brasília, 13 de agosto de 1986
Senhor Presidente, Esta é uma cerimônia que vai se tornando habitual nas relações entre nossos países. Expressão de uma nova e criativa etapa na histórica e fraterna amizade que une nossos povos, identificados ainda mais pela marcha decidida que empreendem juntos pelos caminhos da democracia, da liberdade e dos direitos humanos. Aqui, passamos das palavras aos atos que trazem, para o plano do real, os vários interesses comuns que nos unem como vizinhos, como latino-americanos, como democracias em desenvolvimento.
Interpreto os sentimentos de meus conterrâneos ao dizer-lhe o quanto nos sensibilizou que sua viagem ao Brasil se iniciasse em São Luís do Maranhão e se estendesse pelo Nordeste, onde tenho minhas raízes e busco sempre a inspiração de minha vida pública. Foi um gesto de grande afeto e sensibilidade, que permanecerá em nossa metnória, como um testemunho da amizade que Vossa Excelência devota ao nosso País. Agora, Vossa Excelência visitará o Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, onde continuará a merecer do nosso povo o carinho e o afeto que lhe devotamos. Sua visita reforça a amizade histórica entre o Brasil e o Uruguai, fortalecida pelo renascimento democrático, tão coincidente em nossos países, e ocorre em momento i particularmente oportuno. Os resultados de minha viagem a Montevidéu, em 1985, amadureceram rapidamente, a ponto de permitir um novo passo nesta etapa histórica de nossas relações. Eles fornecem substância apreciável, a exigir novas definições e a reiteração da vontade política comum de prosseguir no caminho então traçado: integração, complementação econômica, diálogo político amplo.
Pelas tradições democráticas renascidas sob a liderança de Vossa Excelência e pela sua história de estabilidade e bem-estar social, hoje firmemente retomada com a participação de todo o seu povo, é o Uruguai exemplo e inspiração para os povos da América na saga de independência e liberdade iniciada há mais de século e meio. O Uruguai de hoje se destaca novamente pelas suas qualidades de coesão, de projeção diplomática, de prestígio e iniciativa db seu governo democrático nos desafios internos e nas propostas criativas de ação externa. Como bem definiu Vossa Excelência em seu inspirado discurso na Organização dos Estados Americanos, o Uruguai é novamente «um espaço de tolerância, de compreensão, mão aberta para todos os homens de boa vontade da América e do mundo». E é a consciência dessa vocação de nossos irmãos uruguaios que renova, para o Brasil, o interesse especial pela amizade do povo que compartilha conosco da imensidão do pampa e das águas do Atlântico.
Ao receber Vossa Excelência como o melhor representante desse país sensível aos valores do espírito, quero saudar o líder democrático, seguro e corajoso, o condutor de uma das mais importantes e representativas transformações políticas ocorridas na América nos últimos tempos. Nas diversas vezes em que tive o privilégio de trocar idéias com Vossa Excelência encontrei o interlocutor interessado e ativo na promoção de uma nova era nas relações entre nossos países e no fortalecimento da unidade e da solidariedade latino-americanas.
A América Latina, fortalecida pelo exemplo que seus povos vêm dando na consolidação da democracia, tem contribuído, de forma construtiva, à paz regional e mundial. Com a iniciativa de Contadora, o continente ofereceu uma das suas mais inovadoras propostas diplomáticas, para que os conflitos centro-americanos encontrassem um marco negociador, capaz de gerar fatos novos e oportunidades de diálogos.
A firme adesão do Brasil, ao lado do Uruguai, a Contadora e aos princípios éticos e genuinamente latinoamericanos que a embasam, é também uma forma de reafirmar nossa confiança na capacidade dos povos centroamericanos. E a vocação de integração e cooperação regionais desses povos que constitui a melhor base para se encontrarem as soluções mais legítimas para os seus problemas: a vontade soberana de seus povos é o melhor juiz de seus destinos. A mesma preocupação pela paz e pela cooperação livre e desimpedida levou o Brasil a propor, nas Nações Unidas, a consagração do Atlântico Sul como uma área de paz, imune à presença de armas e de confrontos oriundos de outras regiões. O Atlântico Sul é uma via de integração e contato entre povos em desenvolvimento da América Latina e da África, e, como tal, livres das ameaças da guerra e do uso da força. Como países atlânticos, Brasil e Uruguai muito têm a fazer pela região, seja no plano multilateral, seja fortalecendo os seus vínculos e a sua cooperação bilateral.
A união da América Latina em torno de iniciativas ligadas à paz, mostra uma das facetas mais positivas da nossa vocação de integração e coordenação. Agir juntos, para crescermos juntos material e espiritualmente, é a forma como poderemos afastar dependências históricas e debilídades que isoladamente nos intimidam e oprimem.
