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Discurso na cerimônia de assinatura da Declaração de Paz entre o Equador e o Peru - Brasília, 26 de outubro de 1998
Os povos da América se unem hoje para celebrar uma conquista histórica: a vitória da pa,z em nosso hemisfério, B portanto com imensa alegria que dou as boas-vindas e os agradecimentos aos Presidentes Jamíi Mahuad e Alberto Fujimorí, que assinaram os instrumentos jurídicos que consagram a paz definitiva ente o Equador ê o Peru. Cumpre-se de forroa plena o compromisso solene que sekmos na Declaração de Paz do Itamaratyj, de 19 de fevereiro de 1995, Resgatamos, hoje, a esperança dos povos do Bquador e do Peru num futuro de colaboração e entendimento, Reafirmamos a fé de nosso continente na promessa de convívio pacífico $ solidário. Presto, em nome de todos o^ países garantes do Protocolo do Rio de Janeiro de 1942, uma homenagem aos Presidentes Jamil Mahuad ê Alberto Fujimorí, cujas qualidades de estadistas revekram-sê â altura dos desafios lançados pelo Processo de Paz, Com lucidez e determínaclo, souberam encontrar o melhor equilíbrio ente os legítimos anseios e aspirações histéricas de seus povos.
Com visão e perseverança, souberam guiar seus povos no caminho da concórdia. São dois grandes patriotas que merecem para sempre a admiração dos americanos. Acompanhei pessoalmente os intensos e corajosos esforços dos dois Presidentes. Foram realmente líderes.Tiveram a lucidez para comandar um processo complexo, difícil, de debate amplo, que permitiu a sedimentação de um consenso nos dois países em favor do entendimento. Aqui estão, ao meu lado, os Presidentes Carlos Menem e Eduardo Frei, cuja participação ativa nesse processo foi crucial para o seu êxito. O amigo Thomas McLarty trouxe a palavra de apoio do Presidente Bill Clinton, a quem também agradeço de público. E é para mim uma grande honra receber em solo brasileiro Suas Majestades o Rei Juan Carlos e a Rainha Sophia. Sua vinda a Brasília para compartilhar esse momento histórico de reconciliação dos povos equatoriano e peruano é o símbolo maior da admirável herança iberoamericana. Igual honra nos fazem os Presidentes da Bolívia, Hugo Banzer, e da Colômbia, Andrés Pastrana, que aqui vieram para expressar seu respaldo e sua solidariedade neste grande momento da história sul-americana. Somos gratos pela presença entre nós do Cardeal Dario Castrillón Hoyos, enviado pessoal do Papa João Paulo II, cujo estímulo nunca faltou ao processo de paz. A mensagem papal de que é portador constitui alento espiritual para os povos do Equador e do Peru e inspiração na tarefa de construir a paz.
Registro, igualmente, a presença significativa do Secretário-Geral da OEA, Dr. César Gaviria, cuja vinda a esta cerimónia é simbólica da importância deste evento no âmbito interamericano. Majestades, Senhores Presidentes, celebramos, hoje, as conquistas do árduo, mas insubstituível exercício diplomático de promover a reconciliação e o desarmamento dos espíritos e, sobre essa base de confiança mútua, edificar um futuro melhor. Foram dias de intensa negociação e eu me orgulho de delas ter participado pessoalmente com o Presidente Fujimori e, do lado equatoriano, em uma primeira fase, com os Presidentes Sixto Durán e Fabián Alarcón, e depois com o meu amigo Jamil Mahuad. Sabemos que a paz não se alcança apenas com o silêncio das armas ou com palavras de boa vontade. Vossas Excelências subscreveram hoje um conjunto de acordos que traduz em ações concretas e inovadoras esse compromisso com o futurb. Na opção pela paz, passa-se a um patamar mais elevado nas relações humanas. A tolerância e o respeito recíproco dos direitos de cada um fazem com que as fronteiras deixem de constituir uma ameaça para afirmarem-se como áreas de cooperação fecunda. Peru e Equador demonstram a todo o mundo, hoje, que o que distingue a América do Sul é o fato de ser uma região de paz. É o fato de ser uma região que elege a diplomacia e o direito internacional como estilo para superar divergências, queí escolhe a boa convivência como passaporte para a modernidade. Sem paz não há progresso ou desenvolvimento possível. É esta opção pela paz que define a nossa posição no mundo. É a nossa recusa de todas as formas de influência baseadas no uso, ou na ameaça do uso da força. Queremos que a nossa capacidade de influência se afirme por nossos êxitos na promoção dos direitos humanos e da democracia, da justiça social e do crescimento económico.
Serão essas as armas com qtte combateremos, juntos, para conquistar o lugar que a América do Sul merece ocupar no cenário mundial. Hoje, festejamos uma vitória. Os vencedores se encontram em toda nossa região e, de fornia muito especial, no Equador e no Peru. São vencedores todos aqueles que advogaram, defenderam e se empenharam na causa da paz: sem esse concurso das sociedades equatoriana e peruana - que incluiu a indispensável e lúcida participação dos parlamentos de ambos os países -, sem o seu comprometimento com a paz, o resultado de hoje não teria sido possível. Expresso, portanto, o meu profundo reconhecimento a toda a sociedade equatoriana e peruana pojr seu apoio à paz.
