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Discurso do presidente Lula na sessão de encerramento da 46ª Conferência da Comunidade do Caribe
Eu quero dizer, minhas amigas e meus amigos, a alegria estar novamente entre os companheiros e companheiras da CARICOM. Em 2005, tive a honra de participar de uma Cúpula como esta, no Suriname. Foi a primeira vez que um chefe de Estado brasileiro se dirigiu aos líderes da CARICOM. Em 2010, fui anfitrião da primeira Cúpula Brasil-CARICOM.
Dela resultou nossa associação ao Banco de Desenvolvimento do Caribe, além de diversas iniciativas de cooperação técnica. Apesar dessa aproximação, não logramos consolidar uma agenda consistente com a região. Sabemos que a CARICOM espera muito mais do Brasil.
Sabemos dos principais problemas que atingem a região: a insegurança alimentar, que – segundo o Programa Mundial de Alimentos – ameaça metade da população caribenha; e a mudança do clima, que coloca em risco todo o planeta, sobretudo os países insulares.
Quero ressaltar que esses dois problemas estão no centro dos debates travados pelo Brasil nos fóruns internacionais. Quero ressaltar também que esses dois problemas têm a mesma raiz: a desigualdade. Portanto, a luta do contra a desigualdade no mundo é também a luta das populações caribenhas.
Não é possível que num planeta que produz comida suficiente para alimentar toda a população mundial, cerca de 735 milhões de seres humanos não tenham o que comer.
Não é possível que os países ricos, principais responsáveis pela crise climática, continuem descumprindo o compromisso de destinar US$ 100 bilhões de dólares anuais aos países em desenvolvimento, para o enfrentamento da mudança do clima. Não é possível que o mundo gaste por ano US$ 2 trilhões e 200 bilhões de dólares em armas.
Guerras provocam destruição, sofrimento e mortes, sobretudo de civis inocentes. O Brasil seguirá lutando pela paz mundial. Uma guerra na distante Ucrânia afeta todo o planeta, porque encarece os preços dos alimentos e dos fertilizantes.
Um genocídio na Faixa de Gaza afeta toda a humanidade, porque questiona o nosso próprio senso de humanidade. E confirma uma vez mais a opção preferencial pelos gastos militares, em vez de investimentos no combate à fome na Palestina, na África, na América do Sul ou no Caribe.
Minhas companheiras e meus companheiros, ouvi da primeira-ministra Mia Motley que Barbados tem 27 voos semanais para o Reino Unido e para os Estados Unidos e nenhum para o Brasil.
Portanto, nosso maior obstáculo é a falta de conexões, seja por terra, por mar ou pelo ar. Uma das rotas de integração e desenvolvimento prioritárias para meu governo é a do Escudo Guianense, que abrange a Guiana, o Suriname e a Venezuela.
Queremos, literalmente, pavimentar nosso caminho até o Caribe. Abriremos corredores capazes de suprir as demandas de abastecimento e fortalecer a segurança alimentar da região.
É importante lembrar, Sr presidente, que viajaram comigo meus ministros de integração, de portos e aeroportos, transportes e planejamento. Eles estão prontos para aprofundar a agenda de integração com a Guiana, o Suriname e oss outros países do Caribe.
O Brasil pode oferecer gêneros alimentícios a preços competitivos. Mas também pode contribuir para ampliar a produtividade agrícola local.
Por isso quero convidar os países da CARICOM a se somarem à Aliança Global de Combate à Fome e à Pobreza que será lançada pela presidência brasileira do G20.
Queremos promover políticas públicas e mobilizar recursos para essa causa.
Meus amigos e minhas amigas, a criação do fundo de perdas e danos, na COP de Dubai, foi uma conquista histórica. Mas a luta não terminará enquanto não houver mais fundos para adaptação e para o cumprimento da Agenda 2030 como um todo.
Como anfitrião da COP30, o Brasil quer trabalhar com os Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (SIDS). O IPCC é categórico sobre a urgência de limitar o aumento na temperatura global a um grau e meio.
Precisamos unir forças para avançar em nossa "Missão 1.5", acelerando a implementação dos compromissos já assumidos e adotando metas mais ambiciosas em 2025.
Com a Guiana e o Suriname, que também são países membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), queremos convidar outros países da CARICOM a seguirem São Vicente e Granadinas e se somarem à Declaração “Unidos por nossas Florestas”.
Os serviços que as florestas prestam ao mundo precisam ser valorizados. O Caribe é vulnerável a eventos extremos, que também se tornaram mais frequentes no Brasil.
Tenho a satisfação de anunciar que, por decisão conjunta, o Brasil e a CARICOM decidiram fortalecer a gestão integrada de riscos de desastres, por meio do “Mecanismo de Resposta Regional” da Agência Caribenha de Gerenciamento de Emergências em Desastres.
Amigas e amigos, Brasil e CARICOM estão lado a lado também na defesa de uma governança global mais justa.