A realidade do continente mostra o êxito das fórmulas pensadas em função das necessidades dos nossos países: o crescimento econômico, a estabilidade política e social, a dignificação do trabalhador. Ninguém melhor do que nós conhece nossa realidade. Principais interessados na recuperação de nossas economias, não nos faltam nem criatividade nem determinação para adotarmos as soluções viáveis e eficazes, sem a prisão de esquemas predeterminados. Tenho dito que não pagaremos a dívida com a fpme e a miséria do nosso povo. Não o faremos tampouco sacrificando a custosa retomada do nosso crescimento, os êxitos do nosso programa econômico ou nossa soberania. E a soberania não é um dado abstrato, ou de puro conteúdo geopolítico. Quando falamos na necessidade urgente de uma nova ordem econômica internacional, não estamos nos referindo a uma entidade abstrata, a um conceito acadêmico: ou a uma utopia. Nossos países têm uma concepção prática e realista dessa necessida.de, que se traduz em maior cooperação internacional, no fortalecimento dos organismos econômicos, em novas práticas em matérias de comércio, fretes, transferência de tecnologia e circulação do capital internacional. Daí também nossa luta contra o protecionismo, que em defesa de indústrias obsoletas e defasadas, ou de isistemas produtivos altamente subsidiados, impede o acesso de nossos produtos aos mercados desenvolvidos e onera fiossa capacidade de gerar saldos comerciais, única fonte de recursos externos.
Por essa razão, finalmente, o empenho crescente de nossos países pela integração regional, pela criação de um mercado comum latino-americano que nos auxilie a compensar as limitações que o cenário internacional nos impõe. A integração é a manifestação mais concreta dessa vocação de liberdade que tem o nosso continente: liberdade de empreender, liberdade de compartilhar, liberdade para sermos nós mesmos, para crescermos para nós mesmos. É pela integração econômica e comercial que chegaremos a alcançar um lugar no presente e no futuro. Isolados, nada seremos, juntos, uniremos a força moral e o trabalho de muitos povos forjados na luta pela liberdade e pela difícil sobrevivência. Quando Vossa Excelência me recebeu tão amistosamente em Montevidéu, prosseguimos um diálogo franco iniciado por ocasião de suas anteriores estadas em Brasília, na posse presidencial e nas exéquias do saudoso Presidente Tancredo Neves, em gesto que nos sensibilizou e comoveu. Nesta histórica visita a Brasília, pudemos dar passos firmes em benefício da proveitosa cooperação e da intensa integração econômico-comercial que dão feição completa à identidade política que nos aproxima cada vez mais.
Acabamos de firmar instrumentos bilaterais da mais alta significação para as relações entre nossos países. Podemos dizer que são documentos históricos. Complementamos, mediante os ajustes assinados por nossos chanceleres, a expressiva área por onde se estende a cooperação técnica ligada ao desenvolvimento, nas áreas da ciência e tecnologia, de tecnologia ferroviária, de formação profissional e na pesquisa agropecuária, todos eles campos nos quais nossas instituições de ensino e pesquisa poderão desenvolver programas conjuntos de grande benefício mútuo. Com os documentos que compõem a Ata de Cooperação Econômica Brasil-Uruguai, estamos transformando em operações comerciais de pronta execução, e com grande repercussão econômica e social, a vontade política de nossos governos de criar um verdadeiro espaço de integração na América Latina, aproveitando o potencial real do intercâmbio e a complementariedade que associa nossas economias.
Cumprimos, por meio destes entendimentos, parcela substancial da decisão de associar o Uruguai, no mais breve prazo possível, ao Programa de Integração BrasilArgentina, com a inclusão de novos itens ao dinâmico protocolo de expansão comercial e o expressivo aumento das compras brasileiras de arroz e carne uruguaios, que, por sua vez, garantirão o abastecimento regular do mercado brasileiro no futuro, em sintonia com o Plano de Estabilização Econômica. A noção de equilíbrio permeia todas as negociações que conduziram a estes acordos. Ela deve continuar a presidir nossas relações para delas fazer um exemplo de como dois povos levam, ao plano de suas relações de intercâmbio e cooperação, uma fraterna amizade. Sinto-me especialmente orgulhoso de ter podido; participar deste momento solene que coloca em novo patamar e em outra ordem de importância o já extenso conjunto de atos bilaterais que moldam nossa amizade. Ao patrimônio sólido que estamos rapidamente ediíicando, acrescentamos ainda a franqueza e a coincidência de interesses que marcaram os muitos momentos de diálogo que tive com Vossa Excelência.
Possam eles frutificar ainda mais, em novos contatos entre nós, no contexto do grande movimento de integração que nossos países estão reforçando. Senhor Presidente, Este é um encontro de latino-americanos, orgulhosos de suas raízes, conscientes de seus direitos, unidos nos seus interesses. Estamos, juntos, construindo um capítulo jque a história há de registrar como dos mais expressivos na longa trajetória deste sofrido continente em busca de sua identidade, da sua dignidade entre as nações do mundo. J^ossa contribuição só terá valor e permanência se for audaz, se levarmos, às nossas relações, a vida do continente,] e, à nossa participação no concerto mundial, o impulso generoso e decidido de nossos povos. É o que estamos fazendo.
(Texto reproduzido em conformidade com o acordo ortográfico vigente à época de sua publicação original)