A atitude patriótica e exemplar desses dois povos merece a nossa admiração e respeito. Estou seguro de interpretar fielmente o sentimento de todos ao manifestar meu especial reconhecimento pela atuação decisiva dos Observadores Militares dos países garantes. Com grande eficiência e alto sentido profissional, criaram as condições indispensáveis para a consolidação de um clima de distensão e confiança mútua entre as Partes e para o êxito das tratativas político-diplomáticas. É justo que se reconheça também a dedicação tenaz dos negociadores de ambos os lados, que tornou possível a conclusão dos textos hoje assinados. O Acordo Amplo de Integração Fronteiriça bem exprime nossa convicção quanto às vastas oportunidades de cooperação na gestão conjunta de recursos compartilhados. Projetos orçados no valor global de US$ 3 bilhões brevemente transformarão em realidade nosso permanente empenho em juntar esforços em benefício de todos. Exemplo expressivo desse espírito de cooperação - e de suas vantagens - é o Tratado de Comércio e Navegação, previsto no artigo 6° do Protocolo do Rio de Janeiro. No seu âmbito, vamos realizar as amplas potencialidades de aproveitamento conjunto dos recursos da Bacia Amazônica, refletindo a vocação amazônica do Equador. O Governo do Peru entendeu a importância desse fato e atuou com patriotismo, espírito construtivo e solidariedade. Juntos, continuaremos a avançar na missão de transformar a Amazónia em espaço privilegiado de desenvolvimento sustentável e integrado. Os entendimentos alcançados para concluir a Fixação no Terreno da Fronteira Terrestre Comum não representam apenas a promessa da convivência pacífica e respeitosa.
Se, no passado, a demarcação territorial foi fundamental na definição de nossas identidades nacionais, hoje, nosso amadurecimento enquanto comunidade solidária de países soberanos exige que nossas fronteiras sejam, cada vez mais, um ponto de encontro entre nossos povos, uma instância de convívio e aproximação. A Comissão Binacional sobre Medidas de Confiança Mútua e Segurança já vem adotando iniciativas que se adiantam a propostas em discussão em foros internacionais sobre desarmamento. Registro com especial satisfação a iniciativa dos Presidentes Mahuad e Fujimori para acelerar a retirada das minas na região fronteiriça. Contarão nessa tarefa com a colaboração da MOMEP e, tenho a convicção, com o apoio de toda a comunidade internacional para livrar suas populações desse cruel flagelo. Majestades, Senhores Presidentes, Senhoras e Senhores, são a paz e a justiça os maiores imperativos éticos, condições para que o homem se realize plenamente. A recordação daqueles equatorianos e peruanos que caíram em nome de suas pátrias haverá de reforçar nosso empenho em favor de que as novas gerações não tenham mais por que sacrificar suas vidas. Este, sim, constitui o motivo principal para celebrarmos a data de hoje e para contemplarmos o futuro com otimismo. De fato, nunca tivemos motivos para desânimo e ceticismo, pois em nosso continente não há lugar para alternativas diferentes da paz e da cooperação. O Presidente Fujimori expressou essa convicção quando afirmou recentemente não ter dúvidas de que chegaríamos a bom porto, o porto da paz. Motivado pela mesma certeza, o Presidente Mahuad recordou que o desafio das conversações de paz está em transformar em diálogo o que por longos anos foi um embate de paixões. Sabemos, de fato, que as concessões mútuas representam a conquista da razão. Longe de ver-se diminuída, a dignidade nacional sai engrandecida dessa discussão de ideias e aspirações onde há apenas vencedores. Os países garantes se orgulham de terem contribuído para o êxito do processo de paz e continuam imbuídos da responsabilidade que lhes foi confiada. Este é um dia histórico, no qual Equador e Peru dão a todo o mundo um exemplo eloquente: o exemplo de como a palavra vale mais do que a força, de como, pelo diálogo, a vontade de cooperação supera todos os obstáculos. É a prova de que, em nosso continente, a paz não é uma expressão vazia, mas um modo de vida, para nós e para as gerações vindouras.
Com toda sinceridade, antes de terminar e dar os meus parabéns aos povos do Equador e do Peru, eu quero lhes dizer que nós assistimos a uma manhã realmente histórica, dessas manhãs que dão arrepios ao se participar delas. Ao ouvir, aqui, as palavras do Presidente Mahuad, ao ouvir as palavras do Presidente Fujimori, ao ver o clima que se criou nesta sala, na presença do representante do Papa, de Suas Majestades os Reis da Espanha, dos Presidentes de vários países amigos, ao sentir a emoção, a construção que não foi só da razão, foi muito mais do que da razão, foi uma construção baseada no sentimento de que nós não poderíamos mais assistir a povos irmãos, povos fraternos, na frente de batalha - como disse o Presidente Fujimori - povos que trazem, no seu sangue, as marcas de guerreiros do passado, ao vê-los encontrarem-se aqui, ao ver a troca, como assistimos, de trofeus, de trofeus até privados, só houve uma vontade em todos - nos meus olhos, começou a brotar a lágrima -, de chorar de alegria, de emoção. Foi uma grande manhã. E o Brasil se sente orgulhoso de ter podido contribuir para que o Peru e o Equador culminassem suas lutas antigas nesse exemplo vivo de dignidade; se sente orgulhoso da capacidade de sermos herdeiros de Bolívar, de San Martin e de o fazermos com a humildade de saber que só o fizemos porque nós representamos grandes povos. Viva o Equador e viva o Peru.
Muito obrigado