Não é mera coincidência que, nas votações da Assembleia Geral da ONU, a convergência entre nós chegue a 80%. Também compartilhamos do diagnóstico da Iniciativa de Bridgetown.
Muitas de suas propostas são bandeiras que o Brasil erguerá na presidência do G20. Refiro-me, em especial, ao pleito pela ampliação dos recursos disponíveis a países em desenvolvimento.
Até o final deste ano, faremos um aporte ao fundo concessional do Banco de Desenvolvimento do Caribe. Países caribenhos sofrem com altos níveis de endividamento e têm condições menos favoráveis de renegociação por terem ascendido à condição de países de renda média.
Guiana, Haiti, Suriname e Trinidad e Tobago são membros da cadeira do Brasil na diretoria executiva do FMI. Todos nos beneficiaríamos da reforma das instituições de Bretton Woods, para torná-las mais representativas.
A arquitetura financeira internacional não dispõe de ferramentas adequadas para responder às demandas de desenvolvimento sustentável e enfrentamento à mudança do clima. No Haiti, precisamos agir com rapidez para aliviar o sofrimento de uma população dilacerada pela tragédia.
Infelizmente, a comunidade internacional não deu ouvidos quando o Brasil alertou que o esforço de estabilização só seria sustentável com apoio maciço ao desenvolvimento e ao fortalecimento institucional do país. Hoje, o Haiti – primeira nação independente do Caribe e primeiro país a abolir a escravidão no hemisfério ocidental – se vê novamente imerso numa espiral de insegurança e instabilidade.
Escutar a voz da região é portanto imprescindível. São de suma importância o engajamento caribenho na Missão Multinacional da ONU e o empenho do Grupo de Personalidades Eminentes da CARICOM na mediação entre as forças políticas haitianas. A crise securitária só se resolverá com avanço no processo político.
Temos uma ligação especial com o Haiti, materializada pelos cerca de 200 mil haitianos que vivem no Brasil. Estamos oferecendo treinamento à Polícia Nacional Haitiana e vamos inaugurar um centro de formação profissional para jovens haitianos no sul do país, no valor de 17 milhões de dólares.
Com mais de cinquenta anos, a CARICOM é um dos mais antigos blocos de integração do mundo em desenvolvimento.
O PIB combinado de seus quinze membros é de 120 bilhões de dólares, maior do que o de alguns países sul-americanos. Sua população de 19 milhões de pessoas é um ativo muito valioso.
O Brasil voltou a olhar para seu entorno, ciente de que somente juntos lograremos uma inserção internacional robusta.
A CARICOM abriu-se para o Sul, rejeitando a condição de zona de influência de potências alheias à região. Temos o desafio de manter nossa autonomia em meio a rivalidades geopolíticas.
Cabe a nós manter a região como zona de paz. Abrigamos sociedades multiétnicas, entrelaçadas por culturas vibrantes.
Mas também carregamos o trauma da maior migração forçada da História. O Brasil e o Caribe foram os grandes destinos do tráfico humano.
Como parte da diáspora africana, compartilhamos da responsabilidade de resgatar e preservar a memória dos flagelos do colonialismo e da escravidão. Nossa relação pode ir muito além do intercâmbio de boas práticas e de atividades de capacitação.
Vemos no bloco um parceiro econômico promissor e um interlocutor político estratégico. O Brasil já é o quinto maior fornecedor da CARICOM.
Nossa corrente de comércio foi de US$ 2,7 bilhões de dólares no ano passado, mas já havia superado US$ 5 bilhões em 2008, o que demonstra seu potencial de crescimento. A Agência Brasileira de Promoção de Exportações identificou mais de mil oportunidades de inserção de produtos brasileiros nos países da Comunidade.
Ocorre que bens e serviços não circulam onde não há vias abertas. Belém, Boa Vista e Manaus estão mais próximas de capitais do Caribe do que de outras grandes cidades brasileiras.
Meus amigos e minhas amigas, na Cúpula de 2010, falei da nossa vocação – do Brasil e do Caribe – de “aproximar para unir e unir para mudar”. Essa mensagem segue atual e relevante.
Em meus mandatos anteriores, chegamos a ter embaixadas residentes em todos os países da CARICOM. Queremos restabelecer nossa presença diplomática em todos os paises da CARICOM. Estamos reabrindo nossa missão junto a São Vicente e Granadinas.
Vamos retomar nosso mecanismo de consultas políticas para aprofundar nosso diálogo e formular agenda substantiva para uma segunda Cúpula Brasil-CARICOM.
O escritor caribenho Naipaul , prêmio Nobel de literatura, disse que “Muitas pessoas estão confinadas no nicho que esculpem para si mesmas e se limitam a poucas possibilidades pela estreiteza de sua visão”. Por isso quero convidá-los para, juntos, expandir nossa visão e conquistar um lugar maior no mundo.
A CARICOM é parceiro fundamental do Brasil e parte indispensável da CELAC, sem a qual o projeto de integração regional permanecerá inacabado.
Muito obrigado.