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Discurso em sessão solene do Grupo Latino-americano das Nações Unidas - Sede da ONU, Nova York, EUA - 23 de setembro de 1985
Agradeço a generosidade das suas palavras de saudação, que realçam uma vez mais a histórica amizade e os intensos laços de cooperação que unem todos os nossos países. Neste ano em que comemoramos, com renovadas esperanças, o quadragésimo aniversário da Organização das Nações Unidas, peço aos Senhores que sejam portadores da mensagem de fraterna amizade com que homenageio, em nome do povo e do Governo brasileiros, os governos e os povos irmãos da América Latina, aqui tão dignamente representados. Minha presença neste foro de entendimento assinala a elevada prioridade que atribuo às relações com todos os países da América Latina, como expressão da vocação latino-americana do Brasil e da sua profunda identidade com o Continente.
Senhor Presidente, Senhores Representantes, A ação deste grupo de coordenação regional já deixou sua marca inconfundível na diplomacia que se pratica nos foros internacionais. Suas posições, que refletem a coesão e o equilíbrio dos consensos, enriqueceram as Nações Unidas com a vocação universalista e participativa da América Latina nas grandes questões que interessam à Humanidade em geral e aos países em desenvolvimento em particular. A América Latina tem uma longa tradição de reflexão e prática internacional. Desde os tempos da nossa independência política, muitos foram os momentos de criatividade política e jurídica do Continente. Essa vocação de serviço da América Latina, trazida aos foros da diplomacia multilateral, consolidou nossa presença nessa área cada vez mais importante das relações internacionais. Ao mesmo tempo, traduziu fielmente a importância das Nações Unidas e suas Agências especializadas para nossos países. Nossa voz, voltada para os valores da paz, do progresso e da participação, adquire uma amplitude nova no momento em que a democracia, fortalecida no Continente, empresta uma legitimidade crescente à ação de nossos governos.
Hoje, assistimos a novas iniciativas que comprovam essa capacidade de mobilização e de coordenação latinoamericanas em defesa de interesses legítimos da região. É esse o sentido das ações do Gupo de Contadora e do Consenso de Cartagena, orientadas pela firme decisão de encontrar soluções duradouras, estáveis e genuinaente latino-americanas para graves problemas que afetam a vida de nossos povos.
Senhor Presidente, Senhores Representantes, O exemplo diário da coordenação e da solidariedade é a diferença marcante entre nossa reação à crise atual e à dos anos 30. Meio século atrás, o colapso da economia surpreendeu-nos dispersos, isolados, encerrados em nossos particularismos. Hoje, o desafio mundial encontra uma América Latinas mais coesa e transformada pelos esforços de integração. É nesse caminho da construção e aperfeiçoamento da confiança recíproca que devemos perseverar. São seus pressupostos a comunidade de destino e aspirações, a riqueza e diversidade de expressões nacionais harmonizadas pelo comum denominador da identidade cultural latino-americana. Nas décadas de 50 e 60, a América Latina foi pioneira na introdução de conceitos inovadores que iriam conduzir à UNCTAD, à luta por uma Nova Ordem Econômica Internacional, ao diálogo Norte-Sul, à cooperação Sul-Sul, às duzentas milhas de mar territorial e à Convenção sobre o Direito do Mar. Por algum tempo, nossos países foram apontados como a história do sucesso do desenvolvimento, como economias na plataforma de decolagem para o crescimento auto-sustentado.
Hoje, com igual exagero, somos vistos como descrentes de nós mesmos, mergulhados em perplexidade e frustração diante do desmoronar das velhas fórmulas desenvolvimentistas. A vitória sobre a desesperança e o pessimismo deve nascer de uma reação baseada na autoconfiança. Não apenas da afirmação da vontade contra a adversidade dos tempos, mas do conhecimento sereno que temos da força, da perseverança e da vitalidade de que nossos povos, mesmo nos piores momentos, sempre souberam dar provas. Não podemos renunciar ao desenvolvimento, condição do bem-estar, da educação e da justiça para nossas sociedades.
Se as fórmulas de antes estão gastas, temos de recorrer à inteligência criativa da América Latina para forjar conceitos novos, que atualizem o ideário do desenvolvimento. Para outros Continentes, a idéia-força que plasmou a unidade foi ora a descolonização e a luta contra o racismo, ora a edificação da convivência e da integração num espaço geográfico dividido pela ideologia. Para nós, latino-americanos, o fio unificador, a idéia comum capaz de gerar unidade e conferir-nos um papel internacional inconfundível só poderá ser a renovação do nosso compromisso com um desenvolvimento pleno e equilibrado, fonte de bem-estar e de justiça. Senhores Representantes, Os quarenta anos da fundação das Nações Unidas se cumprem num mundo conturbado. Nele, a paz e a segurança são ainda um ideal e a justiça e a eqüidade uma promessa remota.
Estes quarenta anos de existência da Organização das Nações Unidas convidam-nos à reflexão e inspiramnos para a ação. A reflexão traz-nos a certeza de que a América Latina muito tem a oferecer à Organização e aos ideais e princípios que dão sentido à sua existência. A ação mostra-nos que o caminho é um só: a capacidade de influirmos na História passa pela criatividade de nossas idéias, pela legitimidade de nossas propostas e pela determinação com que soubermos buscar em nossa Cultura a inspiração para construir um mundo de liberdade e de justiça.
(Texto reproduzido em conformidade com o acordo ortográfico vigente à época de sua publicação original)